quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O TEMPO - 25

     
      O telefone toca, você corre, atende, ouve uma voz... Não é a que você esperava. Hirto você contempla o vazio presente e a incapacidade de ver algo a sua frente que você possa chamar de futuro. Chega um determinado momento da existência em que finalmente você não só sabe, mas tem certeza que o tempo é um só: o contínuo presente. Um, dois, três dias, uma duas, três semanas... Que diferença faz se absolutamente nada mais acontece que os minutos, horas e dias se devorando insensatamente e você esperando o que? Talvez definitivamente adentrar ao vazio que precedeu o vazio.
E se então você descobre que o único tempo que você tem é o presente, não há escapatória, ou há... a fuga é olhar o passado, lá conterá um tempo onde o tempo se dividia em passado, presente e futuro. E não obstante todas as respostas dizerem o contrário você teimava em acreditar na idéia de...Futuro. Idéia cruelmente dilacerada pelo presente passado que oblitera o por vir. E imediatamente você percebe que se o passado pode ter sido o que poderia ser, ele também definitivamente foi o que apagou tudo que esteve por vir e eliminou qualquer tênue faixa de esperança.
 Hoje é vinte cinco e o telefone toca, você sabe que quem você espera nunca estará lá novamente a não ser em sonhos tortuosos em preto e branco, ou no delírio do passado reinventado ou na pungente saudade de tudo que poderia ter sido. Na solidão do quarto você chora, talvez outra pessoa chore também, mas quase tão inútil quanto nossas vidas quando finalmente entendemos o tempo, são essas lágrimas grossas, quentes, salgadas, que escorrem pelo corpo até desaparecer... como se nunca tivesse existido.
O telefone toca. E no esquife ninguém ouvirá seu grito, se debaterás em vão porque no final das contas, o tempo sempre será: passado.

By- Adriano Cabral.

sábado, 21 de agosto de 2010

Aprendendo - Sampa, Lágrimas, Solidão e Luta.

       
      Numa mesa de bar há sete amigos, o garçon pergunta o que vão beber. Aline, gaúcha, se recusa a pedir, em noites frias assim só mesmo um chimarrão para aquecer. Esther responde numa fala mansa que para esquentar mesmo, nada como um bom tacacá servido em uma cuia de côco no meio da rua à moda de Manaus. O baiano Carlinhos lembra que em sua terra acarajé feito na hora aquece até o pólo norte, mas como era pra pedir bebida que venha uma cachacinha. O Hammedet emendou dizendo com a sotaque muito enrrolada que também iria embarcar na arak, o garçom fez careta, Anala sorriu com toda sua mineirice e traduziu: É cachaça em àrabe uai! Logo emendando que só queria um refrigerante. Felipe riu da graça da mineira e falou que o desejo dele mesmo era comer umas patinhas de caranguejo, mas como naquela cidade nunca tinham frescas como em qualquer birosca do Recife, pediria refrigerante para não ficar mais bêbado, afinal a fumaça da cidade já o deixava ébrio suficientemente. Nisso uma mulher de voz suave, doce deu um tapa no ombro do recifense: Droga você só sabe reclamar! Disse a mulher puxando a letra r, com seus nariz aquilino denunciando ascedência italiana. Em qual lugar do Brasil seria possível, sobretudo comum que numa mesma mesa estivesse pessoas de tantas regiões diferentes? Não há como pensar noutro lugar a não ser São Paulo. E a última mulher deste típico grupo, óbviamente só poderia ser uma paulista.
São Paulo é isso, antes de tudo uma terra forjada de lágrimas, solidão e luta.
      São Paulo terra onde todas as etnias, nacionalidades, religiões e tribos se reunem, por isso mesmo é o lugar do grande desencontro ou da união de lágrimas. Por que antes do grande encontro irmãos, país, filhos, namoradas e esposas são deixadas e até abandonadas. Até meados do séc. XVI nem cidade era considerada, mas foi alimentada por milhares de migrantes e imigrantes que deixaram suas terras para forjar esse monstro com seus gigantes de aço que até hoje olhados do ângulo certo, podem ser visto vertendo suas lágrimas de saudade.

