quarta-feira, 30 de junho de 2010

PENSANDO SOBRE A CEGUEIRA

      Quem não tem colírio usa óculos escuros, dizia o grande filósofo Raul Seixas. Essa curiosa frase se explica talvez com maior ênfase ao simples assistir do filme (pouco visto para variar) chamado: Eles Vivem. Em uma das cenas mais clássicas do cinema (ao meu ver) o protagonista ao utilizar óculos especiais finalmente enxerga a "realidade" como ela é, fica chocado, revoltado e decide fazer algo, nisso, tenta abrir os olhos do colega de trabalho. Este último, ao tomar conhecimento que o mundo de fato é pior do que ele imaginava se recusa a usar os óculos. Literalmente depois de uma luta feroz, triste, ele enxerga o mundo sombrio do jeito que ele é...
      E afinal, como será de fato o mundo? Ele é um mundo devastado pela natureza feroz que destruíu cidades inteiras, seus bens, suas fotos, suas histórias e até mesmo, suas vidas. Não, ninguém gosta de falar das extensas matas que antes freavam a fúria das águas e agora são um descampado de cana de açucar ou pastagem.
      Não, é um mundo colorido, festivo e tão obcecado pela felicidade "patriótica" que simplesmente pára o país para ver seu time jogar. E mesmo que os jogos sejam horríveis, e os adversários piores ainda, salta-se, grita-se, vibra-se em cada lance e a apoteose chega a cada gol. A situação é tão surreal que vi dois profissionais de limpeza conversando a semana passada: Estou revoltado, a frança foi desclassifacada. Só faltava o mesmo interpretar a marselhesa para tudo fazer sentido. Nesse mundo de entusiasmo obrigatório, definitivamente não se quer ouvir a razão, e sim a vuvuzela. Enquanto isso as lojas vendem...

      Ou talvez seja apenas um mundo injusto e triste, onde a maioria de nós somos incapazes de ver a realidade, ou pior, vemos e finjimos não ver. O mundo semelhante ao descrito por Saramago no seu primoroso Ensaio Sobre a Cegueira. Este livro que virou filme (bom filme que assisti numa madrugada cego pela esperança) tem a pretensão de narrar e descrever através de uma fábula, onde quase todos ficam cegos, como o ser humano se comporta na sua essência, sem leis e sem amarras morais para guiá-lo, apenas seu discernimento e sua capacidade de sobreviver. E a conclusão que o autor nos leva é a que o ser humano, antes de tudo é mal, e triste daquele (no caso do livro apenas uma personagem enxerga) que tem capacidade de ver o mundo de verdade. Saramago pelo visto era uma daquelas pessoas melancolicamente iluminadas e tinha a visão, mesmo assim, dizia que tinha pena por deixar de existir.

      Ou talvez o mundo seja apenas um lugar deserto, simplesmente por que alguém um dia teve o coração partido. Ou pior, talvez simplesmente seja impossível enxergar a verdade, pois como eu mesmo disse certa vez em uma outra oportunidade: A verdade está no estupor causado ao ser primitivo que um dia achou que o trovão era um deus, nos olhos da criança que sonhou e viu papai noel em seu quarto, nas lágrimas da donzela iludida por algum poeta, mas que ainda achava ser amada, a verdade, está no kamikaze que morre crente no oases cercado de 11 virgens, no beato que nas portas da morte sorri, pois tem certeza que verá o rosto de Deus.
A verdade é que cada vez acredito menos no que vejo.

by- Adriano Cabral

domingo, 20 de junho de 2010

DESESPERO - SEGUINDO EM FRENTE

       

30 DE MAIO DE 2008

Está cada vez mais difícil. Nunca imaginei-me nesta condição de clichê ambulante. Choro até não restar mais nenhuma possibilidade biológica de lágrima alguma partir das pálpebras invariavelmente inchadas. Não adianta muito todos me dizerem que sou jovem, bem sucedida, bonita e que a vida continua. Não adianta nem eu mesma repetir pra mim que não havia outra alternativa, a relação estava insustentável. Ela me impedia de crescer, sufocava-me, adeus Felipe. Apenas o amor não é suficiente. Já faz um mês, ainda dói tanto, quando vai passar? Eu preciso muito ser feliz. Mas não vou me desesperar e cair no mundo...

