domingo, 25 de abril de 2010

VAIDADE




Ela se olhou de novo no espelho, resolveu mudar a cor do batom, provavelmente isso mudaria alguma coisa. Apagou dos lábios o antigo e habilidosamente pôs o novo. O cabelo nunca ficava da forma adequada, dane-se! Resolveu prender os revoltos, retornou ao espelho e os achou pior ainda, libertou-os. Afinal, eles eram a moldura do seu rosto não? O vestido era negro, que realçava sua pele alvíssima, havia sombra em redor dos olhos, quem sabe pra ocultar o que diziam. De outro lado, o sinal do celular nada escondia e gritava que já era hora de partir, num último instante ela resolveu apagar de vez qualquer vestígio de batom, ele preferiria assim, até os condenados à morte, até os condenados... Dentro do carro, ela novamente mirou no espelho, e seus lábios definitivamente, ao menos naquela noite, ficaram rubros apagando alguma coisa além de sua cor natural, após isso, ela mergulhou em seus pensamentos. O tiro teria que ser fatal.

      Ele estava ansioso. Já passavam das 22 horas e nada dela chegar. Mas afinal, o que são trinta minutos? Enquanto pensava nisso já perdera a conta de quantas vezes havia ligado pra ela. Toda demora valeria a pena para estar mais um momento a sós com Gaby. Cada segundo com ela era especial, sobretudo considerando que era terceiro ano que estavam juntos, e também era dia dos namorados. Porra! Que horas essa menina chega! Mas logo em seguida tentava se acalmar, Deus! Eu pensei um palavrão, não posso nem pensar nessas coisas na frente da Gabita.

      Já se passaram três anos... E parecia-lhe que ele ainda não conseguira acostumar-se com seu jeito contido, calmo e plácido de ver e viver a vida. Pra que pressas, tensões e gestos afetados? Os atos de loucuras devem ficar restritos ao hospício e a poesia aos versos de Azevedo. Às vezes ela passava horas tentando acompanhar toda a ânsia de que era objeto, e se exasperava, sobretudo com as cobranças, não diretas, mas nas constantes provas de amor de Cristiano, das flores, das cartas e dos tradicionais três telefonemas diários, faça chuva faça sol. Amor, amor, amor esta palavra já lhe doía os ouvidos, palavra esta que jamais utilizara. Tudo isso lhe causava um profundo mal estar, às vezes sentia-se incapaz de amar, inapta de sentir toda felicidade imensa de quem se diz ser amado. Será que havia uma pedra no lugar donde deveria haver um coração? Noutro momento atribuía ao seu namorado uma natureza exagerada e anormal, afinal só há amores assim na televisão. O carro andava devagar, mas seus pensamentos estavam a mil quilômetros por hora. Era hora de parar.

      Já se passaram três anos... Mas parecia que o tempo parara, congelara no encanto, no brilho, nas pernas trêmulas, na forte emoção, na ânsia do encontro, no indizível prazer ao simples toque, todas essas sensações inerentes ao alvorecer das paixões ainda dominavam-no. Vê-la, ouvi-la, ou ainda o simples pensar nela o fazia sair no mundo terreno e alçar o infinito. Ela era perfeita. A única queixa que teria era a constante mudança de humor. Constante mudança... Ele ora se sentia muito amado, noutros simplesmente desprezado. Às vezes, ao pensar profundamente sobre o que pesava mais, tinha dificuldades de reconhecer que a segunda prevalecia. Por isso a sensação constante de que ela estivesse escorregando das suas mãos. Mas o simples olhar de dúvida lançado sobre ela ensejava-lhe palavras de consolo e firmeza que logo o tranqüilizava. Noutros momentos, ela parecia incapaz de compreender o que se passava no coração dele, por isso, quase nunca ele ousava se queixar. Mas era sempre ele quem ligava, marcava os encontros, lembrava as datas importantes e tomava as iniciativas. Até mesmo nos assuntos da cama era sempre ele e só ele. E nesses momentos de intimidade, sua perturbação sempre aumentava ao constatar que durante todo ato não ouvia um gemido, um suspiro, no máximo via os olhos fechados, e nos lábios brotarem um breve sorriso. Quanto desespero sentia ao tentar adivinhar o que a mente de sua amada pensava naqueles momentos.

Ao ouvir o boa noite de Gaby ele mudou de cor. De tão absorto em seus pensamentos não havia notado a chegada dela. Ela sorria. Ele parecia temer que ela fosse capaz de ler seus pensamentos, Ele tinha certeza que teria tal poder, teria todo poder, e nesta noite, aquela Deusa seria sua noiva.