      São Paulo terra das multidões, de milhões de pessoas que se espremem nos metrôs, são excretadas dos ônibus ou simplesmente paralisadas no meio da fumaça e carros velozes congelados no engarramento nosso de cada dia. São Paulo superpovoada de povo solitário. Não se sabe se a solidão dela vem do medo natural da violência de grande cidade, do individualismo necessário para alcançar o infinito sucesso profissional, ou da carga genética que lembra de que um dia muitos tiveram que deixar seus entes queridos e boa parte lamentaram bastante isso, logo, melhor mesmo é ficar só e lutar pelo ouro a viver criando laços só para perder mais alguém. Terra de solidão.
   Mas mesmo sozinho, e talvez por isso mesmo todos os paulistas e paulistanos do país que vivem nessa cidade não param, trabalham, crescem, aprendem, enriquecem, empobrecem, criam, destroem, caem e se erguem, porque sobretudo é uma cidade guerreira e determinada, é a esparta da indústria e do trabalho.
      Era em São Paulo que deveria ter nascido se não fosse um ladrão que roubasse o necessário para viagem dos meus pais . É de São Paulo que sai o segundo maior contigente de leitores deste blog, são mais de dois mil nestes um ano e oito meses de atividade. Essa cidade realmente não pára, ela possue e tem fome de tudo, mas ela ao mesmo tempo dá em abundância, sobretudo sua multicultura, por isso mesmo tem fome de leitura.
Nesta cidade também encontrei amores, e que amores...
      Me perdoem alguns Paulistanos se não gostaram do que leram, esse texto foi algo que teve que sair de dentro de mim para homenagear esta cidade que tão bem acolheu meu blog e me proporcionou tantas experiência tristes e dolorosas mas também com a mesma ou maior intensidade momentos encantadores e maravilhosos. Mas acredito que um povo que elegeu a música Sampa  de um baiano que mais critica que exalta a cidade como seu hino, não vai ficar amuado com o que aqui foi dito. Afinal Sampa serias o avesso, do avesso do avesso. rs
By- Adriano Cabral  

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O PRIMEIRO MENTIROSO

     
      É comum se ouvir "Eu odeio mentiras", "admito qualquer coisa menos mentira", "só a verdade liberta" e aí vai. Mas será que realmente é possível viver sem mentiras? Nãoooo! Provavelmente alguém pensou: Poxa, às vezes precisamos apenas ser educados e sensíveis. Sim meus caros leitores, a ausência de verdade pode mudar de nome. Então temos as mentiras "aceitáveis" classificadas em vários tipos: a mentira educação( Oh seu vestido esta lindo), mentira sensibilidade (Apesar da metástase ainda há esperanças), mentira gentileza (ele não é feio só não tem a beleza padrão) a mentira política (O Brasil pode muito mais! rsrsrrs) a mentira amorosa (você é tudo pra mim e jamais pensarei em outro homem) e aí vai. Então existiria a pequena e grande mentira? Deixo a resposta para vossas mentes, no entanto convido-vos á imaginar um mundo onde é impossível falar mentiras, não por coação, medo ou necessidade mas apenas porque é a natureza das pessoas. Neste mundo uma mulher olha para um bebê e diz que ele é horroroso, o empregado diz ao patrão que odeia o emprego, a mulher diz que vai casar apenas para ter uma vida financeira estável e ter filhos genéticamente adequados. Não gostaram muito né? Agora imaginem se no meio disso tudo uma única pessoa desenvolvesse a capacidade de mentir? Boa idéia pra se pensar hein! Pois esta idéia foi para tela de cinema e produziu um filme ao mesmo tempo despretencioso, mas bem interessante:O Primeiro Mentiroso. Acabei de vê-lo e fiquei emocionado, sim amigos, creio que a idade anda me deixando mole. Mas vou explicar a causa disso. O filme é definitivamente leve mas ao mesmo tempo nos traz momentos incômodos como a passagem onde o personagem principal Mark inventa para mãe todo um além vida maravilhoso por não suportar vê-la desesperada à beira da morte. As implicações dessa "mentira sensível" tem o incrível resultado: os meios de comunicação informados pelas pessoas do hospital da 'grande revelação de Mark" cercam sua casa e toda comunidade mundial exige que ele explique o que virá na vida após a morte afinal, todos adoraram a idéia de encontrar os entes queridos, viverem tomando sorvete e cada ser humano ter sua mansão no céu. Logo Mark acaba virando não só uma celebridade mas um verdadeiro messias, só ele sabe o que o homem lá de cima tem a dizer. No processo há uma mulher, lógico amigos, tinha que ter uma mulher. Antes de ficar famoso e rico Mark tem um encontro fracassado com a lindissima Anna (interpretada por Jennifer Garner, sim a Elektra) que diz logo que ele não é atraente, não tem vida financeira boa, não vai ficar com ele mas vai encontrá-lo porque ta desesperada e não quer ficar só,  deixando claro que não vai nem pensar em beijá-lo. Ainda acrescenta que jamais ficaria com ele por desejar ter filhos gordinhos com nariz de batata.