25 de JUNHO DE 2008

Estou quase surpresa comigo mesmo. Até pouco tempo lá estava eu lamentando por algo que parecia não ter fim e agora me vejo apaixonada. Yes, estou apaixonada. Bendita seja a Tainá entre as mulheres por ter me feito ir pra aquela festa de formatura. Foi nela que conheci Henrique, ele é o que pode-se chamar de tudo que há de bom. Bonito, bem sucedido e gostoso. Que beijos! E como ele é cheiroso. Tá bom, ele não é exatamente um intelectual metido a gênio como o Felipe, é até um pouco “grosseirão”, mas quem é perfeito afinal? Trocamos e-mails e MSN. Ele mora em outra cidade, mas sabe, depois de passar tantos anos perdidos naquela relação sufocante estou disposta a qualquer coisa para ser feliz. Entrei na comunidade: Estou amando um engenheiro.

15 de JULHO DE 2008

Tou trêbada, mas não consigo dormir, resolvi escrever, quem sabe assim entendo o mundo melhor ao reler minhas anotações. Acho que beijei uns três caras hoje mas não lembro do gosto nem do rosto de nenhum. O bosta do engenheiro demonstrou ser só mais um canalha afim de uma boa transa. Deus, como sou boba às vezes. Viajei até a cidade dele achando que tínhamos algo... E até tivemos, mas quando retornei a minha cidade, pelo jeito, saciado, ele simplesmente sumiu e disse que era muito jovem para se prender a alguém. Mas poderíamos curtir novamente. Mandei ele tomar... Bem preciso mesmo completar? Já faz cinco dias seguidos que emendo uma festa na outra passando geral... Mas não adiantou, tou chorando, a culpa é daquele filho da mãe, ele me estragou, eu não sei mais me relacionar com ninguém. Nunca mais vou amar novamente.

30 DE JULHO DE 2008

Sabe quando você fica com pena de desligar o telefone porque não quer parar de ouvir a voz dele? Pois é assim que estou agora. Faz apenas três dias que conheci o Rodrigo no churrasco da Tainá. Ele não é inteligente demais, nem é lindo. Mas tem o que podemos chamar de papo gostoso, olhar maroto, e que pegada! Deus que pegada! Depois que ele me deixou em casa na primeira vez que ficamos, eram sete da manhã, às oito ele ligou dizendo que estava com saudades: muito fofo isso né?
Ele é dono de uma pequena rede de supermercados. Pense num cara bom de papo! E mais ainda sabe ouvir como ninguém, as vezes passo horas falando no telefone e ele lá caladinho apenas “se deleitando com a minha voz” Acho que finalmente acertei.

2 DE AGOSTO DE 2008

Meu pai não gostou muito dele. Poxa filha, ninguém sabe nada desse rapaz? Mas que coisa? Ele é amigo da Tainá e eu gosto dele, não é o suficiente? Mas minha filha é o seu terceiro namorado em menos de seis meses! Droga! Sou adulta, vacinada, ganho meu próprio dinheiro, tenho direito de errar droga, agora acertei, dá licença? Ele é um cara muito sério, já me deu uma aliança de compromisso. É pra valer. Entrei na comunidade: Eu Digo que Amo um Digo.

2 DE NOVEMBRO DE 2008

Estou muito, mas muito mal mesmo. Faz uma semana que ele viajou para São Paulo e não me liga, só eu ligo. Ele diz que sou muito pegajosa que fico muito em cima dele. Cara! Eu só liguei pra ele três vezes em quatro dias! Acho que o Rodrigo não gosta de mais de mim. Ele chegou até a falar que muitas vezes quando eu tava falando longamente com ele ao telefone, ele simplesmente tirava o fone do ouvido e ficava vendo tv, que triste.
Pronto, não agüentei mais, liguei e disse que ele estava sendo muito grosseiro comigo, se fosse continuar assim eu não queria mais nada com ele. Sua resposta foi: Tudo bem, já deu!
Tudo bem.

