sexta-feira, 24 de junho de 2011

Uma Noite de Plantão Médico



      Havia mais ou menos um ano que estava formado em medicina pela Universidade Estadual da minha cidade, não obstante esta fazendo residência médica em Gastroentorologia, a falta de grana e experiência me "inspiravam" a fazer plantões nas horas vagas. Não tive muita sorte no início, pois fui "dispensado" de um hospital porque não queria fazer plantões de "200" horas sem nenhum "custo" extra para o patrão. Fui em seguida "despedido" de um hospital particular vinculado ao Sistema Público de Saúde por me recusar a "simular" internações para gerar renda extra (Vocês viram na TV que isso pode até dar cadeia). Finalmente acabei me dando bem num hospital localizado numa cidade do interior por indicação de meu amigo Rodolfo. Ao contrário dos hospitais gerais das capitais ou de seriados de tevê, os plantões em hospital de interior é um tédio só, em regra passamos a noite dormindo. Mas não foi assim neste dia que estávamos apenas eu e Rodolfo na preguiçosa noite de 31 de dezembro de algum ano que já não lembro mais. Estava eu sonhando com alguma enfermeira mais que gata quando ouço o som da porta bater. Era a enfermeira, mais que tenebrosa, seus rosto era tão perfeito que ela poderia estrelar um filme de terror dispensando os efeitos de maquiagem.

- Doutor Rocha!
-Que foi droga! Não vê que estou dormindo!
-Apareceu uma mulher nervosa dizendo que o filho ta morrendo...

      Filho morrendo, lá vai eu, enquanto o urso do Rodolfo continuava a ressonar como uma chaminé de trem. Quando estou prestes a entrar na sala do consultório um foguete em forma de criança passa por mim, ignoro, entro e sentada na cadeira há uma mulher de olhar docemente bovino.
- Senhora, qual o problema do seu filho!
-Ele tá mau doutor, muito mal, estou desesperada. Enquanto falava ás lágrimas escorriam de sua face cheia de rugas. Olhei derredor procurando o menino, imaginei que o mesmo estaria provavelmente agonizando em algum leito da enfermaria, para ter certeza indaguei onde estava a pobre criança. Como geralmente quando o diabo vem manda o secretário, no mesmo instante que pensei na pergunta a resposta entrou no consultório derrubando tudo que estava na minha escrivaninha, saltitante e feliz estava lá o mesmo foguetinho que encontrei antes de adentrar a porta. Um pirralho loiro, cabelos em pé, suor escorrendo, e sorriso triunfante.
-Este é seu filho que tá morrendo?
-Sim doutor ele melhorou um pouquinho né? Mas precisa de remédio.

      Uma das coisas que qualquer médico plantonista sabe é que todos os pacientes atendidos precisam de um remédio, não importa se estão doentes ou não. Lembrei do sonho com a bela enfermeira, lembrei que ele foi interrompido por causa daquele diabinho e da mãe boboca, respirei fundo, afinal, eu era o médico né?
- Tome essas amostras de vitamina C, dê muito líquido e repouso.
      Retornei a minha sala de repouso, a cama ainda estava lá, quente, convidativa, insinuante como toda boa amante deve ser, entreguei-me aos seus braços e quando embalado por Morfeus estava de novo deleitando-me nos suaves sonhos, acordo com a maldita enfermeira de novo. Não pude suportar o impulso e gritei:
-Que foi agora mulher!? Com a voz trêmula ela disse-me que havia uma senhora idosa a ser atendida, parecia estar sofrendo de grande mal estar. Mandei-a chamar o Rodolfo, logo ela respondeu que o Dr. Ribeiro parece que está sedado, já fazia quase dez minutos que tentava acordá-lo, então, só restava eu mesmo. Fui bufando de raiva para o consultório, entrei e deparei-me com uma velha índia, ao sentar eu sorri com toda boa vontade de uma modelo internacional (aquele tipo de bicho que vive passando fome e sorri como uma caveira sabe?).
- Boa noite, o que a senhora esta sentindo? A resposta veio no momento em que ela abriu a boca, um hálito fétido de esgoto de quem ainda não conheceu a idade da escovação de dentes estava misturado com um nauseabundo odor de cachaça.
-São meus nerlvos doutor, eles não me deixam em paz. Me passe um remédio pra acalmar meus nerlvos, porque meu dinheiro já acabou.
-Minha senhora, com todo respeito, seu problema não são os nervos, e sim essa cana que a senhora enfia goela abaixo. Tome esse remédio para atenuar a ressaca e apenas tente beber menos.
Logo em seguida fui bufando de raiva para o repouso, adverti a enfermeira que só chamasse-nos se realmente houve uma urgência. Ela parecia sorrir. Dormi um sono sem sonhos que foi interrompido por Rodolfo me sacudindo, alegando que era "minha vez de atender" e que se tratava de um paciente com problemas hepáticos. Mandei-o para lugares inapropriados e voltei ao mundo do sono sem sonhos. Pouco tempo depois lá está novamente a maldita enfermeira com cara de tacho na minha frente.
-Que foi agora?
-Doutor, o paciente com problemas hepáticos morreu. Ao ouvir isso tremi de raiva.
-E o que eu tenho a ver com isso? Tenho lá cara de coveiro?! Morreu, pronto, nada mais se pode fazer.

