sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Memórias de Uma Outra Vida


- Eu te amo!
-Você sente isso agora?
-Sinto!
-Além de amor o que você sente neste instante?
-Sensação de liberdade! Ela esqueceu dizer que havia outra... Saudade, pois mesmo naquele momento quase sublime, onde aqueles amantes declararavam seu desejo e sentimento completamente despidos de quaisquer vestes do corpo ou da alma, ela sabia que estavam perto do fim. Contudo, se as palavras que saíam de sua boca ocultavam as que diziam seu coração, os olhos a denunciaram.
- O que você tem?
- Tenho medo! Muito medo! Ao ouvir isso ele fez uma pergunta, mas ele já sabia a verdadeira resposta.
- Do que você tem medo meu anjo?
- Medo de estragar tudo,sou muito imprevisível, acho que de repente posso por tudo a perder. Essas palavras foram ditas num tom melancólico onde as lágrimas se não se apresentaram completamente, se delinearam em seus olhos. Não foi por acaso que o rapaz começou a contar meias mentiras.
- Não tenha medo, você era imprevisível quando te conheci, agora você mudou, é uma pessoa melhor. Nós somos perfeitos juntos não?
- Sim, perfeitos!Disse ela num breve sorriso, verdade. Ele continuou a proferir as palavras certas, mas ele sabia que nos ouvidos errados, elas não se tornariam realidade.
- Pois bem, agora que você sente tudo isso, não acredito mais na Júlia imprevisível que opta por ser segunda opção, alternativa e sustentação de uma relação destroçada. Acho que finalmente você percebeu que há um mundo fora da caverna, um mundo cheio de desejo, afeto, luz e poesia. Ao ouvir isso ela assentiu mais triste ainda. Ele sorriu e a beijou, sabia que todo esforço era inútil, que mesmo as estrelas estão indelevelmente a caminho do crepúsculo.


Logo depois eles entoaram uma canção de amor, mas desta vez não foi apenas desejo que embalava aquela música, a melodia deles era a mais pura emoção gritada por suas peles, era ternura presente no olhar, nos beijos, nas carícias. Ela cantava seu nome sem cessar, como um refrão, numa voz que entoava um inexplicável tom de lascívia, amor e dor. Ele abraçava-a vigorosamente, como se quisesse impedir que escapasse de seus braços, ela dançava no mesmo ritmo e fincava as mãos e unhas em suas costas, nuca com tanta força que feria a carne que ela ansiava desesperadamente por não deixar. As respirações ofegantes juntamente com frêmito ranger da cama serviam como percussão.
Não eram apenas os corpos que se uniam, eram duas almas que se fundiam, mas ocultavam seus medos e desesperos, pois elas sabiam que poderia ser a última vez. E a derradeira nota veio com o clímax intenso, sofrido, canção da despedida. Pela última vez ela repetiu seu nome, e finalmente as lágrimas partiram para o vazio, mas ela fez de tudo para oculta-las, afinal, aquilo tudo deveria ter sido apenas um sonho.
Combinaram de não se encontrar no dia seguinte, afinal, nas duas últimas semanas tinham se visto todos os dias. Ele sabia que aquele dia seria decisivo para ambos. Ela tinha consciência do que era preciso para sobreviverem, no entanto, no dia seguinte, finalmente diante da decisão, ela preferiu não escolher, mas lá no fundo sabia que a resolução tinha sido tomada.