Rico e famoso Mark se reaproxima de Anna e ela o aceita como amigo, aos poucos ela confessa que ele é divertido, inteligente, fofo, legal, rico, que a faz muito feliz, mas ainda não teria boa aparência e ela não queria ter filhos feiosos. Mark não pensa duas vezes em mentir para conseguir dinheiro e fama, mas num ponto alto do filme Anna declara que o ama, no entanto por não suporta a idéia de ter filhos gorduchos irá casar com outro, ainda indaga a ele se ao ficar rico e famoso ele teria alterado sua carga genética. Neste momento, ele poderia responder que sim, afinal, ele é o único mentiroso da terra e tudo que é dito por ele é entendido como verdade irrefutável, no entanto ele não usa esse poder. Mesmo o primeiro e único mentiroso da terra sabe que não dá para ter uma relação amorosa completa, viva e sobretudo "verdadeira" se  a relação tem como base: mentiras, sejam elas grandes ou pequenas. Nisso me identifiquei muito com o personagem. Sou do tipo que fala umas verdades completamente constrangedoras e desagradáveis de serem ouvidas, principalmente para as pessoas que gosto muito, pois não acredito numa vida a dois onde não posso realmente ser ao máximo simplesmente: eu. Me desculpem os mentirosos (ou mentirosos sonhadores e ilusórios) mas numa relação a dois a verdade é fundamental e ela realmente liberta. Mas não esqueçam, tudo tem um preço e o da verdade amigos, é muito alto.
Mas fiquem tranquilos, não contarei o fim da história (que é óbvia rs), mas uma coisa me incomodou muito no final. Não obstante toda narrativa deixar claro como é estúpido se pautar na aparência e no que "todos deveriam desejar", o protagonista interpretado por Ricky Gervais não tem uma única cena de beijo com a personagem principal. Não obstante o ator ser roteirista, diretor e produtor do filme, parece que ele achou que o público não ia gostar de ver uma mulher bonita beijar um gordinho com nariz de batata.