— Garçom mande aquele vinho; sussurrou ao seu ouvido. O garçom partiu, o coração apaixonado a muito disparara assim como todas as células de seu corpo...
— Cristiano tenho uma coisa pra te dizer...
— Calma, calma, espera um momento; dizia nervoso enquanto já entornava o terceiro copo de vinho, sentia-se como se estivesse diante dela como na primeira vez.
— Garoto, relaxa você não bebe, pára! Falou perturbada, cogitando se ele já adivinhava o que estaria por vir.
— Calma, o vinho serve de combustível para o que tenho a te dizer, que é muito importante... Requer coragem. Você sabe, faz tempo que nós estamos juntos, não quero perder minha juventude inteira por causa de apenas “mais uma garota”... (Antes de ele completar a frase e dizer: Por isso quero que seja minha noiva, foi interrompido bruscamente...)
— Cale-se. Vociferou Gaby indignada e desesperada com o rosto escarlate. Uma fúria rara foi tomando conta de sua alma. Canalha! Canalha! Canalha! Repetia para si mesma em pensamentos! Como esse nojento que vivia dizer que a amava, adorava que ela era tudo vinha gora dizer que não a queria mais? Como? Enquanto refletia furiosamente em silêncio ela recordou-se de um conto que ela lera onde um casal se encontra no meio da madrugada e, sem coragem pra matar diretamente, olhos nos olhos, trocam cartas fatais onde declaram que não desejam mais continuar a relação(1-nota ao final do texto). Como aquele canalha teria coragem de fazer isso? Dizer ainda que esteja “perdendo a juventude...?

— Mas... Tentava o moço emendar o fio da conversa, contudo o olhar de ódio tolhia todas as palavras e paralisava o tempo e espaço. Ambos mergulharam num angustiante diálogo insensato, perdidos cada um nos seus silêncios.
— Filho da puta! Quer me largar né? Filho da puta! Deus! O que este safado ta me fazendo dizer! Eu nunca falei nada disso, ainda não falei, mas estou pensando... Amava-me, me amava, e que amor?
— Deus ajude-me! Porque ela ta assim, será que não quer ser minha mulher? Será que a idéia de ser minha noiva é tão odiosa? Ajude-me Deus; e entornava mais um copo de vinho.
— Tudo bem que eu fosse hoje terminar com esse babaca. E veja só, eu tava até com uma dorzinha no coração, ai que dor! Que merda! Eu tava com pena dele, com pena! E veja a piedade que ele tem de mim? Vem na maior cara de pau, pede uma garrafa de vinho, garrafa de vinho, e parece já comemorar a volta ao mundo dos homens disponíveis. “Aproveitar a juventude...” Isso não vai ficar assim, ele não pode fazer isso comigo. Os pensamentos dela foram cortados pela voz titubeante do namorado.
— Mas, não entendo, sei que você já advinha tudo, você sabe tudo mesmo né? Deveria entender que já passou do tempo, muitos outros casais tomam essa decisão muito mais rápido, estamos perdendo tempo... Não acha?

Ao ouvir isso o sangue explodiu na sua cabeça e seus olhos flamejaram de ódio, mas ela se conteve e sorriu friamente. Não seria dispensada assim, não como qualquer...

Gaby respirou fundo, pegou a garrafa de vinho, e entornou quase a metade, sem parar para respirar, em seguida, pegou um guardanapo, tirou completamente o batom e disse:



— O que eu queria realmente te dizer amor é que eu quero muito que você seja meu marido, adoraria ouvir: “amor” a todo o momento e te amar loucamente nas ruas e na cama, como uma fera insaciável no cio.

Ao ouvir tal declaração ele mal pode se conter na cadeira e pediu mais uma garrafa de vinho, nem conseguia lembra do porquê de estar ali, as idéias que surgiram da fala dela simplesmente tomaram-no tão completamente que ele vivia envolto neste doce mundo de idéias. Os dois beberam a noite inteira e se amaram loucamente, numa sinfonia desvairada, por toda madrugada. Gaby, que antes tão impenetrável, tinha se tornado efetivamente sua mulher. Ela era enfim sua como sempre quisera durante anos. Tanta felicidade mal cabia no pobrezinho, largos sorrisos quase de minuto em minuto, tanta felicidade que nem se importou de ter esquecido o anel de noivado no restaurante.
Daí em diante Gaby era efetivamente outra. Fazia declarações constantes, três ligações por dia, e como ele ouviu da boca dela: amor, amor, amor. O curioso que depois de um tempo Cristiano começava a duvidar do que ele sentia, a sensação de vitória vinha sendo substituída por uma contraditória sensação que havia perdido a mulher que amava.
Amor?


NOTA Nº1- Trata-se do Conto E Por Falar em Namorados de autoria do escritor do blog.

By-Adriano Cabral

domingo, 18 de abril de 2010

INCONFIDÊNCIA À MINEIRA



OBS: Para melhor leitura do texto acompanhe as notas ao final.


