domingo, 29 de novembro de 2009

A Praga da Beleza e a Morte do Indivíduo



(Monalisa se fosse um zumbi da beleza dos dias de hoje)
-Feliz aniversário gata!Agora você vai ficar mais linda ainda! Dito isto, Eduardo estendeu um grande envelope vermelho com laços de fita.
-Jura, você comprou? Jura, jura, jura? Exclamou Ana saltitante.
Seis meses depois o namoro, que durou a eternidade de um ano (o que é muito para as relações amorosas hodiernas) o mesmo casal trava o curioso diálogo.
-Quero de volta!
-Não dou, você não pode tê-los de volta, já devolvi o anel, as flores, os livros, os discos e aquela manada idiota de bichos de pelúcia. Acabou, estou apaixonada pelo Roberto, já estou de aliança, olha!
-Quero meus peitos de volta! Não vou deixar qualquer vagabundo pegar no que é meu e paguei caro por isso. Gritou Eduardo.
Não, não é delírio deste que vos escreve, essa cena é real e aconteceu. É apenas um breve retrato do que tem acontecido nos últimos tempos na nossa zumbilândia. Sim, vivemos numa terra apinhada de zumbis não perceberam? Vou tentar explicar: A sociedade de massa elimina quase que completamente a possibilidade da raça humana de ter individualidade ditando-lhe o que comer, beber, vestir, o que ler, ver, e até mesmo a forma que você pode ou não ter.
Cria necessidades onde não há, constrói e reconstrói o que é belo através de violenta imposição de padrões de moda e beleza via a grande mídia, constrangendo, angustiando e levando pessoas de todas as idades à doentia busca de adequação, e como a objetivo é vender, a busca tem não tem fim. Nesse ponto, morre o indivíduo nasce o zumbi, e quem ousa ir contra a maré é hostilizado e não raro excluído.
Pessoas de todas as idades andam usando aparelhos dentários, jovens são vendidas pelos pais para passar fome e conseguiram "fama" sendo as esqueléticas modelos, agora se faz cirurgia plástica de verão, seres humanos se mutilando em nome da beleza.
A ditadura dos padrões elimina a indivíduo, mina sua personalidade e auto-estima deixam-se de se ter valor não pelo que você é, mas pelo que aparentas ser.
Bruce Willis já foi padrão de beleza dos anos oitenta e o homem sexy daquela década. Não obstante o ar canastrão, não teve escrúpulos de assumir o peso da idade, raspou o cabelo, deixou as rugas vir, e coroou essa "decadência" com muita dignidade no último filme, pouco visto, mas bem simbólico do que se tornou nossa sociedade: Os Substitutos. Nele, seres humanos de poder aquisitivo alto não saem mais de suas casas e se conectam a andróides que correspondem ao padrão de beleza vigente. Através deles os humanos trabalham, caminham e vivem "intensamente" a vida. Num dos trechos mais melancólicos do filme, o sessentão Willis implora a sua mulher que deixe o andróide de lado, declara que sente falta de sua esposa, idosa, com rugas e, sobretudo humana. Ela, na pele do andróide, mesmo sofrendo por dentro, recusa, e deixa-se levar pelo hedonismo a assumir o peso dos anos a degradação do que se chama "belo".
Pois é,  mesmo os astros de cinema envelhecem e até mesmo morrem. Cuidar da saúde é bom, mas a obsessão pela beleza ditada pela mídia é doente, pobre e muito triste.
E cada vez mais deixamos de ser humanos, vivos, tornamo-nos zumbis, coisa.

