segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Um Amor Para Toda Vida (parte 2) - Morte e Vida


     
      Após a palestra fui direto ao aeroporto, a saudade da minha terra era imensa, ô ditado perfeito: Não há lugar melhor que o lar. Mesmo assim não me arrependo de ter passado meus últimos três anos na paulicéia desvairada, aprendi muito, tive tempo o suficiente para superar o  estressante divórcio com aquele ser nauseante e voltava pra casa revigorada. Antes de subir no avião liguei novamente para minha mãe, e de novo, estranhamente ninguém atendeu. Ainda bem que meu tio ligou-me hoje cedo dizendo que tava tudo bem e a mamy tava na casa da vovó que de teimosa nao tinha telefone. No final das contas a mãe era a única pessoa no mundo com quem tive uma recíproca história de amor. Não, não me julguem, naqueles tempos o conto de fadas nunca vivido era algo que trabalhei bastante para esquecer. Laborei tão bem que realmente acreditava que tudo aquilo era nada... ou quase nada, afinal, já estava com 25 anos e um divórcio nas costas e a vida adulta para viver. Adeus sonhos de criança.
      Cheguei ao prédio da minha avó no final da tarde,  ainda estava subindo lentamente as escadas dirigindo-me ao segundo andar e no caminho deparei-me com minha amiga de infância Mirela que assustou-me ao abraçar-me fortemente. Olhei-a espantada e ela faou com toda formalidade de praxe: meus pêsames. Naquele instante foi como se um raio fritasse meu cérebro, minha nuca, porque você ta falando isso, balbuciei já imaginando a resposta. Você não sabe? Sua mãe faleceu. Respirei fundo e de repente o ar começou a faltar-me, fiquei hirta como um cadáver, abri os olhos ao máximo mas não via nada na minha frente, comecei a despencar e tudo ficou escuro...
      O teto branco começou a aparecer e pouco a pouco fui recobrando os sentidos. Meu corpo estava pesado e as pálpebras tinham dificuldades de manter-se erguidas. Percebi que estava numa cama, o quarto era familiar, mas não sabia onde estava. Tentei levantar-me mas estava muito zonza, lembrei-me da cena com Mirela e da suposta queda nas escadas e pensei que provavelmente aquilo teria sido um sonho, afinal, não obstante sonolência não estava ferida, logo não tinha caído e minha mãe estava viva. Uma voz grave e suave disse: calma Estrelinha. Meus olhos seguiram o som  e de repente notei que no canto do quarto um homem me olhava, seu rosto aos poucos foi se formando através de minha visão ainda embaçada, meus nervos começaram a entrar em ebulição quando seu rosto ficou nítido, havia um grande pesar em sua face, uma mistura de tristeza e piedade. Ele veio até a borda da cama e segurou minha mão. Gelei ao mesmo tempo que meus olhos formaram uma grande tormenta de lágrimas, e entre soluços e gemidos ele me abraçou. Eu chorava pela minha mãe, a única pessoa que amei e fui amada, eu chorava porque jamais iria vê-la, sentir seu cheiro, receber seus abraços e suas queixas, e ouvir sua risada gostosa.