— Não podemos mais adiar...
— Não podemos! repetiu outro com mais vigor.
— Ah! Por favor, mandem mais champanha. Não é possível continuar. Bradou o Tomás (1). Todos gritaram em uníssimo: Apoiado!
— Não esqueçamos do vinho, senhores, o vinho, é ele que move o mundo.

Mais uma vez todos concordaram.

A reunião continuava animada. Parecia, a cada instante, que os presentes esqueciam um pouco do “real” objetivo de estarem ali. Joaquim Maia(2) já teria tomado mais de uma garrafa e gritava que a gente superior dos E.U.A também não dispensava a oferenda a baco mesmo nas horas mais solenes. Álvares Maciel(3) emendava lembrando que os “nossos” irmãos gregos em seus debates se encharcavam de vinho enquanto desvendavam os segredos do universo. Vez ou outra, um dos rapazes alteava a voz e declamava, com toda a desenvoltura típica dos ébrios, algum poema que quase não era ouvido por ninguém, tamanha era a algazarra. Contudo, após o fim da leitura do texto, todos aplaudiam, não se sabia se pela qualidade dos poemas ou pelo fim do suplício de ouvi-lo.
O tenente Freire bateu várias vezes na mesa implorando silêncio até que, por um milagre, foi, ao cabo de alguns minutos, atendido.
— Senhores, estamos aqui reunidos em casa do Sr. Cláudio Manoel(4) , a fim de fecharmos nosso programa de governo...
— E o slogan! Antes de tudo o slogan que é essencial, interrompeu, aos gritos, Joaquim Maia.
Freire cerrou o cenho. Em seguida todos fuzilaram o Maia com um olhar de censura. Este parecia despertar de um sono profundo e emendou:
— Ah! desculpem-me, lembrei-me, já temos o slogan(5).

E todos gritaram: “Avança Minas!” Logo Cláudio emendou: “E o ouro é nosso”. Alvarenga inquiriu baixinho ao pé do ouvido do Cláudio: “O slogan não era aquele em latim”? Que a gente copiou do imortal Virgilio? O outro só repetia: “O ouro, amigo, o ouro é nosso”.
Em pouco tempo, a nata da intelectualidade brasileira já havia, pois, idealizado o programa de governo em todos os detalhes. Após meses de debates ferozes, disputas acirradíssimas de teses e antíteses sobre o modelo revolucionário a seguir e a forma de governo mais adequada, pouco a pouco, foi-se formando uma carta de princípios. Todos ali tinham certeza da sua qualidade de seres superiores e de que cabia a eles fazer a “revolução” de que Minas precisava. Eles sempre se reuniam nos finais de semana em casa de Cláudio Manoel, que pouco falava nas reuniões, mas sempre destacava o grande mal que era a derrama e sempre adorava destacar que “o ouro é nosso”. E por falar em repetição, o Maia não se cansava de invocar sua condição de ponte com os ianques, sua intimidade com o Jefferson, e que, sem dúvida, o modelo a seguir era o “dos irmãos do norte que nos ajudarão com seus exércitos”.

As gafes, a cada dia, diminuíam. Entretanto, ninguém esquecia o dia em que o tonto do alferes(6) , numa das primeiras reuniões, veio sugerir que se incluísse, nas metas do novo governo revolucionário, a abolição da escravatura. Todos gelaram com tal estultice. Gozanga não se conteve e quase tinha um ataque de riso diante de tamanha ignorância. E perguntou em tom de pachorra ao autor da infeliz proposta:

— E quem há de trabalhar nas minas? Eu? O Alvarenguinha(7) ...  e todos caíram na gargalhada.
Basílio (8), sempre mais sisudo, destacou, sem se utilizar de nenhum eufemismo diante do alferes, que este teria falado tal absurdo por ter intelecto inferior. Não saberia ele que os grandes pensadores estavam em Roma e na Grécia, e que estas, berços da civilização e do saber, também foram as nações genitoras da escravatura? Claro que não sabia, por isso teria expressado idéia tão tola como a abolição da escravidão, e finalizou dizendo que, desde que o homem é homem, sempre os sábios tiveram escravos para executarem o vil labor, enquanto se elevavam aos céus através da leitura e poesia.
Depois desta noite infeliz, ao alferes foi concedida a honra de ser o elo entre o povo e os iluminados revolucionários. Ele não precisaria mais comparecer às reuniões, iria levar o ideal de luta contra Portugal ao seio do povo. Foi aí que ele começou a levar a fama de ser louco.
As reuniões prosseguiam e Silvério(9), afogado em dívidas, estava farto de ouvir falar dos planos de governo, das revoltas nos países irmãos e de toda aquela ladainha de bêbados a declamar poemas, a chamar uns aos outros por apelidos ridículos(10) sem nada de concreto a fazer para tomar o poder.