 A enfermeira continuou firme, e acrescentou que era verdade, mas não tinha mais ninguém no hospital além de mim, Rodolfo e seu João o zelador e havia necessidade de levar o corpo para o necrotério, pois os outros pacientes estavam incomodados na enfermaria, além de se ter que deixar um leito livre. Pensei em mandá-la se virar com seu João, mas logo lembrei que o velho parecia ter uns duzentos anos, mal conseguia com ele mesmo. Acordei Rodolfo aos tapas e fomos para enfermaria. A visão do morto não era nada bonita. Tratava-se de um homem de cerca de 1.90 que além de gordo como um elefante estava aparentado com uma baleia em razão da doença que o deixou completamente inchado. Durante alguns minutos eu e meu colega tentamos em vão rolar o inconveniente falecido do leito para maca, contudo só Hércules seria capaz de tal feito, provavelmente mais difícil que todos os doze trabalhos juntos. Já eram três e meia da madrugada, suados e com sono, não tivemos alternativa senão acordar os pacientes melhorzinhos para ajudar-nos na titânica tarefa. Conseguimos ao todo seis. Mesmo assim não conseguíamos mover o bendito, até que um dos pacientes teve a idéia genial de subir no leito e fazer uma alavanca, funcionou, mas o pé dele afundou no espaço entre o colchão e paciente e morto giraram juntos caindo, não diretamente no chão, pois Rodolfo amorteceu a queda do defunto que caiu abraçadinho com meu amigo. Por um instante, entre os gemidos do paciente e do Rodolfo acompanhado da forma descansada e tranqüila do morto, passou pela minha cabeça que se trataria de uma tenebrosa cena erótica...
Mas logo acordei desse pensamento e com a ajuda de mais quatro pacientes conseguimos finalmente por a baleia em forma humana na maca. Já eram quatro da manhã, fomos felizes, corredor adentro empurrando a maca, que fazia um rangido sinistro sofrendo deveras com o peso, em direção ao necrotério. Foi quando há menos de dois metros do destino ouviu-se um estalido e o pior aconteceu: O pé da maca quebrou. E lá gastamos quase quarenta minutos para "consertar" a maca. Chegando ao necrotério foi fácil, até porque as macas são feitas na mesma altura da pedra onde são depositados os cadáveres do hospital, logo, bastou um empurrão e o corpo foi rolando, tranqüilo. Fim.
Eu e Rodolfo retornamos para o repouso trôpegos, exalando perfume funéreo, suados, mas felizes com o deve cumprido. Tomado banho, fomos dormir, eram cinco e meia da manhã, mal dormimos, por instinto resolvi abrir os olhos. E lá estava de novo diante de mim a entediante enfermeira, ela falou monotamente que a paciente do leito 17 estava em trabalho de parto. E lá fomos eu e Rodolfo ajudar a por mais um infeliz no mundo.