30 DE NOVEMBRO

Estou muito feliz, estou muito feliz. Estou bem comigo mesma. Estou solteira esse tempo todo e sinto que não tenho necessidade de ficar com ninguém fixo. Solteira mas nunca sozinha, adotei esse lema. Afinal, pra que criar uma coisa tão desgastante e trabalhosa como essa tal de relação dita amorosa só para se frustrar depois? Tou feliz, curtindo a vida. Vou viajar mês que vêm estarei em Floripa e Porto Alegre, tem muito homem lindo lá, urru! Foda-se Felipe.

03 DE JANEIRO DE 2009

Estou muito feliz, mas muito feliz. É muito bom estar de bem consigo mesma e amando. É, estou completamente apaixonada, amando mesmo, Tiago é mais que perfeito. Ele me entende. Sinto-me verdadeiramente querida e amada por ele. Ele não tem aquela pegada espetacular do Felipe, mas existe muito mais que sexo numa relação, o carinho é essencial, e pense num homem carinhoso. Ele trabalha num escritório rival do meu, foi cômico, ele me destruiu na audiência e depois ainda teve a cara-de-pau de me convidar para almoçar, acrescentuou que era também amigo da Tainá.  Achei tanta ousadia que topei. Estamos namorando. Meu pai não quis conhecê-lo, que homem chato meu pai, disse que ia esperar ao menos seis meses. Minha mãe também achou o Ti muito fofo.

04 DE FEVEREIRO DE 2009

Foi quase mágico, tudo bem que quase engasguei com a aliança que estava dentro do pudim. Ouro branco, linda! Aceitei lógico e estamos noivos. Ele quer casar daqui há três meses. Pra que esperar? O tempo demasiado não faz ninguém conhecer melhor alguém, veja só o Felipe? Esperar demais só faz com que nós percamos as chances únicas que a vida nos apresenta. Sou noiva, amo e não tenho nenhuma dúvida que quero ficar para sempre com Ti. Entrei na comunidade: Todo Tiago é Tifofo.

30 DE ABRIL DE 2009

Não sei por que estou muito, mas muito triste desde essa manhã. Não quis comer, não quis ir ao trabalho, fiquei na cama mesmo, sem forças pra nada. Nada efetivamente mudou na minha rotina hoje, a não ser o telefonema daquele insano do Felipe: Desejando-me felicidades pelo casamento que virá. Eu lá quero saber dele? Como se ele tivesse alguma importância na minha vida ou eu vivesse lembrando-o. Enterrado amigo, enterrado, já se passou um ano exatamente, já deu. Mas não entendo porque estou tão mal assim.
20 DE MAIO DE 2009

Estou digitando no meu notebook a caminho do aeroporto, estou muito feliz. Ti ta dirigindo, vamos passar a lua de mel na Grécia, muito chique! Estou efetivamente vivendo um sonho. Felipe sempre me disse que depois dele eu nunca mais iria amar novamente como eu o amei. Como ele estava enganado. O mundo é muito grande, existem muitas pessoas nele, e com paciência e sem desespero, sempre temos uma chance de encontrar um novo alguém, um novo amor. E foi o que fiz. E agora tenho certeza que finalmente estou seguindo...
Em frente.

By- Adriano Cabral

domingo, 6 de junho de 2010

DESEJO - ONDE ESTÁ O AMOR?

                                                
                                                  
                                                    DECISÃO

- Você tem certeza que vai fazer isso? Ele é um homem feito, já viveu, tem filhos ele já viveu...Um homem que não tem nada e ainda vai te forçar a ficar longe de sua família. Filha, sua existência só está começando, nao jogue fora por causa de um homem, você tem a vida inteira pela frente só tem vinte e dois anos...
-Já chega mamãe. Vocês já viveram suas vidas, agora é minha vez de viver a minha.

E foi assim que Patrícia saíu de casa para morar só. Um ano depois, estava casada e trabalhando num pequeno escritório de advocacia próprio em outra cidade, vivendo com Leandro, 14 anos mais velho, engenheiro agrônomo, quem ela acreditava ser o amor de sua vida. Ela sabia que os primeiros anos iriam ser difíceis, mas antes de tudo Patrícia era uma mulher decidida.

