Resolvi republicar este "ensaio" sobre As Horas, seja por que pediram, seja porque de repente alguém aprecie sua leitura, afinal, a época que foi publicado o blog não tinha mil visitantes mensais(agradeço a generosidade de todos). Por fim, talvez tenha sido republicado para ajudar alguém a não viver apenas em função das horas.
AS HORAS, comprei o dvd deste filme há mais de quatro anos e ainda estava plastificado. Porque então comprei? A resposta é simples, eu intuía que era um grande filme, afinal tinha boas atrizes e um roteiro inspirado numa renomada escritora Virginia Woolf. E porque demorei tanto para vê-lo? A resposta é mais básica ainda: eu tinha medo, calma, vou explicar. Eu tinha um conhecimento razoável da vida da escritora e concluí logo que o tema do filme seria pesado e sombrio. Provavelmente tocando em temas como o vazio da vida, suicídio e tantos outros temas nada amenos. Como eu andava fraco de espírito não ousei vê-lo, e se o vi agora, é porque finalmente sinto-me mais forte do que nos últimos quatro anos. Como podemos resumir o filme? Trata-se das histórias de três mulheres, Virginia (interpretada com dedicação por Nicole Kidman), Laura (a competente Julianne Moore) e finalmente Clarissa ( a deusa da interpretação Merly Streep). As três histórias têm como núcleo o livro Mrs. Dalloway (escrito em 1923, um dos primeiros livros a adotar o estilo “fluxo da consciência”). Virginia escreve o livro, Laura prepara uma festa para o marido e a todo instante pára para lê-lo se identificando com a personagem principal, por fim, Clarissa prepara uma homenagem para o ex-amante que costumava chamar-la carinhosamente pelo nome da personagem título do livro de Virginia.
Virginia luta contra própria demência enquanto escreve desesperadamente seu livro. No ato de escrever, cada vez mais ela penetra no seu mundo criado, e afasta-se do mundo “real”. A doença, a solidão, a saudade de um passado e a necessidade de “viver a qualquer custo” vai movendo a personagem que, não obstante a doença, demonstra uma força incomum para lutar pelo, talvez, único bem que ser humano tem: a liberdade. Esta liberdade vai desde viver como deseja até partir da vida quando ela perde o sentido.
Laura tem um lindo filho, está grávida, tem um marido doce, fiel, completamente apaixonado e dedicado, portanto, ela tem “tudo que uma mulher desejaria”. No entanto, a vida real não é um conto de fadas. A “sociedade” nos fornece “modelos” de felicidade e vida perfeita que, ou não são verossímeis ou pior, quando o são, simplesmente não garantem a tal “felicidade” até porque, por mais que se venda os “modelos” de sucesso, o ser humano é um complexo de indivíduos, e como tal, por mais que aparentemente “devesse” ser feliz, ele pode simplesmente aspirar mais, ou apenas desejar algo diferente. Laura é um desses indivíduos que mesmo com “tudo” de “bom” é uma mulher completamente infeliz e está determinada a por um fim na própria vida já que não sente forças para enfrentar os padrões sociais pré-estabelecidos e encontrar seu próprio caminho de felicidade.
Clarissa mora com Sally, é uma mulher bem sucedida, inteligente, aparentemente feliz e na parte inicial do filme vemos esta mulher forte dedicando-se a preparar apaixonadamente uma homenagem ao amigo escritor Richard. No desenrolar do filme, mais uma vez, deparamo-nos com o confronto aparências x realidade. Clarissa vai se revelando uma mulher completamente apaixonada, não por Sally, e sim pelo amigo Richard (interpretado com brilhantismo por Ed Harris) que além de aidético, gay, abandonou-a há décadas para ficar com outro homem. O filme avança e percebemos que a única parte da vida de Clarissa que parece fazer sentido tange aos encontros com o moribundo escritor e as lembranças do grande “momento” que compartilharam no passado. Clarissa ama num típico transbordamento de amor, Richard, esquelético, cheio de feridas, trancado num quarto não quer mais viver, e vive apenas em função de Clarissa, e de alguma forma, Richard também a ama, tanto que, em seu momento final pede desculpas a ela por partir e diz que nunca houve um casal tão feliz quanto eles nem nunca haverá, mas estava na hora de ir, ele não podia viver apenas em função das horas...
A constante entre os três personagens que no final da trama se entrelaçam umbilicalmente, é a “fome de viver”. Virginia não aceita a existência de uma alucinada que mais dá trabalho ao marido do que qualquer coisa, Laura opta pela morte à viver na casa “perfeita” onde era uma estranha, e finalmente Clarissa, não obstante todas as oportunidades que tinha na qualidade de mulher moderna muito bem sucedida, preferia priorizar um relacionamento totalmente longe de qualquer modelo, justamente por ele ser único tão único, tão perfeito, que ela não aceitava nada menos que isso.
Ed Harris emociona e nos leva a refletir sobre o verdadeiro sentido da vida e do amor. A existência é experiência única, não comporta segundas chances nem repetições, logo, ela ao menos deve ser sugada até a última gota, com toda intensidade que ela pode nos oferecer. O amor não pode se limitar às convenções sociais, as limitações morais, deve ser livre, intenso e pleno. No amor, encontramos aqueles momentos quase “eternos” que nos marcam, nos moldam e acalentam as horas difíceis, até mesmo no último suspiro.