Enquanto o bebê saía num turbilhão de vômitos, fezes, sangue e toda sorte de líquidos multicores tive tempo de filosofar sobre o gorducho que se fora deste mundo e do magrelinho que acabava de nascer. Depois pensei que a enfermeira dos meus sonhos ainda estaria esperando por mim quando conseguisse dormir.

E este foi apenas mais um dia de plantão médico.

By- Adriano Cabral - (Inspirados em fatos reais)

domingo, 12 de junho de 2011

E Por Falar em Namorados - Parte 2


PS: Antes de começar a ler este texto leia a parte 1 clicando aqui


ROSA

Ao chegar em casa só restou a Rosana enfiar os rosto no travesseiro que logo ficou encharcado. Sufocava os sons de uma dor que explodia. Ela não queria ficar assim, mas como evitar, como não sentir? Como não se desesperar ao se conscientizar que até aquela altura de sua existência ela simplesmente se deixou usar por aqueles que a desprezavam e jogara até então toda sua vida fora, e sua vida, era o Leo.
Já eram quase cinco da manhã quando ela se ergueu da cama ao lembrar da carta que Leonardo havia lhe entregue. Começou a ler:

Rosinha:

Estamos juntos há tanto tempo que eu não consigo recordar uma lembrança na minha vida sem que você esteja presente. Não tenho mais nada no meu baú de memórias, nada que não seja de nós dois. É como se minha vida tivesse começado quando te conheci. E acho que foi isso... Eu me tornei um homem ou quase isso, quando provei dos teus beijos e de teus carinhos. Eu ainda não consigo imaginar como será minha vida daqui pra frente sem você, sem sua palavra, sua energia, sua personalidade, sua incrível capacidade de tomar decisões com rapidez e precisão. Sua pele macia, seus seios, sua língua, sua boca seu sexo. Olha, você é a mulher que qualquer homem em sua sã consciência gostaria de ter para si. O problema é que acho que mesmo gostando muito mesmo de você, creio que não dá mais para ficarmos juntos. O problema não é você, nem nunca foi, o problema sou eu. Acho que nunca vou sentir-me completo contigo. Na verdade tenho certeza que nunca vou ser completo com nenhuma mulher, entende? É isso aí. É exatamente o que você esta compreendendo. É coisa que tenho dentro de mim desde criança. Sempre diferente dos outros meninos. Sempre achando-os mais bonitos que elas... Porque só agora que estou me abrindo com você? Sinto vergonha de dizer, mas até o mês passado, eu nunca tinha tido nada concreto entende? Foi então que o Stênio, é isso... O Stênio... Você sabe né, aquele lá do meu bairro, o que faz Odontologia... Aconteceu Rosinha, Aconteceu... Nós. Então foi quando eu percebi que eu e você tínhamos chegado ao fim. Eu não poderia esconder isso de você de jeito nenhum, e sei muito bem que você não me perdoaria. Nem eu mesmo me perdôo. E mais estranho e trágico disso tudo é que ainda te amo, sabe, olho pra mim, bem dentro, e você tá lá, sempre estará, é parte de mim, não sai mais, e isso é triste. Ainda assim gostaria de ficar contigo mas sei que é o fim.

É isso.
Te amo e sempre te amei...
Leonardo.

      Rosa não conseguia acreditar no que estava lendo, era impossível que realmente aquilo houvesse acontecido, mas ela sabia, era verdade, a triste e dolorosa verdade. Ela se olhou no espelho como se visse uma estranha. O que era ela? Que coisa era ela? As lágrimas foram abundantes. Rosa nunca vira uma pessoa chorar tanto e tão dolorosamente em toda a sua vida. A dor explodiu num ódio que a fez quebrar o espelho com as próprias mãos e derrubar todas as coisas que estavam próximas a ela. Nisso, ela percebeu que derrubara o Leozinho, um bicho de pelúcia pequeno que ela recebera dele com outro enorme, no aniversário de primeiro ano de namoro. Ao vê-lo cair, ela soluçou repetidas vezes Não! Não! Não! e tomou o bichinho nos braços como se assim pudesse salvá-lo. Em seguida ficou um longo tempo a sós com as lágrimas e o espelho quebrado...

