quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Até que a Morte os Separe


- Oi, meu nome é Amélia, se realmente tiver algo a dizer, pode deixar um recado após o bip, senão, não enche a caixa postal tá? Esta era trigésima vez que André ouvira a mensagem eletrônica, ele rediscava, sabia que ela jamais iria atendê-lo, sabia que era tarde demais para qualquer palavra além daquelas repetidas pela mensagem gravada. Mas sobretudo, ele sabia que seria a única forma de ouvir a voz dela. Enquanto isso ele não parava de relembrar, entre lágrimas, como tudo terminara.
      Tudo começou com um telefonema:
- Alô! André, ela ta muito mal, no hospital, foi socorrida hoje pela manhã, nossa família já está toda aqui dando assistência ao irmão, ele ta desesperado.
- Tá, vou chegar aí já já. Em seguida ele ligou pra sua "Lela" comunicando que não iria comparecer ao encontro marcado.
Ao chegar ao hospital ele encontrou seus pais, suas irmãs e muitos amigos, todos correram para abraça-lo, a comoção era geral, o estado dela era muito grave. Ele passou a noite toda lá, em virgília, o telefone dele chamava-o sem cessar, ele repetia o de sempre: Não possso sair daqui, você não entende Lela? Ela esta em estado grave, pode morrer. E na manhã seguinte ela morreu. Após receber a confirmação da morte, André caíu prostrado na cadeira. Passou o resto do dia entre abraços condolentes, ligações no mesmo sentido e um vazio enorme impossível de ser preenchido. Ontem mesmo falara com ela, tão jovem, nem trinta anos, como Deus pode fazer isso, tudo bem, ela tinha uma vida maluca, boêmia, mas não merecia partir assim, tão cedo. Era início da noite e o telefone tocou novamente:
- André, eu tou viva! Você vai ficar nessa?
-Lela, entenda, é melhor a gente não se encontrar hoje, não quero que me vejas assim, amanhã a tarde é o enterro, outro dia a gente se vê.
-Mas André, ela morreu, acabou, é passado, estou aqui viva! Você ainda vai para o enterro bancar o viúvo? Já não basta?
-Lela, eu vou, sinto muito, não importa o que você diga.
-Então eu vou contigo.
-Melhor não.
-Ou você vai comigo ou não vai, eu te amo! Mesmo neste momento tenho que estar ao teu lado.
      Na hora que André e Lela entraram no espaço destinado ao velório ele correu para os braços da mãe e chorou copiosamente. Várias pessoas vinham prestar-lhe as condolências de praxe. Ao largar os braços da mãe Lela tentou segurar a mão de André, este passou por ela como se não a tivesse notado e se dirigiu ao local onde estava o caixão. Ela ficou ao longe vendo-o olhar a defunta com dor profunda, lágrimas constantes e pungentes. Num determinado momento, o pai da morta discursou e agradeceu a presença de André que depois dele, o pai, foi quem mais amou a filha e sempre fora amado por ela, nisto abraçou-o e todos aplaudiram. No momento em que a tampa do caixão estava sendo posta, o desespero foi geral, inclusive de André. Lela, mesmo furiosa, se comoveu e foi em direção ao seu amado, no entanto, ele pediu pra ela se afastar, falou que naquele momento, preferia a companhia de seus amigos, e seguiu o cortejo até o túmulo amparado a duas amigas da morta.
No caminho  para casa de André,  ainda no automóvel, estavam as duas irmãs de André, sua mãe e Lela. A conversa sempre recaía na morta, de forma elogiosa. Lela, observou que não foi adequado o pai da falecida referir-se a André como amor da vida da filha, afinal, ela, Amélia, era a namorada do André agora já fazia quase um ano. Nisto a irmã mas velha de André, Letícia interrompeu com fel na voz:
- Ah! Amélia, Lela, sei lá, fica na tua, realmente André e Amanda quase se casaram e se amaram muito, e todos desta família queríamos aquele casamento. Ao ouvir isso Amélia procurou seu namorado com os olhos em busca de socorro, ele não parecia ter nada a dizer, continuou dirigindo. Amélia não pode conter uma lágrima que caíu solitária.
Pouco depois, a mesa de jantar, o assunto eram as qualidades de Amanda, as histórias engraçadas relacionadas a falecida e como André e Amanda eram perfeitos. Agora a turma nunca mais vai ser a mesma: Não cansava de repetir Ronaldo, melhor amigo de André. Amélia estava sentindo-se sufocada, disse ao namorado que iria embora, ele aceitou imediatamente a sua partida. Durante a despedida Amélia deu-lhe um beijo longo e disse:
-André, eu te amo! Eu ainda estou viva tá?
-Lela! Estou muito triste, depois a gente conversa, eu também gosto de ti.
Durante toda semana não se falaram, no final de semana seguinte André ligou pra Amélia.
- Lela, vamos nos ver hoje?
-André, lembrou finalmente que estou viva? Sabe, passei essa semana inteira remoendo a humilhação de você ter me deixado por três dias para se dedicar a sua ex-namorada moribunda e essa sua semana inteira de luto. Ao fato da sua família me humilhar com a preferência à morta e você não me defender. Mas estou tentando superar isso, mas você nem ao menos me ligou pra saber como eu estava, nem ao menos pensou no que eu senti.
-Mas Amélia, Amanda não era só minha ex namorada, ela era amiga de toda minha família.
-E eu sou o que?
-Amanda é passado...
-Pois é, ela deveria ser passado, sabe André, tenho uma novidade pra você.
-Deixa de drama mulher! Não fiz nada demais...
-Eu morri.
Dito isto o telefone ficou mudo, ele ligou várias vezes, procurou-a de todas as formas, através de amigos em comum Amélia informou que não queria de forma nenhuma ter contato com André. Este, agora, nem consegue mais pensar em Amanda e sua morte, agora ele só pensa e sente saudades de sua Lela, que mesmo viva parecia estar no além. As vezes os seres humanos são assim, esquecem de viver a felicidade presente apenas para se alimentar do passado e seus mortos. Enquanto isso, André rediscava e ouvia:
Oi, meu nome é Amélia, se realmente tiver algo a dizer, pode deixar um recado após o bip, senão, não enche a caixa postal tá?

by- Adriano Cabral