Quem não tem colírio usa óculos escuros, dizia o grande filósofo Raul Seixas. Essa curiosa frase se explica talvez com maior ênfase ao simples assistir do filme (pouco visto para variar) chamado: Eles Vivem. Em uma das cenas mais clássicas do cinema (ao meu ver) o protagonista ao utilizar óculos especiais finalmente enxerga a "realidade" como ela é, fica chocado, revoltado e decide fazer algo, nisso, tenta abrir os olhos do colega de trabalho. Este último, ao tomar conhecimento que o mundo de fato é pior do que ele imaginava se recusa a usar os óculos. Literalmente depois de uma luta feroz, triste, ele enxerga o mundo sombrio do jeito que ele é...
E afinal, como será de fato o mundo? Ele é um mundo devastado pela natureza feroz que destruíu cidades inteiras, seus bens, suas fotos, suas histórias e até mesmo, suas vidas. Não, ninguém gosta de falar das extensas matas que antes freavam a fúria das águas e agora são um descampado de cana de açucar ou pastagem.
Não, é um mundo colorido, festivo e tão obcecado pela felicidade "patriótica" que simplesmente pára o país para ver seu time jogar. E mesmo que os jogos sejam horríveis, e os adversários piores ainda, salta-se, grita-se, vibra-se em cada lance e a apoteose chega a cada gol. A situação é tão surreal que vi dois profissionais de limpeza conversando a semana passada: Estou revoltado, a frança foi desclassifacada. Só faltava o mesmo interpretar a marselhesa para tudo fazer sentido. Nesse mundo de entusiasmo obrigatório, definitivamente não se quer ouvir a razão, e sim a vuvuzela. Enquanto isso as lojas vendem...
Ou talvez seja apenas um mundo injusto e triste, onde a maioria de nós somos incapazes de ver a realidade, ou pior, vemos e finjimos não ver. O mundo semelhante ao descrito por Saramago no seu primoroso Ensaio Sobre a Cegueira. Este livro que virou filme (bom filme que assisti numa madrugada cego pela esperança) tem a pretensão de narrar e descrever através de uma fábula, onde quase todos ficam cegos, como o ser humano se comporta na sua essência, sem leis e sem amarras morais para guiá-lo, apenas seu discernimento e sua capacidade de sobreviver. E a conclusão que o autor nos leva é a que o ser humano, antes de tudo é mal, e triste daquele (no caso do livro apenas uma personagem enxerga) que tem capacidade de ver o mundo de verdade. Saramago pelo visto era uma daquelas pessoas melancolicamente iluminadas e tinha a visão, mesmo assim, dizia que tinha pena por deixar de existir.
Ou talvez o mundo seja apenas um lugar deserto, simplesmente por que alguém um dia teve o coração partido. Ou pior, talvez simplesmente seja impossível enxergar a verdade, pois como eu mesmo disse certa vez em uma outra oportunidade: A verdade está no estupor causado ao ser primitivo que um dia achou que o trovão era um deus, nos olhos da criança que sonhou e viu papai noel em seu quarto, nas lágrimas da donzela iludida por algum poeta, mas que ainda achava ser amada, a verdade, está no kamikaze que morre crente no oases cercado de 11 virgens, no beato que nas portas da morte sorri, pois tem certeza que verá o rosto de Deus.
A verdade é que cada vez acredito menos no que vejo.
by- Adriano Cabral
A medida que ia lendo o texto... fui me lembrando do dia em que vc me disse que tinha dois comprimidos para me oferecer.
ResponderExcluirUm era azul.
Se eu o aceitasse... não iria mudar em nada a minha vida “perfeita” e cor de rosa.
O outro era de cor vermelha.
Esse sim iria mostra a realidade da vida.
Ia mostrar o quanto a vida é dura.
Vou confessar. Às vezes é muito difícil enxergar a realidade. Mas não me arrependo de ter escolhido o comprimido vermelho.
Bjs.
A Matrix. Uma conformação em se deixar ver só o que se mostra. E, a gente tira pela gente, só se mostra o que se quer mostrar. Então a verdade seria encontrada quando se busca o que está por trás das coisas, das gentes?
ResponderExcluirUma vez, na escola, o professor de Filosofia perguntou o que era a verdade. Pânico, terror e aflição! Alguns colegas simplesmente deixaram em branco. Engraçado foi que quem respondeu acertou. A verdade subjetiva. Eu até gosto dessa intangibilidade da verdade. As coisas que não podem ser definidas tem esse gostinho de eternidade e de bom assunto. Rendem muito, rs.
O mundo sombrio.
Que seria o mundo sombrio?