(........)
Leo estava estupefacto com o que acabara de ler. Era fatal, era real, era isso mesmo, era aquilo mesmo. Ele não tinha palavras para si. Sabia não haver consolo, seria uma maldição? Só tristeza. Era uma Rosa para ser regada e amada com toda a força, mas que força tinha ele? Nenhuma. Como poderia odiá-la, condená-la?
A dor era tamanha que ele não conseguia chorar. A madrugada cedia aos primeiros, mas ainda tímidos raios de sol. É o mais comum e belo momento de mudança, de triste e bela transição, da morte e vida de mãos dadas. Era a aurora se aproximando, pedindo licença as outras estrelas, era o sol tomando de volta seu lugar, sabendo muito bem que morreria ao final do dia. E atrás de cada dia quantos mundos surgiram? Quantas vidas se perderam? Quantos casais se amaram e se odiaram? O tempo passava, e ele não tinha como fazê-lo parar, e mais importante ainda, fazê-lo voltar. A marcha do tempo era inexorável, e impiedoso também era o caminhar para o fim. Não havia qualquer diferença o fato daquele dia ser o dos namorados.
Leo olhava a janela vendo o tímido movimento das ruas, buscando em cada pessoa o socorro, o auxílio, qualquer tábua que o salvasse da desgraça que estava se transformando sua vida. Seu olhar desesperado nada adiantava, ele sabia que era inútil, era só mais um sofrimento, mais uma dor que surgiu em mais um dia, após mais uma noite, no meio da multidão. Ao longe, Leo escutou aquela música, sim, aquela música, a música deles, que falava de um lugar ideal onde eles seriam eternos. Ao soar da doce melodia ele perdeu as forças e caiu de joelhos pondo em seguida as mãos na cabeça. A outrora doce melodia agora feria-lhe mortalmente a alma que se debatia ansiosa para fugir, e retornar ao seu lugar no etério. Um pombo branco em toda sua majestade e placidez vôou por sua janela zombando daquele desditado.
Leo Permaneceu lá por um longo tempo. Tinha certeza que nunca mais veria a sua Rosinha. Não suportou a solidão de seu quarto, tinha que sair, eram quatro e meia da manhã, mas ele tinha que sair. Foi sem destino. Ainda brilhavam, pálidas, algumas estrelas no céu.
Ele quase que por instinto se viu de frente a lanchonete na qual a pouco tinha selado sua desgraça. Não pensou, entrou por instinto, talvez para sentir de alguma forma a presença daquele ser que ele ainda amava. Gelou, ao perceber que ela também estava ali, com os olhos em escarlate, jamais a vira naquele estado. Tão frágil. Sentiu medo. Ela que estava de cabeça baixa pareceu pressentir a chegada do seu ex noivo. Mesmo assim, ao vê-lo, foi tomada de terror, e como defesa deixou transformar os olhos apavorados em aparente ódio, ódio vindo do desespero em só imaginar o que ela poderia vir a escutar dele. Não! Jamais tinha sido maltratada por seu Leo, jamais seria humilhada, já bastava tanta dor.
Suas pernas trepidavam, mas ele seguiu em frente, sentou na mesma mesa em que ela estava. Mesa aquela onde, ao lado, estava um rapaz escutando rapp, mesa onde há algumas horas eles haviam trocados aquelas fatídicas sentenças de morte disfarçadas de cartas.

     Ambos esperavam uma explosão de acusações, de insultos mútuos, de despeito e amargura. Rosinha e até mesmo o sempre plácido Leo estavam munidos de todas as armas necessárias para enfrentar o inimigo. A indiferença, o desprezo, a dureza do diálogo, o silêncio. As quatro mãos tremiam. Quem daria a primeira estocada? Quem feriria a alma primeiro? Tudo isso era necessário, para eles terem a coragem de fugir.
O terror da provável humilhação fazia com que ambos esquecessem as próprias culpas e só lembrarem o fato de serem vítimas. Quando o combate parecia ser iminente, de súbito aquele rapaz caracterizado de rapper aumentou o som de seu poderoso rádio. E através dele, ninguém soube até hoje de onde, em alguma estação de rádio, naquele exato momento, sem que nunca se soubesse o motivo, um Disque Jókei resolveu colocar uma música que não estava na programação daquele tipo de estação, e a música partiu, invisível, caminhando entre milhões de ondas, ora ricocheteando no excesso de tráfico, ora voando livre, mas indômita, até chegar, após quilômetros de distância, limpa e nítida no rádio do rapaz e se fez voz, e ainda sem nenhuma razão aparente, naquele exato momento, aquele garoto que parecia só gostar de Rapp não achou mal a canção e resolveu aumentar o volume até o máximo. E aquela canção não era um rapp duro, agressivo e rebelde, e sim uma canção de amor, não uma qualquer, mas A canção de amor, A música. A música que fora feita tão somente para Leo e Rosinha e com certeza, o compositor nunca saberá disso.