Vai aqui o link de uma crônica com mesmo tema de autoria de Herbet Viana, vale muito a pena ler:http://bethribeiro.multiply.com/links/item/41
Eis um trecho:
sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem.
Imagem, estética, medidas, beleza.
Nada mais importa.
Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa.
Não importa o outro, o coletivo.
Jovens não tem mais fé, nem idealismo, nem posição política.
Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada
By Adriano Cabral

sábado, 21 de novembro de 2009

Forças do Destino



      Acabei de ver um filme tolo chamado Forças do Destino. É aquela típica comédia romântica que traz um casal bonitinho demais, no caso específiico Ben Affleck e Sandra Bullock.
Na história, Ben é um homem fechado, tímido, contido em excesso, que está de casamento marcado mas em razão das "forças do destino" ele acaba fazendo uma longa viagem ao lado da espevitada e louca Sandra Bullock, que óbviamente, é o completo oposto dele. No decorrer do filme, como era de se esperar, eles se envolvem e pra "variar" Ben descobre com Sandra o "prazer das coisas simples e tolas", tais como tomar banho de chuva, cair na piscina com roupas e fazer tantas outras loucuras "românticas" que boa parte das pessoas se negam porque tem "gente olhando" ou porque não "quer se expor".
Enquanto Ben flerta com Sandra, sua noiva angustiada com a demora do futuro marido em chegar na cidade onde se casariam, acaba se envolvendo com um ex namorado. Parecia tudo certinho hein? No final Sandra ficaria com Ben e sua até então noiva com o ex.
Bem, quem não quiser saber o final do filme não leia as linhas seguintes. Surpreendentemente no final do filme, no meio de uma tempestade, Ben diz para noiva que a ama muito e que durante a viagem acabou encontrando alguém e ficou indeciso quanto ao seu casamento, no mesmo instante ela tenta explicar que acabou ficando com o ex namorado, no entanto ele interrompe alegando que no meio das dúvidas, percebeu que ele tinha uma visão utópica e tola do amor. Nesta visão boba, o simples fato de amar alguém criaria uma redoma indestrutível na qual ele ficaria totalmente protegido de sentir atração ou até se apaixonar por outra pessoa, no entanto ele se sentiu não só atraído como também apaixonado, mas a dúvida somente reforçou o sentimento superior que é o amor. Justamente ele aprendeu que essa bolha protetora não existe, e o milagre do amor é criar essa camada protetora através da luta diária e constante para manter dois seres unidos (Não exatamente com essas palavras). E em meio a tempestade eles se casam e logo após aparecem como "tolos" beijando-se na praia, na rua, ao sair do carro, enfim como dois "exibicionistas apaixonados" .
Ao terminar o filme confesso que me emocionei, ando mais sensível que o normal, e realmente cada vez tenho mais inveja dessas pessoas (mesmo as fictícias) que tenham alguém que aprecie a boboquice de amar e ser amado.