Diante disso, Silvério tomou uma decisão sensata, entregou aquela corja ao Governador. Não acreditava que este levasse a sério aquela turba de vagabundos, mas tinha esperanças de, ao menos, obter alguma vantagem pecuniária com o caso. O resultado disso é que todos os revolucionários foram presos. E, de repente, toda coragem e intrepidez do grupo se fora como por encanto. Todos negavam conspirar contra a grande nação, mãe de nossa amada Língua Portuguesa, respeito ao Camões antes de tudo respeito ao Camões gritava Basílio ao ser preso. Cláudio Manoel (que mais tarde veio a se suicidar quando perdeu todo seu ouro), desesperado ao saber que iriam confiscar-lhe os bens, tentou usar os ardis de advogado que era, e pediu para que o governador ouvisse os poemas do grupo. Após a leitura de cada um, ele repetia: “Não estais vendo, excelência, de como estamos alheios completamente à realidade brasileira? Nossas obras falam dos gelos europeus, dos prados, da lácio e da lira.”(11) O Visconde de Barbacena(12), mesmo convencido da inocência dos rapazes, decidiu pelo exílio de todos os poetas a fim de livrar o país da má literatura.(13)
Se todos negaram participação, também todos concordaram que, apesar de não terem dúvidas sobre suas próprias inocências, realmente existia um verdadeiro e maligno conspirador, gênio do mal: o alferes, que foi, mais tarde, fatiado e distribuído para o povo. Provavelmente por um tempo saciou a fome dos aflitos.

By-Adriano Cabral.
PS: Qualquer semelhança de nomes ou lugares com pessoas reais é mera gozação e pirraça mesmo.

NOTAS:

1-Tomás Antônio Gonzaga formado em direito em Portugal, tornou-se poeta tendo como principal obra Marília de Dirceu (Poesias dedicadas ninfeta de 15 aninhos Maria Dorotéia enquanto estava exilado).

2-José Joaquim da Maia, apesar de filho de pedreiro vai estudar na França onde conhece o então embaixador norte-americano Thomas Jefferson que dá apoio “moral” aos inconfidentes. Ele era um proviciano a frente de seu tempo, pois já naquela época endeusava os Estados Unidos.


3-José Álvares Maciel estudou na Inglaterra, foi advogado de Tiradentes, um dos mentores intelectuais da inconfidência, quando preso, negou tudo e jogava a culpa no antigo amigo e cliente: Tiradentes.


4-Cláudio Manuel Da Costa, mineiro poderoso, poeta (da mesma escola de Thomaz, que faziam versos inspirados na antiguidade Greco-Romana e no ambiente europeu, também formado em Coimbra) , Estava bastante preocupado com o ouro que escorria de suas mãos em razão da “derrama”.


5-Libertas Quæ Sera Tamen – Esta pérola da modernidade foi extraída de um poema de Virgílio, em português seria liberdade ainda que tardia . O “Avança Minas” não existiu, mas como eles não pensavam em libertar o Brasil e apenas seu Estado, o autor faz uma brincadeira com o lema da ditadura Avança Brasil.

6-O alferes aí, seria Joaquim José Da Silva Xavier, Tiradentes.


7-Coronel Alvarenga, quando preso, negou tudo e acrescentou que as reuniões dos supostos inconfidentes eram apenas orgias e farras de moços. Um bando de estúpidos, dizia.


8-Basílio da Gama, poeta, Estudou em Roma. Nem tava no meio disso, mas escrevia mal pra caramba e era do mesmo movimento literário, resolvi incluí-lo.

9-Silvério dos Reis, Negociante com dívida oito vezes maior que seu patrimônio com a coroa portuguesa, coronel, achava que a coisa era séria e que poderia resolver seus problemas financeiros. Foi um homem prático. Se deu de bem, além da divida perdoada, recebeu uma grana do governo até morrer e ainda foi condecorado como fidalgo em Portugal.


10-Era hábito dos escritores setecentistas como Thomaz e Cláudio de usar apelidos estranhos tais como Glauceste Satúrnio ou Termindo Sipílio.

11-A poesia setecentista ou árcade simplesmente não tinha absolutamente NADA A VER com a realidade brasileira, imagine de Minas Gerais. Depois disso Barbacena devia ter soltado os garotos, pobres garotos, produziam literatura brutamente alienada.

12-Governador da época.

13-A inconfidência mineira foi um movimento brutalmente desorganizado sem apoio popular, sem mobilização dos militares e sem pretensão de mudar nada, a não ser eliminar os impostos da elite. Movimentos sociais libertários importantes como a Revolução Pernambucana (Pernambuco) ou Cabanagem (Pará) nem são conhecidos do grande público. Os marqueteiros mineiros foram mais eficientes.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

QUEM DIRÁ QUE EXISTE RAZÃO PARA AS COISAS DO CORAÇÃO?