Da última vez que os amantes se encontraram ela tentou fingir que não sabia o que iria ocorrer e indagou o que estava acontecendo. Ele fingiu que não era nada demais e sorriu, pegou a mão dela e a sentiu tesa, tensa. Ninguém sairia impune ao assassinar dois belos amantes, pensou ele. Então ele a fez sentar em seu colo e relembrou sucintamente de tudo que passaram até ali, abraçou-a, e confessou-lhe que já sabia que era chegada à hora do fim. Ao ouvir isso, mesmo sabendo do que estava por vir, Júlia se sentiu surpreendida, lá no fundo acreditava que teria mais tempo, tentou ser hostil, não queria se desmanchar, não queria expor quão devastada estava diante daquela situação. Sentindo sua aflição ele voltou a falar de todo sentimento que tinha por ela, e que no final das contas, tudo foi uma questão de escolha, e desta vez, ela não coube a ele, e na omissão dela já havia um veredito, não seria mais possível que os dois amantes continuassem, não haveria condições de se criar novas história.
E no final da canção houve um beijo de despedida, sem brigas, sem dramas expostos, mas tão profundamente triste. Após o beijo veio um abraço tão forte.
-Você sente o mesmo que eu?
-Sinto
-A vontade de não mais lagar...
-Como sou burra, burra, burra! Chegamos tão perto...
-Eu sei, nós fomos perfeitos, nós demos certo.
-Ta bom, adeus! Até outra vida...

By-Adriano Cabral

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Falta


Era pra ser apenas algo cômodo, tranquilo, que pudesse me distrair na hora monótona ou me fazer sorrir na hora triste. Eu vivia repetindo que não queria nada sério, mas quem levar a sério essa história de controlar nosso querer não sabe nada dessa vida não, e eu definitivamente não sabia.
E agora sinto falta das coisas que esqueci
Sinto falta daquele par de brincos que se perderam no abismo existente entre o teu colchão e o chão.
Sinto falta dos meus óculos escuros de camelô que esqueci de propósito no porta luvas de seu carro e quebrou, ainda bem, pois sei que ainda está lá perdido, partido, esquecido, mas de alguma forma contigo, sem essa imensa dor.
Sinto falta de minhas sandálias quase sempre encardidas que eu prometia todo dia lavar, quantas promessas!
Sinto falta da minha chícara de café florida de três reais, das tantas vezes que na hora de partir lembrar sempre "de última hora" que ainda teríamos que comprar pão.
Sinto falta do teu colchão de espuma, dos lençois que pareciam se eternizar na cama, dos travesseiros disformes e macios, da tampa do baú que às vezes caía no frenesi das manhãs, tardes e noites quentes.
Sinto falta dos lugares mais variados que você encontrava para comer comida gostosa, de as vezes de improviso, a noite, ir a praia e mergulhar no mar de águas mornas.
Sinto tanta falta, que às vezes dou gargalhadas quando tomo o ônibus e ele se enterra num bueiro ou quando falo baixinho algo em qualquer ouvido.



Sinto falta de todos os poemas e textos lidos, daqueles que nem ainda foram escritos,
Dos presentes ainda não recebidos e de todas às vezes que não viajei contigo.

O fato é que sinto falta, e pensando em tudo isso, às vezes acho que sinto até mesmo falta de você.

by- Adriano Cabral

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Coração Denunciador


Karla estava a observar suas ações pelo computador, quando Maria lhe avisou:

- Senhora os convidados estão chegando. Ela resolveu descer a escada da mansão até chegar ao saguão que estava decorado ricamente para a festa que estava para acontecer. Centenas de convidados estavam presentes no salão principal e muitos ainda chegavam ininterruptamente com suas roupas e carros caros.
Karla Assunção De Menezes Cavalcanti costumava dar festas mensalmente dirigindo com mão de ferro às empregadas e invariavelmente insatisfeita com tudo. Não importava o motivo, Karla jamais pegava leve com a criadagem. Certa vez uma de suas empregadas pediu uma folga para visitar um filho que estava hospitalizado Karla lhe respondeu secamente:
- Você quer uma folga? Então vá embora, mas não volte nunca mais aqui.
- A senhora está me despedindo?
- Não, só não quero que você volte aqui se tirar sua folga, e também não lhe pagarei mais.
- Mas senhora eu tenho três filhos para cuidar sozinha e o que eu ganho já não é suficiente.
- Não ligo para isso, se você quiser uma folga pegue suas coisas e não volte nunca mais e, diga-se de passagem, não me dirija mais a palavra. Essa era a forma "carinhosa" da grande Karla tratar os subalternos.
      Seu dinheiro vinha principalmente de seus investimentos na bolsa de valores, principalmente jogava pesado em derivativos e mercado futuro. Com isso, nos últimos cinco anos ela chegou a triplicar o patrimônio.
      Não obstante a mansão estar lotada em todas as festas, Karla era uma mulher solitária. Sempre investiu na carreira, jamais tivera um romance longo, não teve filhos, e não tinha sequer um único parente direto morando num raio de mil quilômetros de sua residência. Restava-lhe a turba de bajuladores que a rodeavam simplesmente em razão de sua grande fortuna, contudo, secretamente, quase todos sentiam por ela algo entre desprezo e profundo ódio retido.
Até que um dia caiu a maior bomba do mercado financeiro: Um dos principais bancos de investimentos Norte-Americano quebrou e várias fortunas em todo mundo, num efeito cascata viraram pó. De repente Karla estava leiloando seus bens pessoais para pagar dívidas, e no instante seguinte gradativamente todos foram lhe virando as costas ou até zombando de sua situação. Em pouco tempo ela se viu morando num quarto e sala na zona pobre da cidade, agonizando, doente, sem que ninguém ao menos soubesse de sua situação. Enquanto agonizava Karla lembrava não do dinheiro perdido, mas da forma cruel que ela tratava os seres humanos a sua volta, principalmente os mais humildes. Mas para seu desespero, sua mente parecia se desmanchar gradativamente, como se suas memórias e tudo que ela fora um dia fosse pedaço por pedaço sendo deletada de sua mente, logo ela nem mais sabia quem ela era, seus membros foram tomados de paralisia e finalmente só restou-lhe as trevas. Neste dia Karla Assunção De Menezes Cavalcanti morrera de derrame cerebral sozinha em seu quarto, mas algo pulsante saltou pela boca dela e sobreviveu, seu coração. Este ao sentir-se exposto ao clima do mundo exterior e a claridade da noite de luar já sabia o que tinha que fazer: Fazer o máximo para consertar os erros de Karla. Fixado neste caminho o Coração fez concurso para ser fiscal do trabalho, passou em primeiro lugar e começou sua cruzada contra os desmandos dos poderosos. No sertão desbaratou várias quadrilhas de fazendeiros desonestos que mantinham trabalho escravo, pressionou e puniu várias empresas gigantescas que não respeitavam os direitos trabalhistas.

Em pouco tempo começou a ser manchete nos jornais e virou herói dos trabalhadores. Recebeu convites para ir às grandes festas da cidade e sempre ia só para certificar-se que cada empregado estava sendo tratado com dignidade e respeito aos seus direitos. De repente, nenhum riquinho tinha coragem de convidá-lo nem para um chá da tarde. O Coração além de fama ganhou um codinome: O Coração Denunciador.
Os colegas de trabalho do Coração se roíam de ciúme dele, seu chefe o transferiu para os mais recônditos lugares do estado, no entanto a opinião pública protestava e ele retornava mais forte, sem deixar de devassar e punir os maus patrões por onde quer que passasse. No entanto, certo dia um fiscal corruto envenenara a xícara que o Coração sempre usava para tomar o café de fim de tarde. Enquanto tomava seu cafezinho o Coração refletia que ainda haveria muito a fazer, no entanto de repente ele teve uma parada cardíaca e morreu. Houve uma comoção em todo país. No enterro compareceram incontáveis pessoas de todos os lugares lamentando e prestando homenagens ao grande herói. O seu assassino foi descoberto e preso, mas só foi condenado após três longos anos de processo.

 Nesta época o Coração ainda era lembrado de forma saudosa. Mas nem tudo são lágrimas, pois ao morrer, o coração brilhante e energizado com as ações bondosas retornou ao peito da pobre Karla que penava no purgatório, isso a purificou e a elevou entre os espíritos.

By- Adriano Cabral & Adriano Cabral Filho. (Inspirado numa redação escrita por Adriano Filho durante uma prova do sexto ano do ensino fundamental)