      Naquele exato momento houve uma explosão de dois seres, mas não de ódio, mas de lágrimas. O rapaz olhou aquele casal a chorar, e mesmo sem compreender o que se passava naquele quadro não o impediu de conter duas lágrimas fugidias que escaparam-lhe das pálpebras traidoras. E as muralhas caíram, os escudos se partiram, as espadas sumiram, os corações se enterneceram, quatro mãos se tocaram, as almas se fundiram, e só elas ditavam o ritmo daquela chuva de dor e amor. E para surpresa de todos, houve um beijo, não qualquer beijo, mas um beijo e um laço, um pacto, um uno, um. E neste beijo eles encontraram algo maior que o gosto e a carne, do que a mente e o sonho, eles sentiram pela primeira vez de verdade que existia de fato uma quimera, mas forte que tudo, mas poderoso do que a morte, que o preconceito, que o orgulho, que o medo. Amor.

Afinal, era dia dos namorados.

By- Adriano Cabral - 1998

quarta-feira, 8 de junho de 2011

E Por Falar em Namorados - Parte 1




Madrugada do dia dos namorados:

-Eu quero há muito tempo te dizer uma coisa muito importante meu amor...
-O que? Fala logo! Estou com os nervos em frangalhos. Você vem, telefona, me acorda a esta hora da madrugada, me força a vir para esta lanchonete idiota e agora fica mudo? Enlouqueceu de vez Leonardo?
-É que... é que... é que...
-É que... uma porra! Enlouqueceu de vez Leo? Só sabe gaguejar, só isso, você só sabe gaguejar?
-É que... Rosa, eu sou... eu sou...
-Ai! Ai! Porque? Porque? Porque? Tanto homem normal no mundo, tanta gente com a cabeça o lugar, e o que fui arrumar como namorado? Um débil mental. (para de repente, hesita e diz). Sabia que eu também tenho uma coisa para te dizer Leo...
-Ah! Então fala você primeiro, fala o que tu queres depois eu, tudo certo?
-Ah não! Quem tem o direito e o dever de falar primeiro é você. Tá pensando que eu sou besta é Leo? Quer me confundir? Diz logo o que você tem pra me dizer, depois eu te falo tudo.
-Me diz ao menos do que se trata, qual é o tema do que você vai falar Rosa...
-Não digo.
-Fala...
-Não.
-Uma pista, só uma pistinha só vai...
-Não digo não Leo, ora merda! Você é quem tem que falar, foi VOCÊ quem me acordou a esta hora da madrugada.
-Ah é né? Então só eu quem tem dificuldades de falar né? Só eu né?
-Ah meu filho! Comigo é diferente, não tem nada a ver, eu só não falo para não perder o meu direito, sei bem os meus direitos. Ora, se foi você quem me chamou é você quem vai ter que falar...
-Olha, eu não vou falar nada...
-O que? Seu canalha! Seu safado! Você me acorda às três da manhã para me dizer que não vai falar nada?
-É... quer dizer... não... quer dizer... sim... tá aqui olha... tá tudo aqui... escrito neste papel... toma, pode ler.... agora me diz o que você tem para dizer...
-Eu?
-Claro que é você... não tem mais ninguém aqui falando comigo além de você... vai Rosana fala logo... agora quem esta no direito sou eu, fala.
-É que.. é que...
-Oh ironias do mundo!
-Tá bom eu digo.. eu digo... é que... eu...
-Como o mundo dá voltas né Rosa?
-Tá bom... tá tudo escrito aqui... toma...
-Isso tudo?
-O que é? Vai ter preguiça de ler até isso agora é Leo? Epa não lê agora não... só depois...
-Opa! Você também só lê quando chegar em casa...
-Tá, tá, tá tudo bem, então vamos né?