                                   LUA DE MEL

Os primeiros cinco anos foram duros, mas definitivamente o mesmo tanto que ela tinha de garra tinha de talento e ela rapidamente foi se estabelecendo no difícil mercado da advocacia. Antes dos trinta ela já tinha vinte empresas como seus clientes fixos. Seu casamento era o que se poderia de chamar de sucesso. Leandro, não obstante ganhar pouco, demonstrou ser um homem mais que perfeito, além das qualidades que já eram conhecidas, demonstrou ser um ótimo companheiro, era seu braço direito. Ficou grávida no final do quinto ano e estava ansiosa para ter seu próprio filho, tinha certeza que nada poderia ficar melhor.

                                          DESEJO

Dez anos se passaram, e a doutora Patrícia Maia estava completamente estabelecida no mercado, inclusive seu deu ao luxo de fazer mestrado, doutorado e lencionava na renomada faculdade de direito local. Contudo, cada vez estava mais difícil ir para festas, encontros, almoços com o marido, até mesmo falar dele, tinha vergonha. Leandro continuava do mesmo jeito, era um pai maravilhoso, marido atencioso, mas defintivamente não tinha ambição. Isso cortava o coração de Patrícia, nessas horas lembrava dos pais " ele não tem nada." Essa insatisfação foi grande fonte de brigas. Ela não só o incentivou, mas exigiu que ele tivesse "sucesso profissional", não era pelo dinheiro, afinal ela ganhava mais que o suficiente, ela queria ter orgulho do marido. Pressionado, ele se uniu a um antigo colega de faculdade e abriram uma empresa de consultoria.
                               ONDE ESTÁ O AMOR?
Quinze anos de casados...
- Por que a senhora deseja se separar?
- Eu definitivamente me sinto só. Disse Patrícia com a voz embargada para seu advogado. Preferiu contratar alguém estranho, famoso por ser um advogado muito humanista especializado em divórcio.  Ela tinha muita vergonha de sua condição de divorcianda, não queria se expor tanto para conhecidos.
-Seu marido anda te traindo?
-Não, jamais ao menos não soube de nada parecido.
-Então qual é o problema afinal? Você o ama?
-Muito...
-Então qual é o problema?
-O problema é que não tenho efetivamente um marido. Desde que ele abriu aquela maldita empresa de consultoria nem eu nem nosso filho o vemos. Ele passa às vezes três, quatro meses viajando pelo Brasil inteiro a trabalho. E quando está aqui passa o dia fora e chega em casa cansado.
-Então dinheiro não é problema.
-Não, nunca foi, ele é muito bem sucedido, provavelmente ganha mais que eu... Mas por isso mesmo não entendo, porque trabalhar tanto? Nem precisamos disso.  Por que ele me deixa tão só. Não acredito mais que ele me ama. Não me queixo sabe, acho que ele deveria descobrir sozinho como eu me sinto, é assim que os casais devem ser.
- Você realmente crê que ele não te ama porque não está presente.
- Não me ama! Quem ama quer estar perto, ele vive longe, onde está o amor?
-A senhora citou que tinha  um filho certo? Dez anos, você está com ele com frequência?
-Gostaria de estar mais presente. Mas ensino pela manhã na faculdade, a tarde tenho o escritório e a noite dou aulas na pós graduação. Então resta os fins de semana sabe...
- Bem, O fato de não estar presente na vida do seu filho elimina a possibilidade de amá-lo. Afinal, se a senhora não está com ele onde está seu amor?
- Essa pergunta fez o sangue de Patrícia gelar.

                                  E NO FIM DAS CONTAS.

      O telefone tocou em algum quarto de hotel, um homem arrasado e abatido atendeu ao telefone.
-Leandro, você me ama?
-Patrícia, a única certeza que tenho na vida além da minha própria morte é que te amo.
Em seguida ela desligou o telefone.

       Enquanto as lágrimas caíam entre soluços ela pensava no marido, no filho, nos seus pais. Em seguida ela adormeceu.

By- Adriano Cabral.