Júlia se olhou no espelho novamente e teve vontade de desistir. Estava um horror sem dúvida, e ademais, o que faria num lugar como aquele? Aquele barulho todo sempre lhe causava enjôos, será que realmente deveria ir? Os gritos da “galera” a acordaram do enleio. Automaticamente, sem pensar um segundo, abriu a porta de seu quarto e foi ao encontro de suas amigas.
Era a primeira vez que ia numa boate com elas. Quando mais jovem não foi pela mais pura falta de gosto. Depois, veio seu longo namoro que lhe consumiu quatro anos de vida na qual ela quase se afastou do mundo para viver só a dois. Namoro que acabara abruptamente há dois meses. Neste período, ela ficou enfurnada em seu quarto feito bicho do mato. Olhava as fotos, livros, poesias do seu antigo sonho, seu antigo amor! Antigo? (essa idéia parecia impossível de ser aceita, idéia? Fato) Mas o que mais lhe doía na alma eram os discos; infeliz é aquela que ousa guardar a discografia do ser amado, pois cada música conta uma história, cada uma contava sua própria vida. E já dizia o poeta que depois do fim de certos relacionamentos profundos se perde um pedaço de si. Destarte, as músicas mais pareciam uma elegia, uma sessão espírita daquele amor que morrera. Os momentos, cada detalhe, os sorrisos, as promessas, a paixão, a vigília ao telefone, os beijos... Todo aquele mundo que os impelia de viver tão somente um para o outro. E então vinham as lágrimas, como uma fatalidade, impossível de se evitar, como a morte. E em verdade quando um amor se vai não se morre só, no mínimo dois seres expiram para o vazio da eternidade. E nestes momentos de angústia, na solidão de seu quarto, não aparecia ninguém para lhe perguntar o que aconteceu, saber o que passava no seu coração, não havia nem ombro para encostar.

Então a Anne vendo a amiga naquele estado lastimável, não pediu, mas exigiu que Júlia fosse para aquele “programa de índio” (como ela não cansava de repetir com enfado). Anne respondia que ela deixasse de “onda” pois é muito bom sair com a “galera” para paquerar e curtir la doce vida. Acrescentava que a amiga deveria deixar de ser tão boba, ora bolas, ela só tinha 21 anos e só por causa de um namoro gorado iria se enterrar no quarto? Júlia assentiu, sem vontade de protestar. Não via mais nenhuma saída pra si. Por isso, tanto fazia se enterrar no quarto ou na medonha boate. Tudo estava perdido do mesmo jeito. Não adiante sair de casa se você sempre levará você consigo.

Ao chegar na boate o barulho era ensurdecedor, como não podia deixar de ser.

— Vamos dançar menina, vamos!

— Eu? tá maluca? Sabes bem que não gosto de dançar, mas adorarei “ficar te admirando”

— Deixa de coisa Ju, vem, vem, vem!

Completou Anne puxando com força a amiga para pista de dança. Júlia se sentiu, um verdadeiro peixe fora d’água. No meio do salão ficou parada observando Anne e as amigas balançarem freneticamente, achou-as ridículas, logo percebeu que ela mesma estava como boba, no meio daquela multidão, parada como uma estátua. Resolveu sair de fininho. A princípio ficou parada num canto qualquer observando as amigas. Por fim decidiu dar uma volta pelo lugar. Ao longe ainda pode ver Anne com “altos” olhares para um rapaz que correspondia às investidas dela rodeando-a e balançando-se em redor dela. Será a dança do acasalamento? Júlia não pode conter o sorriso ao pensar nisso. Resolveu observar aonde iria aquilo, mas logo veio o desfecho, pois Anne e o desconhecido já estavam atracados no meio da pista de dança, aos beijos. Júlia balançou a cabeça desconsolada, como alguém pode se entregar assim para um estranho? Apenas pelo momento? Resolveu continuar a explorar o lugar.