Virginia teve uma vida plena e privilegiada, mas diante da inevitável invalidez decorrente da insanidade ela prefere a morte, porque fora isso só restariam...
Laura tentou se adequar aos padrões, buscou agradar “todo mundo” mas era completamente infeliz pois sua vida toda até o momento que tenta o suicídio se resumia apenas....
Clarissa teve o maior momento de sua vida com Richard, e as poucas vezes que se sentia viva era ao seu lado, por isso mesmo não abria mão desta convivência e dedicava-se a ele como poucas mulheres se dedicam ao marido ou filho porque fora os momentos que teve com ele, sua vida se resumia...
...às horas.
by Adriano Cabral
Apreciei bastante este texto, sobretudo porque ele extrai da obra cinematográfica em tela o que há de mais essencial nela: a fome de viver. Acho que só faltou atentar ao fato que "As Horas" antes de tudo é um filme de amor no grau mais puro, encantador e real da palavra. Irmão de filmes igualmente sublimes como "A Ponte de Madson", "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", "A insustentável Leveza do Ser" ou ainda o alegórico "Por uma vida Menos ordinária."
ResponderExcluirTodas essas histórias trazem amores verossímeis (exceto a última)onde além da barreira psicológica do libertar-se do eu para viver o grande amor, há a barreira social, onde todos os personagens para terem "vida" de forma efetiva têm que necessariamente descumprir as regras do que o blogueiro denominou "Manual da Vida".
Uma das grandes questões da vida é: vamos viver escolhendo nosso caminho ou passar a vida tentando ser quem os outros esperam que sejamos? Vamos seguir modelos de sucesso ou procurar dentro de nós o que realmente irá nos satisfazer no fundo da alma.
Belo texto.
Parece um bom filme e não poderia ser diferente... pelo menos p/ filmes adriano tem bom gosto! rs
ResponderExcluirDepois desse último comentario anônimo a única coisa que posso dizer é que vou refletir sobre a "grande questão da vida". Mesmo dizendo p/ quase td mundo que vivo sem levar muito em consideração normas e padrões sociais,vez por outra certas coisinhas ainda angustiam meu dia-a-dia.
"A existência é experiência única, não comporta segundas chances nem repetições, logo, ela ao menos deve ser sugada até a última gota, com toda intensidade que ela pode nos oferecer. O amor não pode se limitar às convenções sociais, as limitações morais, deve ser livre, intenso e pleno. No amor, encontramos aqueles momentos quase “eternos” que nos marcam, nos moldam e acalentam as horas difíceis, até mesmo no último suspiro."
ResponderExcluirSe a vida não tem sentido em si mesma e ficam para nós os vazios de nossa precária condição,o que nos resta senão preenchê-los? O fragmento acima resume o que sinto:viver cada segundo,preencher-nos de coisas como poesia,música,amor.Fazer,de alguma forma,com que isto valha a pena.
Adorei seu texto e TENHO que assistir a esse filme!
Ótima síntese de um filme tão bem feito. As, que é baseado em um romance homônimo, consegue fazer emergir tudo aquilo que está por trás da aparência fria de suas personagens.
ResponderExcluirDepois de uma síntese do filme tão bem feita me senti curiosa sobre o mesmo. Sinto ser um daqueles filmes que podem ser encaixados no nosso dia a dia e nos fazem pensar se não somos tambem um dos personagens que resume sua vida às horas.
ResponderExcluir"A existência é experiência única, não comporta segundas chances nem repetições, logo, ela ao menos deve ser sugada até a última gota, com toda intensidade que ela pode nos oferecer. O amor não pode se limitar às convenções sociais, as limitações morais, deve ser livre, intenso e pleno. No amor, encontramos aqueles momentos quase “eternos” que nos marcam, nos moldam e acalentam as horas difíceis, até mesmo no último suspiro."
Essas frases marcaram. Parabéns.
Parabéns. Este texto me ajudou a refletir sobre coisas sobre mim mesmo. Agradeço muito
ResponderExcluirUm detalhe: o ator Ed Harris interpreta na verdade o ex namorado de Richard, a pessoa que faz a visita à Clarissa, quando está está preparando a festa ela mesma.
desculpa o meu equivoco, o ator é mesmo o Ed Harris, confundí com o Jeff Daniels. Que confusão rsss.
ResponderExcluirEstou on line no momento e resolvi publicar seu erro e correção. rs POde se identificar please? Esse texto não é muito lido, mas acredito ser um dos melhores para cumprir a função do blog: Pensar.
ResponderExcluir"Era a morte, eu escolhi a vida"
ResponderExcluirNunca esqueci dessas palavras daquela mulher, a que é mãe do Richard.
Era a morte... Escolhi a vida... Escolhas, escolhas...
[E olha lá meu comentário, um ano atrás... rs]
Apesar de discordar de algumas interpretações das ações no filme, aprecio quem gosta da temática do livro e filme. Obrigada por contribuir com esse apaixonante drama. Só pra enfatizar novamente: um dos meus dois filmes preferidos! *-*
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