Chorei mais dolorosamente porque um sentimento que tinha certeza que estava morto ressuscitava de forma lancinante e insana, naquele mesmo instante, com toda dor da saudade, das tempestades outrora vividas, das desesperadas tentativas frustradas de viver de forma diferente, da mágoa de nunca ter sido sequer notada. Foi naquele instante que minhas lágrimas foram sufocadas por um beijo, intenso, longo, sofrido, supremo, plangente, cheio de culpa, desejo, desespero, pesar, gáudio, horror, cheio de amor. Sim, no dia que o amor morreu ele surgiu como um monstro de luz e desejo. Foi neste dia que Davi deu-me o primeiro beijo, logo em seguida deitei novamente estava em completo torpor, segurando a mão dele desfaleci.
      Quando despertei já era manhã e dona Adelaide assomou à porta chamando-me de filha e explicando que não precisava preocupar-me com a minha avó. Logo soube que ela havia sido socorrida durante o enterro de minha mãe e estava hospitalizada sob efeito de sedativos. Fora desejo de minha mãe que eu não fosse informada da sua morte, queria poupar-me para não estragar meu grande momento em São Paulo. O enterro havia sido na manhã de ontem, Davi quem se responsabilizou de tudo, ele estava de férias e passava uns dias com a mãe enquanto sua esposa estava em missões evangélicas no norte do país e só retornaria em 15 dias. Ao ouvir a menção da esposa dele senti um calafrio na espinha. Eu não tinha ninguém na cidade, minha mãe morta,  minha avó no hospital. Dona Adelaide insistiu para que eu ficasse hospedada na casa dela até quando fosse necessário. Não tive muitas forças para recusar. 
      Quando Dona Adelaide saíu do quarto recomecei a planger, desta vez contida e silenciosamente. Vários sentimentos guerreavam dentro de mim, a dor da perda, o medo pela minha avó, a saudade, a culpa de ter beijado um homem casado e ao imaginar que nos próximos 15 dias ele estaria ali a sós comigo, fiquei horrorizada comigo mesmo pois no meio das lágrimas...
Sorri.
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by-Adriano Cabral

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um Amor Para Toda Vida (parte 1)