Quando já cansada, estava pensando em ir embora, mesmo que sozinha e sem avisar a ninguém para não escutar o: Já vai? Pôooooxa! Ela mudou de idéia ao se deparar com um verdadeiro “oásis” no meio daquele deserto ensurdecedor. Era um outro ambiente, isolado acusticamente, mais parecia um pub (bar inglês), com MPB rolando com voz e violão. Ela naquele instante pensou que a tal boate não era de todo mal. Entrou, sentou e pediu um refrigerante. Logo sentiu um frio na barriga e um leve tremor nas pernas ao perceber que estavam tocando “Dia Branco”. Não, não podia ser, logo esta música, pensou ela. E tal pensamento a levou de volta aos braços de seu amado, que provavelmente já estaria cantando a mesma música para outra. E esta reflexão já estava surtindo seu efeito: lágrimas clamavam sair por suas retinas. Mas estas só ficaram no clamor, pois as tristes lembranças de Júlia foram interrompidas por um rapaz que ousadamente sentara na mesma mesa que ela e a olhava, confiante, com um belo sorriso no rosto. Ela a princípio se assustou, contudo não havia susto que resistisse a tanta beleza. Isso mesmo, o rapaz era lindo. Ele a olhava sem nada dizer. Ela, por alguns instantes também ficou calada e encantada, aqueles olhos azuis, firmes a se fixarem nela como se exigisse “algo” que já é seu, como se já a dominasse. Passado o momento de delírio ela esperou que ele falasse alguma coisa, afinal, fora ele quem sentara em sua mesa. Entretanto, ele insistia no silêncio, e no olhar, isso mesmo, que olhar! Será que dizia tudo? Diante do impasse ela sorriu ruborizada e perguntou nome dele. Arthur... Respondeu ele, mas alguns segundos se passaram, ela não sabia como começar, de súbito ele falou: Arthur, seu escravo, pronto para realizar todas as suas vontades, desde se ajoelhar agora mesmo diante de teus pés quanto a carregar-te por toda cidade numa liteira, tudo, tudo farei tão somente para ficar, assim, só, ao teu lado. Aquelas palavras mexeram em alguma coisa dentro dela, suas pernas amoleceram, sentiu frio, seu coração bateu forte. Que voz, que voz! uau! Fazia tempo que não sentia aquelas coisas. Aquelas loucuras ditas por ele mostrava o quanto ele era espirituoso.Ela sorriu em resposta ao galanteio. Ele tomou suas mãos. Mas ela ainda queria conversar. Queria saber quantas loucuras românticas ainda poderiam sair daquela boca linda, saber quem era e o que pensava realmente aquele Don Juan. Ela tentou entabular uma conversa. Tudo em vão, parecia que o “papo” dele já chegara ao limite final. Ela insistia na conversa:

— O que mais se pode saber de Arthur?

— Que além de um amante abnegado e servil, é um médico que cura todas as doenças, principalmente as do coração. Possui um consultório aqui perto na Avenida Boa Viagem, tem um porsche estacionado na garagem, nunca precisou ficar “contando” dinheiro, e está louco para dar um beijo nesta tua boquinha e sentir este teu corpo coladinho no meu...

Dito isto ele passou para ação. Júlia abriu a boca, mas não para corresponder ao beijo, mas de espanto, sem pensar, empurrou o rapaz tão automaticamente quanto ele se aproximara, o encontrão, não obstante ter sido fraco, fez o “dono do porsche” perder o equilíbrio e cair pesadamente no chão causando uma gargalhada geral no bar. Arthur se levantou irado, chamando Júlia de vaca fresca. Se ela por acaso fosse alguma santa ou estrela para ficar fazendo doce, que ficasse em casa. Gritando, dizia que poderia arranjar um bilhão de mulheres melhores do que ela por um “preço” muito menor. Júlia não conseguia abrir a boca, aos prantos, no misto de revolta e vergonha. Jamais sonhara passar por uma situação daquelas. Todos olhavam o “barraco”, se sentia a última das mulheres. A cada insulto do médico rejeitado as pessoas gritavam em júbilo. Mas logo um rapaz, que observava tudo de longe, se aproximou e puxou Arthur para longe. Júlia permaneceu sentada, agora com os olhos escondidos nas mãos. Por mais que no momento do empurrão estivesse certa de ter agido da forma mais correta, agora tinha dúvidas. Parecia que as pessoas cochichavam “Que menina mais fresca, careta, atrasada, metida a merda mesmo!”. Teve vontade de sair dali, mas a vergonha de encarar naquele momento as pessoas que estavam no bar a impediu do intento. Estava já se sentido mal. Não sabia como proceder quando de repente sentiu um mão tocando levemente a sua cabeça. Ela gelou ao pensar que era o rejeitado que vinha de novo destilar seu veneno, mas mesmo diante do temor, encarou o dono da mão. Reconheceu, para seu alívio, que era o rapaz que afastara o Don Juan para longe.

— Ei garota! Fica assim não... Arthur é um abestalhado mesmo.

E— Não! eu que sou travada mesmo... Um bicho-do-mato, estou morrendo de vergonha, ele foi tão gentil e eu...

— ...Enquadrou o miserável. Dito isto, o rapaz deu um sonora gargalhada e completou imitando a voz: “Arthur, seu escravo, pronto para realizar todas as suas vontades, desde se ajoelhar agora mesmo diante de teus pés quanto a carregar-te por toda cidade numa liteira, tudo, tudo farei tão somente para ficar, assim, só, ao teu lado”

— Você escutou tudo? Perguntou espantada.