By- Adriano Cabral

domingo, 15 de agosto de 2010

Notas de amor 2 - O Ser e o Nada

 
      Quando Eulália veio ao mundo, não houve grito, choro, nem gemido. O médico teve que apelar para violência a fim de conseguir ter certeza que a pequena estava de fato existindo. No entanto, antes de tudo, ele pode ver os curiosos olhinhos de Eulália prescrutando-o como se quisesse através de um simples olhar, decifrá-lo. E assim seguiu Eulália, curiosa, pensativa, sempre ouvindo, observando, raciocinando e concluindo...ou pior, não concluindo... Mas definitivamente, aprendendo e desaprendendo, Sempre repetia: sou um ser em construção. Para ela, antes de tudo, tudo, mas tudo mesmo, era relativo.
      Eulália obviamente virou cientista e em sua avidez de aprender logo percebeu que as ciências exatas são exatas apenas no nome e na necessidade do ser humano de ter ao menos sob a guarida dos números alguma nesga de criativa e insana lucidez.
  Ela já passava dos vinte cinco anos quando um dia deparou-se com o seu maior desafio, tão grande que a teoria das cordas pareceria física clássica, tão desafiadora quanto entender o interior de um buraco negro. Tal desafio se apresentou através de estranhos suores e calafrios, coração pulsante em momentos completamente inesperados e frequente dificuldade para falar. Sem falar na constante, sim havia uma constante, que era pensar no seu colega de trabalho Roberto e quase sempre com isso ganhar um sorriso. Ela queria entender, e cada vez mais que tentava investigar tal fenônomeno mais ficava perdida. As ciências da natureza não conseguiam explicar a contento, ela apelou para as humanas, e depois de tanto laborar, nada concluía de forma lógica, diante disso, só restava-lhe a frustração. Enquanto isso Roberto cansava-se de enviar flores, mensagens e fazer-lhe convites para almoços, peças e jantares. Certas vez, acabrunhado com tantas recusas ele perguntou-lhe do porque de tanta rejeição, ela respondeu-lhe sorrindo: Ah! Não vejo razão lógica pra perder tanto do meu tempo com você. Eulália jurava que estava apenas sendo honesta e isso não era problema. Roberto ainda teve forças de indagar se ela nao sentia nada por ele, foi quando ele aprendeu que não se deve perguntar certas coisas a certas pessoas pois ouviu: Eu não sei, não tenho a mínima idéia, e sinto que não estou nem próxima de começar a descobrir pois cada resposta que obtenho parece mais absurda que a outra. Diante de tanta verdade Roberto simplesmente deixou de falar com Eulália, e esta definitivamente não conseguia entender porque.
Só se sabe que no dia do casamento de Roberto, Eulália passou mal, não foi trabalhar e chorou quase o dia inteiro. E, mesmo entendendo boa parte dos segredos do universo através da física quântica, Eulália sofreu por muitos anos e até hoje não sabe realmente porque. Só uma coisa ela entendia: desde então ela sentiu-se como se não mais existisse, um nada.

by- Adriano Cabral.

domingo, 8 de agosto de 2010

Carinho De Pai



      Embaixo da árvore Luís esperava. Era fim do dia e seu Juvenal despontava ao longe em seu cavalo a passos lentos, enquanto Duda e Juventino caminhavam atrás do pai. Luís, com suas perninhas curtas, saíu correndo e gritando que ele estava chegando. Ao ouvir os berros do irmão mais novo Miriam e Alice correram em direção à porta assim como dona Marilu. Um por um os meninos que estavam na casa pediam a benção de olhos baixo, o homem com ar grave respondia dando uma leve palmadinha em cada cabeça pequena, ao chegar no menor, ele esboçou um leve sorriso e disse: Quando vais ficar grande menino, preciso de mais braços no eito! O menino respondia que já era bem grandão e podia pegar uma foice com uma mão. Após o ritual seu Juvenal sentava algum tempo no alpendre em silêncio. Os filhos tinha ordem de Dona Marilu de nunca incomodarem o pai. Às vezes quando um dos meninos fazia alguma peraltice de relevo tinha que se submeter as duras penas aplicadas pelo pai. Mas se era raro Dona Marilu denunciar os meninos, menos ainda eram às vezes  que Juvenal usava a força do braço, só gravidade de sua voz metia medo suficiente para se pensar duas vezes na vida.
 
      Os anos foram se devorando e Luís trabalhou vários deles no eito acompanhando seu pai em seu silêncio. Às vezes a alegria era muita para Luís quando seu Juvenal permitia que seu filho voltasse pra casa montado em seu cavalo.  Até que  Luís alistou-se no exército e foi servir na capital. O pai ao olhar seu menino fardado, pronto pra partir, olhou-o profundamente e disse: Não é que você cresceu um pouquinho menino! E em seguida passou a mão levemente nos cabelos de seu filho. Era o gesto máximo de carinho que o sertanejo era capaz. Luís às vezes esperava mais algum sinal de ternura de seu pai especialmente neste dia, partiu, enquanto o solo duro e seco ficou úmido em seu caminho.
 
      Ele já estava sentindo o peso dos anos e o tempo seguia, as meninas casaram, os mais velhos tinham se ido para algum lugar do norte e de repente, lá no fundo a gente sempre finge que é repentino, a morte veio. Quando a notícia chegou Dona Marilu franziu o cenho, sentou-se no chão barrento e lá ficou com as mãos na cabeça, estática como se o que houvesse dentro dela agora fosse vazio.
 
