segunda-feira, 25 de maio de 2009

Me Dá Um Biscoito

















        
      Aílton estava sentado num banco de praça. Era alta noite, ou alta madrugada. Uma hora onde quase todos dormiam, exceto os bêbados, boêmios e os poucos trabalhadores noturnos. A paisagem era belíssima, mas parecia que os olhos do rapaz de belo nada via. Sua face nem de tristeza era. Era o total desalento. Uma espécie de cansaço. Tão somente a falta de razão para viver era o que exprimia aquele olhar. Ele pegou dentro da bolsa de couro um pacote de biscoito recheado Pilar, abriu, e, ao sentir o aroma achocolatado, veio uma invencível necessidade de chorar.
Quão pequeno é o ser humano. Contudo, os grandes autores só falam de grandiosos homens e grandes feitos. Mesmo quando são aparentemente fracos, eles têm consigo fatos maravilhosos ou ações espetaculares atrás de si, ou ao menos, uma certa magia. No entanto, o ser humano no mundo real é tão pequeno tão enraizado no soturno mundo do anonimato. E é até cômico como pequenas coisas sem poesia e sem graça, evocam nos homens pequenos as lembranças do que para ele foram grandes recordações, que se referiam a momentos cruciais de suas vidas. Um par de meias, uma escova de dente, uma mera bijuteria, uma estação de metrô, uma música popular, uma letra, uma corujinha, um pacote de biscoito recheado. Quaisquer dessas coisas são comuns, entretanto pode representar um mundo para uma pessoa, uma porta para magia ou para o pesadelo. Mas que só uma ou duas pessoas são capazes de ver e entender.
E ao sentir aquele aroma tão comum para tantos, mas tão especial para ele, sua mente vôo através do nada e conseguiu o impossível, voltou no tempo...
E lá estava ele irritado como sempre. Um reclamão. Também, pudera, chegar aos vinte anos e nunca ter tido nenhum contato com mulher, nem um beijo, nem um pobre e miserável beijo. Chances, já tivera, mas não beijaria qualquer uma. Tinha que ser o seu grande amor. Entretanto, como nenhuma mulher parecia disposta a passar pela fase de testes até chegar a ter a "honra" de dar-lhe o primeiro beijo, permanecia sozinho. Mais irritado ainda estava ele naquele dia, pois o homem da lanchonete da faculdade dissera que não havia biscoito recheado São Luiz, o seu predileto. Mas como ele estava com desejo imenso, incontrolável de comer biscoito, ele se contentou com o sem graça do Pilar.
Ao chegar ao pátio da faculdade, sentou num canto sozinho para comer em paz. Antes mesmo de pôr o primeiro biscoito na boca, sentiu um perfume que o paralisou para logo seguida sentir que alguém estava ao seu lado. Uma voz suave fez um pedido sem cerimônias acompanhado de um lindo sorriso:
— Me dá um biscoito!
Disse a desconhecida estendendo a mão. Aílton não sabia o que dizer nem o que fazer. Seu primeiro impulso fora enxotá-la. Oras, jamais havia visto aquela criatura inoportuna e sem vergonha. Mas como recusar aquele pedido, aquele olhar? Cedeu. Ela recebeu fazendo muitos agradecimentos, dizendo que amava aquele biscoito Pilar, ninguém gostava, né? Mas ela amava, afinal era um produto da terra. Enquanto agradecia, olhou nosso rapaz bem na alma e de repente estacou. Ele ficou espantado de como aquela menina, era tão bela e ao mesmo tempo tão estranha. Ficou paralisado sob o olhar perscrutador daquela criatura que invadiu a sua vida sem aviso e já o dominava naquele instante.