E quer saber? Já fui um idiota no pior sentido da palavra, despedacei corações e fui cruel com algumas pessoas que talvez não merecessem isso de mim. No processo acabei não só traindo a confiança de terceiros como acabei destruindo a melhor parte de mim mesmo, tudo porque um dia "tive meu coração partido".
Mas quer saber? Hoje me sinto limpo e com o coração puro, não vou mais lamentar pelo meu passado e vou lutar pelo meu futuro e por quem efetivamente queira participar dele.
No mundo dos contos de fadas as relações amorosas são perfeitas, ninguém erra, todo mundo é legal o tempo todo e ninguém magoa brutalmente ninguém. Por causa dessa ladainha imbecil que há tantas pessoas amargas e desencantadas com a vida a dois pois insistem em viver uma ilusão e obviamente o resultado é a desilusão. Aceitar a possibilidade de uma relação onde as pessoas erram, aprendem e se perdoam parece algo abominável demais quando se exige perfeição. Diante dessa insanidade perfeita, as relações tornam-se descartáveis, afinal, perfeição não comporta falhas. Mesmo amando, não estamos imunes a dúvidas, atrações ou até mesmo paixões, mas daí vem a capacidade do ser humano julgar o que é essencial. Conheci muita gente que não quis abrir mão de uma balada, uma viagem, uma paixão, e no processo acabou perdendo o grande amor de sua vida. Essas pessoas não sabiam dosar  que era necessário renunciar o que era efêmero, casual e comum para cultivar o que seria duradouro, profundo e raro.
O problema é que vivemos no auge do individualismo-covarde-emocional onde se prega o "desapego", não da forma budista e cristã, mas apenas como forma de reforçar o seu eu. Só que, cada vez estou mais convencido que o desejo mais secreto de todo ser humano é sentir-se livre o suficiente para se entregar de corpo e alma a alguém, esta sim é talvez a melhor forma de ser livre.
As pessoas, inclusive aparentemente adultas, vivem em função das "frases feitas. O amor não torna seres humanos Deuses impassíveis de falhas. Ao contrário, o amor é uma plantinha rara, mas como todas elas, é muito frágil e qualquer coisa pode sim destruí-lo. Existem talvez muitas pessoas boas por aí, mas pouquíssimas, ou pior,´comumente apenas uma vai inspirar este sentimento raro, e justamente por isso que ás vezes se luta contra o fogo e o tempo para manter essa pessoa conosco.
Quer saber? Sou um tolo romântico, impefeito, cheio de defeitos tal qual qualquer membro da raça humana, mas sei me doar e me dedicar como poucos, sei que sou uma pessoa que  merece o melhor que a vida pode oferecer.
No mundo adulto é apenas o casal que deve decidir e viver sua vida. A vida em comum depende só e únicamente de dois seres e fim.
Não são as forças do destino, os guias espirituais, a astrologia nem as frases feitas que devem guiar nossas vidas, não são os manuais, não são os sábios, não é o amor medieval que se estende até os nossos dias que vão pautar nossas vidas,apenas nós, nós mesmos que devemos viver e encontrar nossos caminhos.
Pense,  ou melhor sinta isso.

Adriano Cabral
Redigido no dia 19/07/2009

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

As Horas.



Resolvi republicar este "ensaio" sobre As Horas, seja por que pediram, seja porque de repente alguém aprecie sua leitura, afinal, a época que foi publicado o blog não tinha mil visitantes mensais(agradeço a generosidade de todos). Por fim, talvez tenha sido republicado para ajudar alguém a não viver apenas em função das horas.

