sábado, 3 de maio de 2014

Histórias Sonhadas

- Olha você aí, mais uma vez após meses reaparece, esta sem sono? Afinal, são já 1:30 da manhã.
- Pior que estou sem sono mesmo, estou aqui tentando estudar para compensar a besteira que fiz.
- Qual foi, pode compartilhar comigo?
- Pera, vou demorar um pouco mas, já falo.



E foi assim que se iniciou mais um bate papo on line entre Felipe e Joana. Fazia pouco mais de um ano que teclavam. Se "conheceram" através da namorada dele que dizia que Joana era sua irmã gêmea perdida. Felipe ao analisar várias fotos postadas em redes sociais, reconhecia uma certa semelhança, mas nunca achou-as tão parecidas quanto se alardeava. Um dia sua namorada destacou que os traços parecidos entre elas se restringiam mais aos aspectos físicos, no entanto, as personalidades eram completamente distintas. Curioso, Felipe adicionou Joana em uma das redes sociais que frequentavam e a partir daí criou um curioso laço.

Nos primeiros dias conversavam longamente, ambos tinham em comum além do "parentesco" perdido, afinidades intelectuais. Ambos, faziam o curso de filosofia, só que ele era professor e ela ainda era aluna. Passaram horas divagando sobre a vida, o mundo, o direito, do amor e outros demônios da existência. Ele era ousado demais e não raro utilizava palavras ríspidas e duras sobre as coisas e pessoas ao mesmo tempo demonstrava uma sensibilidade acima do comum.  Ele passava uma segurança no que dizia e fazia que chegava a irritar Joana. Esta, não obstante bem no fundo do seu ser ter a mesma natureza indômita de Felipe, no mundo real passava a imagem de uma pessoa tímida, retraída, sempre na defensiva, não queria chamar a atenção, e quase sempre se isolando do mundo, mergulhada em livros e sonhos. Eram os livros sua principal desculpa para deixar de interagir com outros seres humanos e também o único consolo da sua solidão. Não obstante, Joana tinha um dedicado namorado que tinha a paciência única e infinita de suportar as variações de humor dela, que eram muitas, e também as longas ausências, portanto, se nunca teve uma paixão avassaladora, tinha o homem perfeito.

Os meses se passaram e eles gradativamente conversavam muito pouco, dia sim quatro meses não. Mas sempre que se reencontravam parecia a ambos que o papo acabara ontem. Não obstante os grandes intervalos de tempo, todas as vezes que se encontravam, a afinidade entre eles ficava mais patente, contudo, ela sumia misteriosamente sem deixar vestígios, como se temesse que aqueles tênues laços se tornassem mais fortes do que deveria. Não que houvesse algo de íntimo demais nas palestras que ambos tinham, mas há certo tipos de pessoas que sempre que podem, ou não, evitam ao máximo alimentar qualquer sentimento que possa trazer algum "transtorno" amanhã.

Diante disso, mesmo após mais de um ano de contato e levando-se em conta o desejo da namorada de Felipe que ele encontrasse sua "irmã", Joana sempre arranjava uma desculpa para evitar o encontro, sem nunca dizer isso claramente. Mas a vida é cheias de surpresa, concorda? E naquele dia que começaram a conversar de madrugada, sim, a conversa que está no início da história, Felipe tinha sido contratado como palestrante num congresso de filosofia que aconteceu num hotel do litoral sul de Pernambuco. Como estava só e entediado, tentou acessar em vão a internet de seu quarto até descobrir que o sinal só funcionava na área da piscina ou do restaurante do hotel. Lá estava na restaurante do hotel quase vazio, a não ser por uma moça que estava distante uns vinte metros, também mergulhada no computador. Ou seja, estava praticamente só.

- Bem, já se passaram meia hora e você pelo visto está muito ocupada e não quer compartilhar a grande besteira que você fez, vou me recolher...

- Ah! Desculpe! estou fazendo mil coisas, estou com insônia de novo para variar. Enfim a besteira que fiz é que inventei de fazer algo que parecia inteligente mais resultou numa grande burrada.

- Finalmente quer dizer que crime você cometeu?

- Me inscrevi num congresso idiota que só tem gente idiota falando e por óbvio, uma turba de inúteis assistindo...