— Lindo os seus olhos sabia? Tanto sentimento... Seja lá quem for a sua namorada deve ser uma garota de sorte. Que lindo par de olhos castanhos estes os seus. Tanta ternura...
E os olhos dela se enterneceram. Foi quando neste momento ele percebera que estava diante de duas lindas e brilhantes luzes azuis. Tão azuis que obscurecia o próprio céu com seu azul de infinita beleza. Estava completamente perdido naquele olhar. Já não tinha mais noção do que fazia. Por vários momentos pensou que ela estava tentando fazê-lo de bobo. Que fizesse, pensou ele, aceitava, desta vez, pela primeira e única vez na sua vida aceitaria ser um bobo. Valia tudo, para contemplar, tão perto, nem que tão somente naquele instante único, aquele olhar.
— Sabia que você é lindo!
Ao escutar isso, nosso tímido rapaz ficou literalmente de boca aberta. Não podia acreditar no que estava vendo e escutando. Só podia mesmo ser um sonho. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, ela puxou-o para si e beijou-o. Tão perdido estava Aílton que nem conseguia responder ao beijo a princípio. Afinal era o seu primeiro beijo. Um beijo que ele esperava ser executado com todo o planejamento e cautela. Agora não queria deixar aquele beijo inesperado. Tomando ar... Enquanto ela perguntou tranqüila:
— Você tem namorada?
Mas o pobre rapaz ainda estava tomando ar, quando ele estava já reunindo fôlego para responder, ela o agarrou de novo e antes de beijá-lo novamente disse:
— Ah! Não importa.
E partir daquele dia eles se encontravam todos os dias. Passavam todas as tardes após a faculdade na praça 13 de maio, aquela mesma perto da Faculdade de Direito do Recife. Ambos estudavam lá. Midiam tinha dezoito anos de pura energia e alegria. Ficavam horas e horas atracados sob a grama, deitados, se sugando no meio parque...
Ás vezes emendavam o dia e a noite. Caminhando como loucos, ainda vestidos com as roupas graves da faculdade, na beira da praia de Boa Viagem. Cada vez que se despediam era uma dor, uma vontade de chorar. Parecia que era a última vez. Uma verdadeira despedida. Ao chegarem em suas respectivas casas, se telefonavam e ficavam a conversar até o sono chegar.
Com sete dias de namoro. Midiam o levou para um porão desconhecido pela a maioria dos estudantes da faculdade onde ficava os velhos móveis do ilustre orador baiano Rui Barbosa. E lá ela pediu para que Aílton a possuísse. Devo-lhes confessar que ele ficou pasmo. Duvidando até da virtude dela. Mas a vontade era maior que a moral. E ele a despiu, deitou-a em cima do velho birô de Rui Barbosa e adentrou em sua Midiam. Para o sua surpresa ainda era imaculada. E encontrou o céu. Um.
Desde então se amavam todos os dias nos lugares mais inusitados. Como ser mais feliz? Perguntava para si mesmo. Midiam tinha todos os requisitos que um dia sonhara. Cheia de energia, inteligente, poética, livre, livre, livre e linda, linda até demais pro seu gosto.
Três meses se passaram. E ela apareceu de repente com um par de anéis. Ela declarou que era sua noiva. E acrescentou que ele fatalmente seria seu marido. Aílton vivia embriagado com tanta ventura. Parar para pensar? Porque, se era feliz?
Certo dia ele perguntou:
— De onde vieste? De que céu fugiste minha anja? Que bem fiz eu para te ter? Será que de repente não irás embora tal qual chegaste?
Ela respondeu plácida:
— O anjo aqui é você meu amor. A sortuda aqui sou eu. Eu quem te agradeço por teres deixado eu entrar na tua vida, e tudo que faço só tem um motivo, te amo e é esse amor que me move e me faz realizar essas doces "loucuras". Quanto ao fato de ir embora, te juro, que só te deixarei quando a morte me levar. E te peço, que quando isto acontecer, não sofras. Apenas no dia em que a saudade e a dor forem insuportáveis, venha para esta praça na madrugada, pegue um pacote de biscoitos e coma em nosso tributo, e se uma lágrima irrequieta quiser ferir os teus olhos, contemplas a grama, estas árvores e este céu, e lembra das tardes que passamos aqui, de tanta felicidade e amor. E eu tenho certeza que a treva da morte se fará luz com esta lembrança, pois neste momento, eu estarei aqui contigo, pegando na tua mão, a comer estes biscoitos de chocolates. E não haverão mais lágrimas apenas a certeza da felicidade eterna e do reencontro.
Estas últimas palavras à menina proferiu sempre com um sorriso, mas ao mesmo tempo com a voz embargada de dor. Ele implorou para que ela não falasse assim. Pois ele sabia que a terrível sombra da morte teria que muito esperar até tomá-la deste mundo. Que ela ainda era tão jovem.
Ao completar exatamente quatro meses de namoro. Aílton ainda estava em sono profundo quando com um salto acordou ao escutar o telefone que gritava desvairadamente, correu para sala com o intuito de atendê-lo. Do outro lado da linha ele escutou gritos lancinantes. Gritos que comoveriam até as frias rochas marinhas. Um clamor de dor insuportável. Era sua Midiam. Clamava o socorro de seu amado. Aílton me ajuda, eu não quero morrer, não quero morrer, Ai! Não me deixa, não me deixa!
Todo este horror durou menos de um minuto, de repente o telefone emudeceu. Ele correu desesperado para casa de sua amada. Era tarde demais. Naquele momento em que falava com Aílton, Midiam deixou o mundo dos vivos. Morreu de aneurisma cerebral. Ninguém da família conseguia entender. Jamais a Mi ficava doente. Nunca imaginariam isso.
Nada fazia sentido. E quem disse que á morte faz sentido? Alguns dias mais tarde após o sepultamento, os pais de Midiam entregaram um envelope pardo para Ailton. Eram várias cartas que Midiam escrevera para ele, como se ela já antevisse seu destino. Eram palavras de consolo e de onde ela falava de seu grande amor por ele. E nessas cartas, foi que ele descobriu que ela já o conhecia há mais de quatro anos. Que ela estudara todo colegial no mesmo colégio que ele e o observava desde então, que na hora do recreio ia furtivamente para sala dele e lá lia os cadernos de Aílton, neles estava uma espécie de diário improvisado, onde ele escrevia suas poesias, falava das suas dores e seus sonhos, falava de sua solidão. De como o amou muito antes de falar com ele, e senti-lo. E as cartas póstumas revelavam também de como ela detestava biscoitos Pilar...
Aílton estava lá sentado na madrugada fria, a comer biscoitos. Após mais de um ano da morte de Midiam era o mesmo ritual, sempre que podia estava ali. Buscando naquela solidão a presença dela, e nada. Todo aquele ambiente bucólico lhe era funesto. Todas as folhas estavam mortas, cada estrela no céu era uma lágrima, o vento levava tudo que era bom com sua música de lamento.
E quando ele contemplou o nada já sem esperanças, a lembrança veio viva e cheia de dor. E não foi possível acalmar as lágrimas irrequietas que banharam a praça como um rio de águas salgadas. Atordoado e desesperado, ele sentiu de novo aquele perfume que um dia mudou sua vida. Olhou para o seu lado, e lá estava ela como prometido, com o mesmo sorriso. Ele queria dizer-lhe tanta coisa, perguntar-lhe tanta coisa... Mas antes dele proferir qualquer palavra ela perguntou:

— Me dá um biscoito.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

ESTAMOS COM FOME DE AMOR


Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, chegam sozinhas e saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e, sozinhos. Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos “personal dance", incrível. E não é só sexo não, se fosse, era resolvido fácil, alguém dúvida?
Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho sem necessariamente ter que depois mostrar performances dignas de um atleta olímpico, fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão "apenas" dormir abraçados, sabe essas coisas simples que perdemos nessa marcha de uma evolução cega. Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção. Tornamo-nos máquinas e agora estamos desesperados por não saber como voltar a "sentir", só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós. Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada no site de relacionamentos ORKUT, o número que comunidades como: "Quero um amor pra vida toda!", "Eu sou pra casar!" até a desesperançada "Nasci pra ser sozinho!" Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis.
Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento e estamos a cada dia mais belos e mais sozinhos. Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário, pra chegar a escrever essas bobagens (mais que verdadeiras) é preciso encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa. Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia é feio, démodé, brega.
Alô, gente! Felicidade, amor, todas essas emoções nos fazem parecer ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, não seja frustrado, "pague mico", saia gritando e falando bobagens, você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta mais (estou muito brega!), aquela pessoa que passou hoje por você na rua, talvez nunca mais volte a vê-la, quem sabe ali estivesse a oportunidade de um sorriso à Dois.
Quem disse que ser adulto é ser ranzinza, um ditado tibetano diz que se um problema é grande demais, não pense nele e se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele. Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo ou uma advogada de sucesso que adora rir de si mesma por ser estabanada; o que realmente não dá é continuarmos achando que viver é out, que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo ou que eu não posso me aventurar a dizer pra alguém: "vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida".
Antes idiota que infeliz.



Texto atribuído a Arnaldo Jabor

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A trajetória de um pai... José



José nasceu na cidade de Sapé interior da Paraíba. Família numerosa e pobre começou a trabalhar aos oito anos no corte de cana. Seu pai, rígido, não queria filho na escola, afinal isso não rendia nada para família. Mas José estudava escondido e conseguiu fazer isso até a 4ª série do ensino fundamental. Com inteligência acima da média, vivia dizendo que sua menor nota era dez. Na sua humildade, seu sonho de criança era virar motorista de trator...

Aos 17 tentou se alistar no exército, teve que mentir dizendo que era de Campina Grande. Entrou, aprendeu a trabalhar com eletrônica e elétrica. Aos 20 casou e a responsabilidade o fez ir embora para São Paulo, a esta altura já era pai de dois filhos. Nesses primeiros anos sua filha Francinete, recém-nascida, foi ao encontro do senhor. (provavelmente para ser o anjo dessa família numerosa. Nós precisamos realmente muito dessa anjinha).

Voltou com muito dinheiro no bolso para buscar a mulher, mas na viagem, como não era de ficar calado saiu dizendo o quanto ganhou a todos na viagem, resultado: foi roubado e perdeu todo seu dinheiro... Azar? Creio que não, pois só restou o suficiente para ir ao abençoado Recife e aqui nesta bela cidade se instalou trabalhando como ascensorista na UNICAP. Nos primeiros anos andava dez quilômetros para ir e voltar com o fim de economizar o sustento dos três filhos que já possuía...
Com o tempo se especializou na prática de fazer manutenção e construção de elevadores. Era o único técnico do nordeste que sabia e podia fazer um elevador sem ajuda de "São Paulo".
José era muito bem humorado, tranquilo, contador de histórias mirabolantes onde a verdade e a fantasia tornavam-se uma coisa só. Compôs marchinhas de carnaval nunca gravadas, foi fã incondicional de Luíz Gonzaga (com quem tinha certa semelhança física) criou na década de setenta um controle de games de botões (só existia os de manche) e eu mesmo lhe disse: Ixe, isso nunca vai vender... anos depois vocês viram o resultado todos os controles são de...botões.
Trabalhou na Kone elevadores, fez muito amigos na UNICAP foi empregado homenageado algumas vezes, não bebia, não fumava não jogava, seus únicos vícios eram uma boa comida e o trabalho...trabalhou muito a vida toda de domingo a domingo, preguiça não era uma palavra que estava em seu dicionário.
Teve onze filhos (como eu disse preguiça não estava em seu dicionário) e assumiu todos eles. Todos estão vivos e bem, exceto a anjinha Francinete.
No dia 14/05/08 ás 08 da manhã José foi tentar pôr um elevador para funcionar. Aos 72 anos ainda era teimoso e tentou fazer isso sozinho...foi eletrocutado e morreu. A imprensa marron apareceu por lá para tirar foto do corpo, a família impediu, foi sepultado no dia 15/05/08.