— Que nada. Ele repete isso para todas. Na verdade tá no livro daquele cara. O cearense...

— José de Alencar é mesmo... Deus! Ela mesma quase sorriu com o caso, o outro ainda ria sem parar e continuava.

— Seu único erro foi este minha filha! Aceitar cantada vencida, do século dezoito dá para acreditar?

Ela não conteve o riso, e tinha certeza que fora uma tola. As lágrimas se desvaneciam enquanto o rapaz repetia várias frases feitas de amor que Arthur utilizava, pois não conseguia criar nenhuma. Felipe, era o nome dele, falava pelos cotovelos. Possuía uma beleza mais comum. Bem humorado, ótimo domínio no jogo de palavras que parecia estar determinado a fazer Júlia sorrir. E conseguia.

— Quem eu sou? Uauu!!!! eu acho que sou eu ora bolas! Um pobre rapaz latino americano sem sabor, perdido nesta “festa estranha com gente esquisita...” Se eu não estou curioso em saber de você? Claro que não, pois amanhã você nem vai lembrar que eu existo. E completava cada frase com um sorriso maroto. E conversaram toda noite. O bar foi esvaziando, então ele começou de forma bem humorada a falar de si, de seus sonhos, e até de alguns pesadelos bem reais. Estava ali, assim como ela, sem saber por que. A conversa caminhava até que o garçom os intimou a irem embora, pois só estavam os dois lá e já eram horas de fechar. No caminho para o estacionamento os dois conversavam, um calor subia pelo corpo de Júlia, ela se sentia ao mesmo tempo em paz consigo e leve, se sentia capaz de voar. De súbito ele parou.

— É, pior que encontrei o carro “do papai” he! he! E agora.. Adeus né, foi um prazer mesmo falar contigo. Dizendo isto, ele foi logo abrindo a porta do automóvel. Júlia sentiu um dor no peito, uma angústia, não sabia o que dizer, seu carro estava há alguns metros dali. Mas agora não queria bancar a idiota outra vez, não perderia outra chance.

—Poxa! Devo ser muito chata mesmo... Disse isso baixando a cabeça, desolada.

— Porque blasfemas menina? Ela ergueu os olhos sapecas e respondeu:

— Você acreditaria que um cavalheiro iria embora deixando uma pobre garota, sozinha, no meio da rua, de madrugada sem oferecer uma carona? Ao ouvir isso, Felipe ficou ruborizado pois tudo dava a entender que ela tinha condução própria, o que realmente era verdade.

— Vixe! foi mal! acho que é essa minha amizade com Arthur que me contaminou. Pra onde?

— Jardim Atlântico, só fica do outro lado da cidade. Ao dizer isso, pensando no carro da mãe que ficaria no estacionamento pensou também na possibilidade de vida após a morte.

— Poxa! Estava rezando para que alguma coisa acontecesse, mas não conseguia inventar uma desculpa para ficar contigo um pouco mais, pensei até na hipótese absurda de fingir que estava sem carro...

— Ai! Que loucura, garoto, abandonar o carro “do papai” no estacionamento...

A conversa continuou animada no automóvel. Júlia já esquecia da vergonha da noite e até do carro abandonado. Quando já estava perto de sua casa, ela propôs ao rapaz que eles dessem um paradinha na beira mar para ver a aurora. Ele não se fez de rogado.

Naquela hora tudo era deserto, a luz advinha apenas da multidão de estrelas que ainda teimavam em brilhar palidamente no céu, mesmo sabendo que em breve o sol as devoraria. Eles estavam sentados na areia. A conversa não cessava um só instante. Júlia entrelaçou suas mãos nas dele, ela tremia muito, até então só tivera um namorado, jamais tomara a iniciativa, naquela noite já espantara um rapaz, e provavelmente Felipe nada fizera até então por temer ser rechaçado. Ou será que ele apenas tinha pena dela? O sol vinha, mais um dia, mais um espetáculo da natureza. Júlia sentia que a posição não era boa para uma “roubada” de beijo. Mas ela tinha que fazer alguma coisa, o sol já despontava no horizonte, seu tempo se acabava. Por isso, com a voz trêmula e rouca, criou coragem, e pela primeira vez em sua vida fez este pedido: ”Me beija!”. Não veio beijo, ela se desesperou e se levantou pensando em fugir. Que vergonha! Que vergonha! Ele a deteve, puxou-a com suavidade para si e a beijou, de leve, na tez.