- Ah! Você deveria ter me avisado, também estou num congresso, como palestrante, tenho certeza que se você fosse para meu evento não estaria entediada... Que pena!

- Para piorar a rede não funciona nos quartos, só no hall e na área da piscina, acredita nisso?

- O problema deve ser endêmico, no hotel que estou a internet é uma droga, estou aqui sozinho no restaurante da piscina para acessar a internet acredita?

- Eu também, só estou incomodada porque até bem pouco tempo estava sozinha, agora um senhor esta sentado atrás de mim, estou com um certo receio...

- Que bobagem, você não esta num hotel? Nisso Felipe olhou ao redor e viu ao longe a moça sozinha, a poucos metros dele, já tinha esquecido dela. A propósito, reparei que tem uma mocinha aqui comigo, será que ela está com medo de mim achando que posso ser um tarado.

- Que onda, quem sabe não estamos no mesmo hotel...

- Impossível, o congresso que estou não é tão chato quanto o descrito por você, afinal, eu sou palestrante...

- Tá bom, então se levanta e vai lá dizer oi pra garota, aí saberemos se estou ou não errada. Joana disse isso em tom de brincadeira, pois também acreditava ser impossível que ambos estivessem no mesmo lugar.  Ao ouvir  os passos atrás dela se aproximando, seu coração bateu acelerado, suas mãos soavam frio... seus nervos quase explodiram quando ela ouviu a voz dele....

- Boa noite, Joana.

- Ai Felipe! Que susto... Não sabia muito bem o que dizer.  Por sua vez Felipe, sorridente, sentou na cadeira ao lado dela, fechou o Notebook e perguntou em tom jocoso:

- Quer dizer que o congresso que você se inscreveu é um saco e sem graça? Ela não conseguia pronunciar palavra, de repente ficou intimidada com aquele encontro inesperado, ele continuou. Tudo bem, estava chato até você assistir minha palestra amanhã, agora me fale, o que você estava estudando...

Ao ouvir essa pergunta, naturalmente ela começou a falar sobre os autores que estava analisando, as reflexões que tinha feito, as críticas mordazes que tinha em relação a determinadas posições filosóficas, e entretida no mundo do conhecimento deu-se até oportunidade de sorrir. E pela primeira vez, Felipe e Joana conversaram, passado o impacto inicial, pareciam agora o que de fato eram, velhos amigos.

Felipe ficara fascinado, ela era tudo que ele esperava e um pouquinho mais, enquanto Joana, que já desconfiava, teve a certeza que com ele estaria a vontade pra falar qualquer coisa.

E durante os dois dias que se seguiram se viram bastante, almoçaram e jantavam juntos e varavam a madrugada conversando sobre a vida, o universo e tudo mais.  Na noite do último dia a maior parte do tempo conversaram normalmente, mas havia um clima de despedida no ar, uma dor oculta em cada palavra que era proferida, uma saudade antecipada.  O relógio apontavam  quatro horas da manhã.

- Esta na hora de ir, certo Joana?

- É, vou embora hoje antes do meio-dia, meu namorado vem me pegar. A gente se vê por aí.

- Você sabe que a gente não vai se vê... Você sabe que no fundo isso que tivemos nunca mais vai acontecer.

- Mas...

- Você poderia tentar me enganar, mas sabes que é inútil, e se enganar está fora de questão, você é muito inteligente pra isso. Mas já que é assim, foi bom né? Fomos perfeitos.

- Eu sou perfeita! Disse num grande sorriso.

- Sim, essa é a Joana que eu esperava. Dito isto, ela caiu na gargalhada e ele a acompanhou.

Na hora final, Felipe pegou a mão de Joana e a moda antiga, curvou-se e beijou-a docemente desejando boa viagem. Ambos se afastaram com os corações pesados e uma angústia inexplicável.

Depois desse encontro nunca mais se falaram.

Comparam a vida a uma peça de teatro, um livro, contudo na vida real algumas histórias,mesmo que pareçam a princípio serem únicas, intensas e interessantes, acabam simplesmente não sendo...escritas,  sendo apenas imaginadas ou quem sabe, sonhadas.

by- Adriano Cabral