O que se pode dizer mais do meu pai... muita, muita coisa que cada um de nós que conviveu com ele sabe. Tinha defeitos como todo ser humano, mas com certeza suas qualidades durante a vida compensaram quaisquer faltas que tenha cometido. Sua herança é a incansável vontade de trabalhar, a genialidade de um homem humilde, suas qualidades de grande nadador(herdada pelo neto atleta), de proteger a família, de apoiar os filhos incondicionalmente, seu bom humor quase infinito, sua força de sertanejo e de ter sido, sem dúvida, antes de tudo um forte, um cabra Macho da Paraíba que agora vive através de seus filhos e netos. E por falar nisso, finalmente Francinete poderá novamente abraçar seu pai.

Vou acabar aqui lendo as letras de algumas marchinhas que meu pai criou, como eu disse homem muito bem humorado que amou muito a família e sua também incansável esposa, não é á toa que suas músicas falavam da força da mulher.


Mulher você venceu, os direitos já são iguais
Com a emancipação realizou seus ideais
Já não precisa mais guerra, comíssio nem reunião
Você é quem manda nesta terra e manda no meu coração ““.

“Eu gosto muito de mulher”.
Eu gosto gosto gosto gosto até demais
Mas se eu gosto de mulher assim
Foi herança de meu pai
Mas se eu gosto de mulher assim, foi herança de meu pai
A mulher que veio ao mundo foi pra se amar não pra se bater
O homem verdadeiro sem mulher não pode viver""Só só só você meu bem
Eu não quero mais ninguém
Só só só o seu amor vai curar o mal que eu tenho
voce é minha cura
é meu remédio é meu comer
é minha higiene mental, nos dias de lazer
A medicina da minha vida é você"

“Jóia eu tenho em casa, pra que eu procuro a fora
Jóia Mãe dos meus filhos, que é uma bela senhora.”
José Cabral.

domingo, 10 de maio de 2009

A HERANÇA

Dizem que ao chegar ao mundo os bebês, a exemplo das pessoas que dão um rápido mergulho no mar, respiram bem fundo para enfrentar o estranho ar que terão no misterioso mundo além-do-útero. Eu acredito que tomei bastante ar, mesmo assim, não foi possível conter as lágrimas de saudade da doce, aquecedora e tranquila casa dos bebês.

E enquanto eu respirava, um certo dia estava brincando no parquinho. Só quem é criança sabe como é maravilhoso correr sem destino, sentir o chão barrento, subir nos escorregos mais altos tão somente para deslizar deliciosamente por alguns segundos, ou ainda, deixar-se embalar por alguns minutos num balanço. Estava eu perdida nesses prazerosos afazeres quando ao longe pude ver minha mãe cabisbaixa e triste. Não pensei mais em nada e corri em sua direção. Como alguém poderia estar triste naquele dia, logo ali, num parquinho? Pensava  enquanto voava para os braços da minha mãe. Era um momento raro, onde a quase sempre consolada iria tentar consolar. Ela abraçou-me forte, olhou-me tão profundamente e de forma tão singular que parecia não ver sua filha naquele instante, mas uma outra pessoa e, em seu olhar, pude notar também que se a expressão de dor diminuía, de outro lado, as lágrimas deslizavam em abundância, lágrimas paradoxalmente casadas com um sorriso. Embalde eu inquiria as razões daquele angustiante e misterioso pesar, desesperada, sem saber o que falar, acabei dizendo pra mamãe que ela não chorasse, que eu não iria levá-la pra casa naquele momento, melhor, daquele dia em diante moraríamos no parque então ela não mais choraria sentindo falta das brincadeiras. Contudo, não obstante seu sorriso perdurasse, nada do que eu dizia a acalentava, nem tampouco cessava as lágrimas. Diante disso, só me restou misturar minhas lágrimas às dela, enquanto ela me abraçava cada vez mais forte. Deveria haver uma regra sagrada que proibisse das mães chorar. Tive que respirar fundo...