      Toda história de amor tem um início e a minha começa com que seria o mais terrível tombo do mundo. Calma, explico, lá estava eu aos 9 anos correndo como um foguete em direção a sala de aula para pegar minha bolsa, tinha acabado a aula de judô, ainda estava de quimono, quando tropecei na escada, estava em queda livre, de costas, provavelmente morreria com o tombo, no entanto alguém impediu fatídico deslance.
-Bem que tinha lido no horóscopo  que havia grandes chances de encontrar meu grande amor, mas não esperava que ela cairia direto em meus braços.
- Brigada moço. Falei no misto de encanto, vergonha e ainda tomada da adrenalina da quase queda. Estava suja, suada e completamente descabelada em razão do judô. 
- Não há o que agradecer, não é todo dia que cai-me nos braços belíssimas garotas, mesmo que venham em miniatura, qual seu nome meu anjo?
-Ester
-Então é muito mais que anjo, é uma estrela, como é pequena serás a estrelinha.
E lá estava ele pela primeira vez falando comigo, indagou-me pelo irmão dele que estudava na minha turma de nome Flávio. Logo ele foi me informando que tinha ido lá falar com a diretora em razão das baixas notas do irmão. Veio no lugar da mãe que não podia vir, não sabia mais o que fazer pois também não tinha tanto tempo para ensinar ao irmãozinho. Diante do meu olhar prescrutador ele riu  falando:
- Sério, sou irmão dele, não sou tão velho, tenho apenas 22 anos.
-Quer dizer que você queria que Flávio estudasse mais?
-Sim, claro.
- Eu posso te ajudar se você me levar pra sua casa nos finais de semana, adoro o conjunto habitacional que vocês moram. A gente estuda e brinca e todos ficam felizes. Nem precisa fazer essa cara, meus pais deixarão.
- Fechado Estrelinha
-Seu nome?
-Davi.
      E a melhor parte da minha vida dos 9 aos 13 anos era ir nos finais de semana estudar com o chato do Flávio. Davi sempre ia e trazía-me de volta, neste intervalo falava comigo sem parar, na verdade monologava, pois calada quase sempre eu estava contudo meu sorriso ficava praticamente cravado em minha face. Pra que falar e interromper o som daquela voz que ,não obstante ser grave e forte, sempre falava coisas divertidas e interessantes. Muitas vezes na companhia do Flávio íamos tomar sorvete ou passear no parque. Mas não há felicidade que dure pra sempre e Flávio mudou de escola. Confesso que naquela época não tinha processado ainda o que se passava comigo, mas aos 14 anos tornei-me uma adolescente bastante mal humorada e triste. Para minha sorte minha avó tornou-se vizinha de Davi e ao menos uma vez por mês arranjava uma desculpa pra ao menos dar um olá. Para piorar naquele mesmo ano vi Davi aos beijos com uma mulher, foi como se tivesse tombado, não de uma escada mas sim de um grande abismo, não podia acreditar naquilo, corri para casa da minha avó e minhas órbitas explodiram numa chuva de raiva e tristeza. Foi aí que percebi que o amava e precisava tê-lo comigo a qualquer custo.
      Nos anos que se seguiram fiz o projeto 18, imaginei que ao ficar adulta, poderia mostrar pra ele que não era mais aquela garotinha. Portanto, as visitas foram se tornando mais raras a fim que ele fosse esquecendo que um dia eu fora a pequenina que tomou nos braços. Não deixei de visitá-lo, mas em intervalos bem maiores. Meu intuito era que o tempo passasse e um dia ele me visse pensasse: Uau! Quando você se tornou essa linda mulher! Sempre trocávamos cartas, sim naquela época ainda se escrevia essas coisas, nelas ele me falava com entusiasmo do mestrado em história e de sua formação em teologia, queria ser pastor, enquanto eu falava de toda minha vidinha e de como ela era mais legal desde que o conheci (risos). Assim mesmo longe não deixava ele me esquecer nunca. Um mês após completar 18 fui na casa dele. Já fazia seis meses que não nos víamos e um mês sem cartas. Cada toque da campainha meu coração saltava no vestido apertado, que demora pra atenderem.
-Boa tarde senhora Adelaide, como vai! Tudo bem? Que ótimo! O Davi não está? Onde? O que? Casou?.
Sim, o inesperado aconteceu. E lá estava eu caindo novamente, mas desta vez não se tratava de um mero abismo sem fim que até então eu singrava, era o próprio inferno que se abria e devorava minha alma. Depois não me recordo muito bem o que aconteceu, só sei que ao voltar pra casa tinha certeza que minha vida acabaria naquele dia. Mas sobrevivi, os dias se passaram, as noites também, e mesmo que desde então tenha vivido como um zumbi, a vida seguiu adiante. Acabei aceitando uma proposta de namoro na falta de algo melhor pra fazer e em poucos anos fiquei noiva. O nome dele era André, professor de educação física de uma academia simplesmente me idolatrava. Seu ânimo e sua dedicação me entusiasmava mais do que qualquer coisa. A dor da perda do meu amor de infância ainda estava lá, mas eu tinha que seguir em frente pois naqueles tempos escuros não acreditava que haveria mais chances de cair de novo nos braços do Davi. No entanto, o futuro, companheiro da surpresa e amigo do passado  das pessoas apaixonadas nos pregou uma peça e acabei de forma inesperada estreitada carinhosamente nos braços de Davi. Mas isso será contado na outra história.