— Não se preocupe menina, eu que estou com vergonha pois não sou como Arthur. Olha aí o sol nascendo, eu sempre acredito que o sol nasce todo dia, e mesmo que paire sobre nós a sombra da morte, enquanto ela não chega, sempre haverá um novo dia, e creio que teremos tempo. Tempo para que possamos nos conhecer melhor, e que não sejamos levados a nos precipitar num assunto tão delicado como é o do coração. Confesso que agora, neste momento quero muito este beijo, teus lábios desesperadamente colados aos meus. Mas talvez, amanhã, ao acordar, você não me ache tão, tão, assim, ou talvez eu mesmo ache isso de você. E não pense que estamos “perdendo” tempo. Ao contrário, quero usá-lo sabiamente. Para que o nosso beijo, se um dia surgir, não seja apenas, um momento. Mas um beijo gostoso, ansiado e esperado, um beijo que se não for de amor, que seja de real paixão, paixão que leva a dois seres se admirarem e se respeitarem. Que deixa marca a ferro e fogo em nossas vidas.

Três meses depois de muitos cineminhas, longas conversas ao vivo e ao telefone, cartas e até uma viagem. Eles começaram a namorar. Quatro anos depois estavam noivos, noivado que durou um ano até que casaram na Igreja dos Montes Guararapes. Anne foi a madrinha, junto com seu marido com quem casara há cinco anos, quem era o marido de Anne? Isso mesmo, aquele carinha que a beijou em poucos minutos de dança, na boate, no dia em que Júlia e Felipe se conheceram. Só não sei dizer se eles foram felizes para sempre. Só sei dizer que tudo começou, numa noite de sábado, numa boate... E você, não vai curtir o agito da noite...?

.. E QUEM IRÁ DIZER, QUE NÃO EXISTE RAZÃO...?

BY- Adriano Cabral

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O FENÔMENO


Não, não vim falar do Ronaldo, vim lembrar de um cara rebelde que veio espalhando idéias novas, falando de um outro mundo, enchendo a cabeça da juventude, despertando a ira dos mais velhos e contestando antigos dogmas, definitivamente fazendo uma revolução onde a principal arma era o amor. Independente de você acreditar ou não na parte sobrenatural da coisa, é fato: O cara foi e é um grande fenônomeno. É sem dúvida extraordinário como um rapaz pobre conseguiu não só chamar atenção de uma multidão apenas com suas palavras como também, através delas, conquistar o conquistador. Ah! Ainda não percebaram quem é o tal cara? Pois deixemos claro, é o jovem galileu Jesus.

Sábado fui assistir aqui na minha cidade uma apresentação da paixão de cristo tendo como protagonista o ator José Pimental (Que há 33 anos faz o papel por essas bandas). Diz-se que não é bom saber o final da história. No entanto a saga de Jesus é uma daquelas que todo mundo sabe o início meio e fim. Mesmo assim a multidão nao deixou de gritar o nome de Jesus quando Pilatos lavou as mãos e deixou os judeus encolherem entre aquele e Barrabás. Do mesmo jeito que as pessoas soltavam impropérios contra os guardas pretorianos que castigavam o messias, sem falar no grito de alegria e júbilo de todo mundo ao ver Jesus (num bom efeito visual) subir aos céus no final catártico. Uma pequena multidão saltou de alegria como se fosse um final de campeonato, e eis mais uma vez o Cristo vencendo a morte e dando esperança para humanidade de que há sim algo mais.

Os registros históricos apontam que nos tempos que Jesus Cristo andou pela terra havia centenas de "messias" pregando, um em cada esquina. Mas apenas um se tornou tão forte que conquistou até mesmo o império romano. O que mais impressiona é a durabilidade do "mito" e seu alcance. Outro destaque é sua mensagem, ela não tem o conteúdo típico das pregações religiosas (inclusive as contidas no velho testamento) onde se tenta "ganhar o fiel pelo medo da punição". Jesus definitivamente era antes de tudo amor e perdão. Perdoe-me os ateus sem fé (aqueles que vivem falando de Deus o tempo todo) mas não consigo imaginar nada negativo nem ruim que possa vir de um verdadeiro cristão.
Não importa se ele foi o filho de Deus, o próprio Deus vivo ou apenas um homem, o fato é que ele é um grande fenônomeno que é e foi objeto de tantas proezas que sem dúvida, sua própria permanência no tempo já poderia nos induzir a acreditar no sobrenatural. Para terminar, vai abaixo o que é o poder da fé segundo o escritor grego Nikos Kazantzakis extraídos do livro A Última Tentação de Cristo:
“Quando o coração ama e acredita, nada é quimera. Nada existe a não ser coragem, confiança e atos fecundos (...)
A água simples do cotidiano é transubstanciada; torna-se a água da vida eterna e renova o homem. Quando convertido emerge da água, o mundo lhe parece mudado. O mundo não mudou, continua sempre maravilhoso e horrível, injusto e carregado de beleza. Mas agora, depois do batismo, mudaram os olhos que vêem o mundo...”
 
By- Adriano Cabral