E com o passar dos anos, cada vez ficava mais longe do cordão umbilical. De repente, só as respostas dela nem seus carinhos eram suficientes. Essa separação involuntária e natural dos filhos, afigurava-se pra ela como uma violência sem limites. Então, os conflitos em razão disso eram inevitáveis e quase em todas as discussões ela lembrava do quanto me amara e cuidara por todos aqueles anos. E o que recebera em troca? Não sabia mais quem era sua filhinha, a sua filhinha, queria ao menos ser minha amiga. Mas como uma mãe pode ser amiga de uma filha? No fundo ela sabia do absurdo disso, mas pra ficar por perto, ela estaria até disposta a se rebaixar, perder o cargo eterno de mãe para ser uma reles amiga. Num desses dias de conflito, ela chorou muito e uma memória, que era só névoa, veio viva e, mesmo depois de todo aquele tempo, aquela lembrança voltava nítida e incomodava-me. As lágrimas estavam ali para provar quão ingratas são as filhas e, naqueles instantes, pude novamente encontrar aquele olhar, no parque... Naquele momento, esqueci o motivo original do pesar materno e indaguei muitas vezes pra minha mãe o que significaram as lágrimas daquele dia e o porquê daquele olhar, que se repetiu naquele instante. Ela desconversou, mas em seguida disse em soluços: Você tem os olhos da sua vó. Não sei porque, mas naquele instante senti um aperto no peito, um tremor nos membros, e um frio a percorre-me a espinha, meu coração parecia bater mais lentamente. Ela estreitou-me nos braços de forma tão intensa que eu quase desfaleci ali mesmo.

Não dormi direito naquela noite, fui assombrada por fantasmas ou por minha própria mente confusa que entabulava diálogos travados e sem sentido entre o sonhar e o despertar. Uma certa hora acordei em pânico, suando muito, falta de ar, pensei na minha avó, pessoa que nunca conheci (minha mãe evitava falar dela, a saudade doía muito). Eu tinha os olhos dela. Essa ideia se apresentou naquela hora da madrugada como uma aberração, uma monstruosidade, eu com os olhos de uma estranha... não, não, era a mãe da minha mãe; Não! é uma estranha que está morta, e seus olhos foram devorados, devorados... Assim como um dia serão os meus...

Assim como foram os da minha mãe. Quando eu recebi a noticia estava morando em São Paulo, o trabalho e outras ocupações só me deixaram chegar ao Recife três dias depois. Não tive coragem de ir ao cemitério. Foram dois anos de dor viva e silenciosa, e toda uma existência de lembranças... A agonia foi tamanha que tentei não mais lembrar...

Até que nasceu Elisa. Antes dela vir ao mundo, ter um filho era apenas perder meu tempo e meu precioso trabalho e pior, minha liberdade. Até mesmo quando cheguei ao ultimo mês de gestação repetia pra mim que só tiraria um mês de licença, nada de quatro. Qual foi meu engano! Ao ver aquela criaturinha rosada, indefesa, sozinha, chorando e se acalentando em meu seio; ao sentir que a vida dela dependia de mim, percebi ao mesmo tempo que a minha felicidade dependia dela. E quando foi relevado o milagre de ser mãe, quase que não quis retornar ao emprego. Respirei fundo...

E estava no leito de um hospital, sem poder me mexer nem falar. O peso dos anos se tornavam insuportáveis. Meus três filhos passaram toda tarde comigo, apenas minha neta, de mesmo nome que sua mãe, minha primogênita, estava ao meu lado lendo algum livro em voz alta pra mim. Eu não conseguia distinguir muito bem o que ela falava, mesmo assim sua voz era como uma doce melodia de amor celeste que me fazia sentir mais tranquila diante do que me esperava.
 