AS HORAS, comprei o dvd deste filme há mais de quatro anos e ainda estava plastificado. Porque então comprei? A resposta é simples, eu intuía que era um grande filme, afinal tinha boas atrizes e um roteiro inspirado numa renomada escritora Virginia Woolf. E porque demorei tanto para vê-lo? A resposta é mais básica ainda: eu tinha medo, calma, vou explicar. Eu tinha um conhecimento razoável da vida da escritora e concluí logo que o tema do filme seria pesado e sombrio. Provavelmente tocando em temas como o vazio da vida, suicídio e tantos outros temas nada amenos. Como eu andava fraco de espírito não ousei vê-lo, e se o vi agora, é porque finalmente sinto-me mais forte do que nos últimos quatro anos. Como podemos resumir o filme? Trata-se das histórias de três mulheres, Virginia (interpretada com dedicação por Nicole Kidman), Laura (a competente Julianne Moore) e finalmente Clarissa ( a deusa da interpretação Merly Streep). As três histórias têm como núcleo o livro Mrs. Dalloway (escrito em 1923, um dos primeiros livros a adotar o estilo “fluxo da consciência”). Virginia escreve o livro, Laura prepara uma festa para o marido e a todo instante pára para lê-lo se identificando com a personagem principal, por fim, Clarissa prepara uma homenagem para o ex-amante que costumava chamar-la carinhosamente pelo nome da personagem título do livro de Virginia.
          Virginia luta contra própria demência enquanto escreve desesperadamente seu livro. No ato de escrever, cada vez mais ela penetra no seu mundo criado, e afasta-se do mundo “real”. A doença, a solidão, a saudade de um passado e a necessidade de “viver a qualquer custo” vai movendo a personagem que, não obstante a doença, demonstra uma força incomum para lutar pelo, talvez, único bem que ser humano tem: a liberdade. Esta liberdade vai desde viver como deseja até partir da vida quando ela perde o sentido.
      Laura tem um lindo filho, está grávida, tem um marido doce, fiel, completamente apaixonado e dedicado, portanto, ela tem “tudo que uma mulher desejaria”. No entanto, a vida real não é um conto de fadas. A “sociedade” nos fornece “modelos” de felicidade e vida perfeita que, ou não são verossímeis ou pior, quando o são, simplesmente não garantem a tal “felicidade” até porque, por mais que se venda os “modelos” de sucesso, o ser humano é um complexo de indivíduos, e como tal, por mais que aparentemente “devesse” ser feliz, ele pode simplesmente aspirar mais, ou apenas desejar algo diferente. Laura é um desses indivíduos que mesmo com “tudo” de “bom” é uma mulher completamente infeliz e está determinada a por um fim na própria vida já que não sente forças para enfrentar os padrões sociais pré-estabelecidos e encontrar seu próprio caminho de felicidade.
      Clarissa mora com Sally, é uma mulher bem sucedida, inteligente, aparentemente feliz e na parte inicial do filme vemos esta mulher forte dedicando-se a preparar apaixonadamente uma homenagem ao amigo escritor Richard. No desenrolar do filme, mais uma vez, deparamo-nos com o confronto aparências x realidade. Clarissa vai se revelando uma mulher completamente apaixonada, não por Sally, e sim pelo amigo Richard (interpretado com brilhantismo por Ed Harris) que além de aidético, gay, abandonou-a há décadas para ficar com outro homem. O filme avança e percebemos que a única parte da vida de Clarissa que parece fazer sentido tange aos encontros com o moribundo escritor e as lembranças do grande “momento” que compartilharam no passado. Clarissa ama num típico transbordamento de amor, Richard, esquelético, cheio de feridas, trancado num quarto não quer mais viver, e vive apenas em função de Clarissa, e de alguma forma, Richard também a ama, tanto que, em seu momento final pede desculpas a ela por partir e diz que nunca houve um casal tão feliz quanto eles nem nunca haverá, mas estava na hora de ir, ele não podia viver apenas em função das horas...
      A constante entre os três personagens que no final da trama se entrelaçam umbilicalmente, é a “fome de viver”. Virginia não aceita a existência de uma alucinada que mais dá trabalho ao marido do que qualquer coisa, Laura opta pela morte à viver na casa “perfeita” onde era uma estranha, e finalmente Clarissa, não obstante todas as oportunidades que tinha na qualidade de mulher moderna muito bem sucedida, preferia priorizar um relacionamento totalmente longe de qualquer modelo, justamente por ele ser único tão único, tão perfeito, que ela não aceitava nada menos que isso.
      Ed Harris emociona e nos leva a refletir sobre o verdadeiro sentido da vida e do amor. A existência é experiência única, não comporta segundas chances nem repetições, logo, ela ao menos deve ser sugada até a última gota, com toda intensidade que ela pode nos oferecer. O amor não pode se limitar às convenções sociais, as limitações morais, deve ser livre, intenso e pleno. No amor, encontramos aqueles momentos quase “eternos” que nos marcam, nos moldam e acalentam as horas difíceis, até mesmo no último suspiro.
      Virginia teve uma vida plena e privilegiada, mas diante da inevitável invalidez decorrente da insanidade ela prefere a morte, porque fora isso só restariam...
      Laura tentou se adequar aos padrões, buscou agradar “todo mundo” mas era completamente infeliz pois sua vida toda até o momento que tenta o suicídio se resumia apenas....
      Clarissa teve o maior momento de sua vida com Richard, e as poucas vezes que se sentia viva era ao seu lado, por isso mesmo não abria mão desta convivência e dedicava-se a ele como poucas mulheres se dedicam ao marido ou filho porque fora os momentos que teve com ele, sua vida se resumia...

...às horas.

by  Adriano Cabral