O mundo das pessoas que correm em círculos
Do mesmo bêbado que vejo em todo dia igual
Na mesma calçada, da mesma avenida
Dos milhões de catadores de lixo
Do lixo da gente - gente feito lixo
Dos indigentes que eu abro na aula
- As entranhas já não são metáfora pra identidade -
Da menina que morreu por falta de leito
Do tiro-ao-alvo-humano de Amon Goeth
Do napalm corroendo a vida
Do jogo que perdemos - a meia (e o dinheiro) que enrolamos
E da gente aqui reclamando coisas tão nossas
- preciso de aumento, de silicone nos seios; preciso de tempo para pensar num jeito, num tempo para pensar noutro tempo, num modo de ser algo novo, de ser algo lembrado, de ser algo tão meu, tão pra dentro e, ao mesmo tempo, tão externamente mostrado, que eu possa dizer que vivi.
O mundo sombrio existe. Salta aos olhos.
Ah, mas tudo menos ter razão. Tudo que eu disse está errado. É assim que se começa.
Acho que a pílula vermelha estava na minha vacina BCG. Ao contrário das outras, o efeito só aumenta com o tempo. As doses-reforço são auto-aplicáveis. E só aplica quem quer. E só quer quem tem coragem. Quem tem menos medo da agulha do que do conteúdo da ampola?
... Ai, ai... Ainda tanto a se fazer... Mas há também tanta vida, tanta vontade. "Cada vez acredito menos no que vejo", no que escuto, no que toco e no que provo. E cada vez mais vontade tenho de descobrir, de tomar a "vacina". É quase uma droga. Vicia.
Enfim, acho que não é a verdade-concreto que deve mover a vida, mas a busca dela. E nunca a encontrar é que dá à vida o movimento necessário para não se morrer como alguém que não viveu, como um simples número no cartório.
Eu não sou 660688553-34.
A realidade não é só flores como pintam os contos de fada, mas também não é essa escuridão apocaliptica, a verdade é que entre branco e preto vivemos em muitos tons de cinza, e quem insiste em ter uma visão monocromática, se deprime ao não enxergar nada diante do breu ou é alienado pela luz branca que cega os olhos, em ambos os casos os pés estão cimentados no chão ou com tristeza ou com deslumbramento... meu nundo é cinza? é eu me deparo com um rastro de cinzas por onde passo, mas minha visão é multicor e consigo ver um pontecial imenso diante das cinzas que toco, por isso meus pes não estão cimentados... e quer saber? eu vou transformar essas cinzas em confete colorido ^__^
ResponderExcluirConforme prometido, estava aqui um texto que eu iria gostar. Nada contra os textos sobre amor. O problema é a frustração.
ResponderExcluirAmor para mim é como Copa do Mundo: fala-se mais sobre ele do que se vive. E fora da literatura, está a realidade. A diferença é que, hoje, no ramo das ilusões, me dou melhor com o futebol. Já se foi o tempo em que eu perdia a final da Copa do Mundo (oh, não vi a clássica derrota do Brasil para a França em 98), porque me rebelava com o mundo alienado, que não via realidade e preferia se esconder atrás de uma competição idiota.
Acho que a realidade está aí. A questão é: quanto tempo é possível olhar para ela sem enlouquecer? No momento, oscilo entre a distração e a realidade, mas estou inclinada a me render.
"Nesse mundo de entusiasmo obrigatório, definitivamente não se quer ouvir a razão, e sim a vuvuzela. Enquanto isso as lojas vendem!"
ResponderExcluirAdorei o texto amigo Adriano!
E ainda que continuo a ver as paisagens,
Ainda que a utopia brilhe no horizonte do meu olhar...
Posso dizer que quando olho para o mundo, percebo que cada vez mais já nem sei que mundo é esse?
Adorei o texto, realmente gosto do seu lado critico, mesmo que não concorde com tudo, mas nesse voce tem 100% razão.
ResponderExcluirOtimo texto,
Da sua Fã n°1. que anda muito sumida.
Para te ser sincera, muitos de seus textos me fazem refletir, mesmo porque eles estão repletos de críticas inteligentes que colocam minha mente para funcionar. Como você sempre disse que sou um Et, sempre que leio seus textos as idéias parecem irmãs das minhas porém bem melhoradas! haha. Beijo!
ResponderExcluirAcho que essa visão privilegiada da realidade é algo muito doloroso e sofrido para a maior parte das pessoas, por isso elas tendem a permanecer no seu estado vegetativo, pela simples sensação de conforto e segurança que lhes é passada... como no conto da Alegoria da Caverna de Platão, se alguém consegue enxergar além do que é refletido nas paredes da caverna, ele obviamente tenta convencer seus companheiros e tirá-los daquela condição de acorrentados, mas a realidade é vil demais para seus olhos e eles simplesmente se viram contra seu semelhante... Acredito que a humanidade como um todo ainda tem muito a trilhar para se livrar de suas correntes e ver o que o mundo fora da caverna tem para mostrar
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