Ao olhar nos olhos da minha neta mais uma vez vi minha mãe e pude sentir exatamente o que ela sentia ao olhar pra mim. Nesse momento sorri, talvez minha neta não tenha notado (é bem provável que ela tenha visto apenas a lágrima fugidia a deslizar no meu rosto), mas naquele último instante, percebi como minha vida nem a da minha mãe tinham sido em vão. Nós estávamos lá, de novo, renovadas nos olhos da pequena Elisa, e, enquanto tudo se tornava mais confuso e escuro, me orgulhei de um dia ter podido olhar o mundo através dos olhos da minha Avó. Respirei fundo, e parti...

by-Adriano Cabral

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Psicanalista nega distinção entre vida real e virtual

São Paulo, 06 (AE) - As relações afetivas construídas na internet e a forma como nos mostramos nas redes sociais não são nada virtuais. Ao contrário, são muito reais. Psicanalista que figura entre os mais famosos no Brasil, Contardo Calligaris vai contra discursos que diferenciam relacionamentos ou atitudes na rede dos realizados no mundo "físico". Para ele, amizades ou romances mantidos na web valem o mesmo que os mantidos fora dela. E comportamentos muitas vezes exóticos assumidos virtualmente são só o reflexo de características já existentes no indivíduo.
O papo pode parecer muito cabeça para o leitor. É mesmo. Mas na conversa com a reportagem, Calligaris destrincha o assunto, que lhe inquietou a ponto de servir de material para escrever sua primeira peça de teatro. Além de psicanalista, ele é escritor, colunista da "Folha de S. Paulo" e agora dramaturgo. E assina o texto do espetáculo "O Homem da Tarja Preta", em cartaz em São Paulo, no qual retrata um homem casado e pai de duas filhas que, na madrugada, assume o papel de travesti em chats.
Calligaris assume que a peça chega a chocar. Mas diz que é sintoma da web hoje. "Esse foi um dos grandes efeitos civilizatórios da rede. Antes dela, um cara que tivesse uma fantasia desse tipo se sentiria um monstro que precisava de tratamento, pois julgava que só ele tinha isso. E mudou. Na internet, descobre que milhares de pessoas vivem as mesmas fantasias que ele, vê que não está só."
Diz o psicanalista que isso não é somente para fantasias sexuais. Vale para colecionadores de relógios antigos, quem gosta de botões, enfim, tudo o que pode fascinar um indivíduo e que ele deixa escondido por medo de não ser aceito. É justamente aí que entra a questão de o personagem no mundo virtual não ser um personagem, mas o mesmo indivíduo do mundo real.
Para Calligaris, o homem que se oferece na web como travesti para machões, na verdade, é tão real como o homem que é casado e pai de dois filhos. "Acontece que ninguém se mostra por inteiro para ninguém. Todo mundo tem diferentes facetas para certos momentos. Mesmo as esposas não sabem tudo de seus maridos", diz ele, depois usando o repórter como exemplo: "Você entrou aqui, se apresentou como Rodrigo, vi que tinha barba, cabelo estilo anos 60, mas não sei da sua vida, se pratica sexo no Ibirapuera à noite, por exemplo."
É para essas coisas que se escondem na personalidade, afirma, que a web entra de forma libertária, quando o sujeito encontra outras pessoas que compartilham traços. Nos e-mails que recebe pela sua coluna, por exemplo, Calligaris diz que alguns trazem ofensas, até com palavras de baixo calão. "Pessoalmente, o sujeito não diria isso. Mas na web se sente à vontade, pois já está acostumado com o espírito."
A mesma coisa pode ser notada nas celebridades que surgem na rede mundial, como a maior-cantora-do-último-mês, Susan Boyle, que apareceu em um programa de calouros do Reino Unido e recebeu milhões de visitas no YouTube. "Na rede, as pessoas colocam facetas que esconderiam. É o melhor lugar para mostrar o seu talento. Se não der em nada, não deu."
Da mesma forma como as ações, as relações que nascem na rede não são virtuais, defende. Mesmo com o mito de que se mente mais na rede quando se quer conhecer um parceiro ou amigos, o psicanalista defende que o comportamento é o mesmo do mundo real. "Quando se conhece alguém no mundo físico, é como um baile de máscaras. Você nunca sabe tudo. Mesmo fisicamente, as pessoas fazem cirurgias plásticas."
Para ele, o jogo de esconde e mostra da internet - tanto na personalidade como fisicamente - faz parte da "parte lúdica". "Há casais que se conhecem na web e se casam. E outras pessoas que não se conhecem fisicamente, mas mantém uma relação muito real. Não há distinção entre real e virtual."