O dois namorados olharam uma para outro e ficaram em silêncio. Ambos constrangidos e intimidados. Como se sete anos de namoro não permitisse mais do que aquele olhar quase fugidio. Em silêncio se foram.

LEONARDO

Estava ansioso para chegar em casa. Antes mesmo de trocar de roupa reuniu às páginas que Rosa havia lhe entregue. Devorou-as em poucos minutos. Releu várias vezes. As páginas diziam de forma sintética mais ou menos assim:

Leozinho:

Porra, fico puta em ter que recorrer a este meio para te falar das coisas, mas tem alguns lances que tem de ter muito peito pra dizer na cara. E realmente não tenho tanto. Sabe, não sei quando começou, só sei que faz tempo, muito tempo mesmo que a gente tá junto. E sempre mesmo com algumas brigas, sempre me senti assim, que você era meu... meu... e que... é né? Bem provável que eu fosse um pouco tua. Mas, porra! Você é um cara super compreenssivo, só você mesmo para me aturar, aguentar minhas neuras, explosões, intermináveis variações de ânimo. Mas sabe, eu sou uma burra, muito burra. Sabe o que eu fiz? Olha, até escrevendo é difícil dizer. É isso mesmo Leo, eu te traí. E foi mais de uma vez, duas vezes, não, foram várias, inúmeras vezes, foram tantas que eu não me lembro mais o número exato. Só sei que fui infiel, e talvez não acredites, isso só me fez mal, não sei que merda dava na minha cabeça acho que nasci para ser puta mesmo só nunca ganhei dinheiro para isso. Acho que é porque no fundo eu sempre achei que... Pô é isso mesmo! Que não era digna de ti, pois sempre te tratei como um cão sarnento, sempre te maltratei e você? O que fazia? Me abraçava e pedia desculpas, depois aparecia com rosas ou com outro presente sempre adorável. Quando te via triste o que eu fazia? Mandava você se virar, dizendo que não queria mais problemas pra mim, e quando era EU quem estava down o que você fazia? Me amparava, ficava do meu lado, enxugava minhas lágrimas, tentava me falar coisas engraçadas até eu sorrir. E sabe, eu tinha ódio, às vezes tinha ódio de você por ser tão burro em me tratar assim tão bem, eu, uma puta, isso mesmo uma puta uma cadela. Tinha ódio de mim e de ti. Acho que eu te tratava tão mal esperando que você criasse ódio de mim e finalmente me enxotasse. Porque eu não tinha coragem de te deixar. Não consigo olhar pra frente sem ver tua face. Quando me olho no espelho eu vejo uma vadia, uma burra, idiota, impulsiva, mas mesmo diante de tudo isso eu te amo, te amo, sei que você jamais irá acreditar... Eu mereço.Mereço tudo de ruim, mereço morrer sem que seja vertida uma lágrima em meu túmulo. Mas eu te amo, e nada vai mudar isso, ninguém nunca foi tão importante pra mim. Vou sentir saudades de nossas tardes juntos, de tudo, tudo que vivemos, essas lembranças, lembranças doce, é a imagem que dói mais. Estou aqui chorando e escrevendo. Eu não aguento mais meu amor, não suporto. Passei dos limites, passei mesmo. Nem eu mesma me aceito mais, nem aguento a mim mesma, quero morrer. Por isso decidi dizer tudo, acabar com tudo. A gota d'água foi isso: Sabe aquele teu amigo, sim Leo, teu melhor amigo, aquele que faz Odontologia, aconteceu, eu e ele, nós. Foi o fim da picada, transar com teu melhor amigo. Não ponha culpa no Stênio, a culpa é toda minha só minha. Podes me odiar, tens toda razão, mas acredite, contigo ou sem ti, eu te amo e mudarei de qualquer forma, não quero fazer mas isso, tudo isso me faz mal.

Adeus.
Tua Rosa.

Continua...

by- Adriano Cabral