      Seu corpo jazia no caixão. Muita gente chorava. As meninas agora mulheres com filhos, não conseguiam entender os desígnios da natureza e do bom Deus. Os irmãos mais velhos não tinha dinheiro para viagem. Dona Marilu falou que não ía perder tempo pra enterrar ninguém, repetia que tinha muito serviço pra fazer, contudo, na maior parte do tempo a pobre senhora nada fazia e a cada instante estacava com o olhar vazio.
 
      Antes do caixão fechar um senhor muito idoso, mas de andar firme, avançou decididamente para o ataúde, num gesto comunicou que deveriam esperar mais um pouco. Naquele momento todos olharam pra o velho e para o corpo. A mão firme passou levemente a mão na cabeça do defunto, nos cabelos, no rosto descorolado e em seguida o senhor idoso beijou a tez do morto dizendo baixinho:
 
- Você cresceu meu filho tornou-se um homem forte e bonito,  às vezes queria de novo você menino esperando meu retorno do eito, eu te amo! Fica com Deus Luís.
 
Dito isto duas lágrimas grossas caíram e o caixão foi fechado. O céu continuava a reinar um sol bonito.

 
By- Adriano Cabral

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pedaços de Mim 2

     

      De outro lado acho que só quem vive só e acha que é um caso sem solução, que prega a velha ladainha de que no final das contas, o melhor mesmo é viver só. Só se abraça a solidão se não há outra opção. Agora, relendo sua carta, tenho a certeza que, se não vivemos mundos completamente diversos, ao menos nossas histórias, não obstante ser uma, foram vividas de formas diferentes porque mesmo com os olhos fechados, mesmo absorto em meu silêncio, dentro de mim você estava e estaria sempre comigo. De outro lado não te culpo totalmente por sonhares com algo mais, até porque, convenhamos, estive muito longe de ser o homem perfeito.
      Não imagines nem por um segundo que seria possível eu ter pena de ti, como alguém mortificado, dilacerado e apagado da existência tem condições de ter pena de alguém? Mas não creio que estou condenado a procurar, acho que se ainda tenho vontade de buscar é porque ainda tenho coragem de estar vivo. Logo trata-se de uma benção.
      Não posso decididamente concordar contigo, pois até hoje não sei se me afastar foi a decisão certa ou errada, mas naquele tempo, foi a necessária, e por mais vezes que minha mente foi capaz de voltar no tempo, não consegui ver outro caminho, pois conseguis-te fechar todos até restar apenas um: Ir-se.
      Mas posso te falar com toda humildade dos que choraram muito, com toda honestidade dos que pecaram e sofreram por isso, que não obstante o tiro fatal ter sido teu, tenho toda consciência que também fui culpado pois houve um tempo que também foste luz refulgente mas eu era um monstro cego que cegava. Portanto, trata-se de um crime perfeito onde ambos são vítimas, jurados, réus mas se recusam a todo momento nem ao menos admitir serem suspeitos.
      Confesso que é inevitável também sentir a tua falta, não de quem foste nos momentos derradeiros, óbvio, mas quem foste naquela praia doce, naquele luar, ao som daquela canção, nos meus braços. Ao contrário do comum, não fugi das memórias, não apaguei fotos, e-mails, vídeos, textos,  nem mesmo eliminei as boas lembranças, ao contrário.Tento guardá-las pois são mais um motivo para caminhar e seguir em frente, porque antes de tudo, você provou pra mim que por mais improvável que seja, é possível haver outro amanhã.
      Por outro lado queria te dizer que há tempos que não tenho mais lágrimas para chorar e a dor adormeceu, estou livre. E se ao nos quebrarmos você sentiu que faltou um pedaço de ti, pense  que também uma parte de mim se foi contigo. Assim, mesmo que nossa história esteja definitivamente acabada, mesmo que o livro esteja para sempre fechado, de alguma forma, estaremos um num outro: completos, e pela extrema dor: purificados e quem sabe por fim, perdoados.

By- Adriano Cabral