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by- Adriano Cabral

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A PRECE

     
      Jessé tinha saído da igreja definitivamente impressionado. Toda aquela história do retorno de alguém que jamais poderia voltar lhe pertubou. Era um misto de medo, ânsia, terror, espanto e felicidade. Afinal, era o milagre supremo, só menos importante que a volta do nosso Senhor. Era o que repetia o pastor Ezequiel em altos brados seguidos de améns e glórias.  Indagada pelo garoto, a mãe de Jessé disse que o poder da oração é infinito, pois ela emana do próprio Deus onipotente. Aos onze anos, órfão de pai, Jessé vivia agora em uma cidade estranha, sem parentes e amigos, a mãe aceitou logo a promoção para mudar de ares e esquecer a dor, no entanto, mesmo nessa solidão à dois, pela primeira vez após a morte de seu pai ele não tinha mais medo do fim, pois agora ele sabia o poder da prece.
       Desde que começou a viver sozinho com sua mãe Jessé costumava dormir com ela na enorme cama de casal, sempre enlaçados. Naquela segunda-feira ele acordou num salto, ainda sentia muito frio, não conseguia entender porque daquela sensação logo no momento que a cidade estava tão quente. Olhou o relógio e percebeu que faltavam apenas quinze minutos para chegada do transporte escolar. Aluno dileto e aplicado, comeu e se vestiiu velozmente, notou que sua mãe ainda estava inerte na cama, ela tinha direito, afinal era seu primeiro dia de férias. Deu-lhe um leve beijo na tez muito pálida e saíu. Ao retonrar da escola entrou na casa animado chamando pela mãe. Silêncio. Procurou em quase todos os cômodos da casa e nada. Deve ter saído para comprar algo, refletiu. A mãe lhe ensinara a "se virar", afinal, agora eram apenas eles dois. Pegou uma pizza e esquentou no microondas. Vou comer na cama vendo Tv, afinal a mamãe não está aqui. Entrou no quarto ainda escuro devido as janelas e cortinas fechadas, ligou a tv e sentou na cama, de súbita uma corrente elétrica percorreu-lhe todo corpo, ele saltou assustado derrubando toda comida no chão, ligou a lâmpada e para sua surpresa percebeu que sua mãe ainda estava lá. Sacudiu-a não obtendo nenhuma resposta, sua mão sentiu o mesma sensação gélida que tivera toda noite. Saculejou deseperdamente sua mãe que mais parecia feita de pedra, pôs o ouvido em suas narinas, no coração: nada.
      No dia seguinte foi pra escola como todos os dias. Quem o conhecesse, no máximo perceberia que Jessé estava mais do que nunca concentrado em algo, não raro olhando para o céu, noutras vezes com os olhos cerrados, em silêncio, enquanto seus lábios repetiam como uma metralhadora frases inaudíveis. Ao chegar em casa não procurou sua mãe, imaginou muito bem onde ela estaria. Foi ver Tv na sala, fez as tarefas, brincou com as crianças do prédio e à noite deitou-se como sempre fazia. Não dormiu logo, orou durante horas até não resistir ao sono finito. Ao acordar estava ensopado de algo nauseabundo, esverdeado e vermelho.  Não se desesperou, isso só reforçou sua necessidade de proferir com mais fervor aquelas palavras silenciosas que desde o dia anterior repetia. No banheiro, olhou-se no espelho, estava sujo e com olheiras, lembrou do rosto de sua mãe, não resistiu, chorou. Pouco tempo depois estava na escola fazendo tudo que se exigiria de uma criança de onze anos.
      Ao retornar da escola e repetir a rotina do dia anterior  finalmente entrou no quarto e o odor era insuportável, mas ele tinha fé, não poderia deixá-la só. A cama estava encharcada de líquidos e sua mãe parecia três vezes mais obesa, aquela visão grotesca o fez titubear por um instante. Mas lembrou das palavras da própria mãe, e entre lágrimas recomeçou a orar até adormecer exausto.
      Nos dois dias que se seguiram Jessé não foi à escola. Ligaram várias vezes para sua residência e ninguém atendia. Preocupada sobremaneira com o novo aluno predileto, Jéssica foi com o namorado fazer uma vistinha "social" ao garoto já que o seu amado morava no mesmo prédio do menino. Ao tocar a campainha ninguém atendeu a porta, não obstante várias luzes do apartamento estarem acesas. O namorado da professora de matemática percebeu que a porta da frente estava entreaberta. Resolveram entrar chamando pelo nome do garoto e da mãe alternadamente, silêncio. Enquanto caminhavam pelo extensa sala começaram a distinguir uma voz de criança, rouca, que repetia palavras àquela distância sem sentido, seguiram à voz até uma porta, abriram e encontraram Jessé banhado de sangue, urina e fezes abraçado a mãe morta em posição fetal, mãos juntas implorando à Deus...

By- Adriano Cabral