http://br.tecnologia.yahoo.com/article/06052009/25/tecnologia-noticias-psicanalista-nega-distincao-vida.html

sexta-feira, 1 de maio de 2009

TARDE



Madrugada, ainda não existimos, apenas sentimos que algo novo e maravilhoso está para acontecer, mas ainda a visão é nublada, não se sabe bem que está por vir, tem-se medo... Muito medo... Mas ela vem...

AURORA, e tudo começa. Não preciso lhe falar dos pássaros que flutuando sob o céu dourado, nem do astro maior que reina no infinito com seus raios multicores colorindo o amanhecer. É dispensável lembrar-se do ar puro e o fresco bafejar do dia menino engatinhando nas suas primeiras horas de vida. Para que lembrar-te que a vida brotou linda e radiante naquele momento e nascemos, inocentes, puros, livres de todo pecado, sem medo, como a ave que desafiando o espaço rasga o céu rumo ao infinito.
INFINITO, essa palavra fazia sentido, foi nosso lema, e agora eu me pergunto por que todas as auroras têm que desaparecer?
Mas na aurora navegamos no azul, nos banhamos em suas águas, repousamos nas ilhas de nuvens, depois flutuamos até a terra virgem e comemos da terra, e se tínhamos que morrer, sonhávamos perecer juntos e ser eternas flores do jardim. Enlouquecemos (ou finalmente ficamos sãos?), e em nossa loucura o mundo nos pertencia, éramos seus senhores e únicos habitantes. Nada prometíamos, não havia leis, as regras seriam ditadas pelo sábio coração, e nossa lei maior era o amor, o amor. Éramos fortes, invencíveis, únicos, seres especiais unidos por uma magia incomum que emanava de nossas almas.

Por isso eu não contava com o entardecer.

Tarde, vem chegando e não tenho, não sinto forças para impedir sua chegada.
Tarde, e o sol, fraqueja, recusa a emitir sua luz, os pássaros fogem e se calam
Tarde, e nós pouco a pouco, somos estéreo, sombra, fantasma esquecido em um pesadelo jamais lembrado.

O entardecer se aproxima, meu coração bate enlouquecido, e, de repente pára. Quando percebo que fatalmente vai entardecer.
O entardecer, tento arrancar das grades da memória a ditosa aurora, mas ás horas, absortas as minhas dores avançam, tic, tac,tic, tac, impiedosamente, lentas, levando consigo todas as manhãs.
O entardecer, e já cansado, fecho os olhos, mas eles não dormem tudo perde a cor, e tudo se vai descolorindo.

A tarde chega e estou condenado a assistir impotente e inerte este terrível espetáculo onde, dois deuses se condenaram a morrer.

A tarde chega e não há palavras, nem poesia, esperança e utopia, nem mesmo a evocação das lembranças mais bonitas nos impedirá de entardecer.

A tarde chega e nós mudos, em silencio, paralisados, simplesmente contemplamos abestalhados o oceano e insensatez tragando o astro que um dia reinou supremo.

Chegou à tarde, e ela finda, até as lembranças se perdem, nos condenamos ao exílio. Chega à noite e esquecidos, acordamos sozinhos tentando encontrar no novo amanhecer, aquele fato tão raro da vida, a...
AURORA.

Mas tenho medo que nunca mais encontrar o alvorecer.


Adriano Cabral.