Todas às histórias tem um fim, inclusive as de amor. Elas só duram para sempre quando o autor esquece-se de terminá-las ou talvez as finda com reticências. A minha começou a terminar há três anos quando ouvi as palavras mais terríveis proferidas pela boca de um ser humano:
- Foi um erro, tudo isso foi um erro?
-Como assim? Eu repetia completamente incrédula, era como se eu estivesse sendo enterrada por uma cadeia de montanhas. Naquele instante eu não era exatamente eu mesma.
- Um erro, não podia ter acontecido, sou um homem casado...
- Você só descobriu isso agora?
- Sou um pastor...
- Então é isso, porque não sou evangélica? Não faz isso, não diz que tudo foi um erro! Olha, se o problema for esse eu aceito ser uma. Eu aceito qualquer coisa desde que você não fique aí repetindo que tudo foi um erro.
- Não, não é isso, você é apenas uma garotinha! Sou um velho! Tudo isso foi um erro!
-Porra! Explodi em palavras e lágrimas, eu não sou uma garotinha, eu sou um ser humano que te ama desde que descobriu que é gente. Não faz isso comigo, não faz!
-Não há nada a ser feito, me perdoe se fores capaz, a culpa é toda minha, a culpa por este erro.
Corri em sua direção para abraçá-lo, ele me deteve, eu mal tinha forças para respirar. Foi com se tivesse sido espancada. Não tenho vergonha de dizer isso, fiz o que deveria fazer, eu implorei:
-Por favor, não faz isso!Me deixa chegar perto, me deixa te abraçar! Pelo amor de Deus não faz isso! Eu te amo! Ele continuava com as mãos impedindo meu abraço, faltaram-me forças para manter-me de pé, senti-me completamente destruída, caí de joelhos aos seus pés repetindo, não me deixa!
- Tudo isso foi um erro, me perdoe!
- Mas eu te amo! E eu sei que me amas! Eu senti isso várias vezes quando estiveste em meus braços, senti no teu olhar, senti na tua voz, senti na tua alma, se você me ama, porque faz isso? Pelo amor de Deus, porque você ta fazendo isso!
- Eu... Não sei. Só sei que tudo isso foi um grande erro. Ele largou-me e foi em direção a porta, não sei exatamente o que me fez saltar ficar na frente dele tentando impedi-lo de sair. Até hoje não sei se agi daquela forma movida pelo desespero da perda da minha mãe ou apenas não aceitando que tudo estava acabando ali, naquele exato momento. Ele tentava abrir a porta, eu empurrava suas mãos gigantes, ele era muito grande e forte, eu ainda pequena e frágil, mas tinha ciência que se ele cruzasse a porta não tinha mais volta. Tinha que lutar.
- Fala pra mim que você não me ama! Fala, diz isso nos meus olhos. Provavelmente quem estiver me lendo agora achar-me-á um ser um tanto patético, mas sabe, eu me orgulho de tudo que fiz, por amor.
-O amor não é suficiente! Dito isto, ele segurou firme meus braços, me pôs longe da porta e partiu. Dá pra ter uma idéia que junto com ele o melhor de mim se foi em mil pedaços.
Depois de meses, cansei de tentar entender o ininteligível, ele simplesmente voltou para esposa como se nada tivesse acontecido e ignorava qualquer tentativa minha de aproximação. A dor da perda de minha mãe juntou-se com o deprimente fim de minha história com Davi, era com um castigo divino. Os anos que se seguiram mergulhei no trabalho, estudos, concursos, qualquer coisa que ocupasse não só meu tempo, minha própria alma. Qualquer lembrança que tinha daqueles anos sonhando se converteram no ódio tão ou mais puro que o amor que sentia. Neste turbilhão de insensatez encontrei Felipe quando eu já estava estabelecida em São Paulo. Tinha quase minha idade, professor de direito e metido a escritor. Além de divertido e inteligente escrevia coisas lindíssimas para mim das formas mais inusitadas. Desde cartas, e-mails até poeminhas deixados na minha bolsa enlaçados por dois chocolates servindo como envelope ou num buquê de rosas onde cada uma vinha com uma frase que formava um poema. “Para “piorar” tinha toda paciência do mundo para suportar minha obsessão pelo trabalho e meus chiliques de “não quero ver nenhum humano na minha frente”. Decidimos morar juntos já fazia seis meses, sem dúvida ele era o homem que traria paz e equilíbrio para minha vida, alguém com quem eu sabia que definitivamente podia contar. Foi aí que pintou o convite para ir ao casamento da Mirela. Eu não queria ir por vários motivos, dentre outros que o Felipe tinha uma banca no final de semana e eu teria que ir só. Ele obviamente insistiu pra eu ir, pois dava muito valor aos laços de família. Já fazia dois anos que não tinha nenhum tipo de contato com minha cidade, mas devido à insistência resolvi viajar e passar só dois dias.
Após o casamento fui “convidada” a ir para recepção dos noivos, só podia ficar poucas horas, pois meu vôo partiria na mesma noite. Quando estava sozinha vendo a multidão na pista de dança ouvi uma voz familiar e quase meu coração pulou pela boca.
-Minha filha querida! Há quanto tempo. Dito isso recebi um longo abraço.
-Dona Adelaide, mas que grata surpresa! Esta com a família? Perguntei quase que automaticamente, a resposta fez minhas pernas tremerem.
-Sim, estou com meu filho e esposa, você precisa ver meu netinho! E foi logo me puxando, não tinha como evitá-la, segui-a como quem caminha para um cadafalso, meu ódio agora se transmudava em medo, terror em deparar-me com um casal feliz e seu olhar de esquecimento, quem foi que te iludiu acreditando que um verdadeiro amor pode ser esquecido? Ele tinha um filho, Deus! O que eu esperava afinal?
-Oi professorinha! Respirei aliviada, era Flávio com sua esposa e filho. Instintivamente olhei ao redor procurando o irmão. Flávio parecia adivinhar meus pensamentos e depois das apresentações ele me chamou para um canto.
- Você procura o Davi?
- Eu não!
-Ah que pena! Então deixa.
- Como assim? Espera, não o procurava, mas gostaria de saber como ele ta, cadê ele e sua esposa.
- Você não sabe? Faz quase três anos que ele se separou.
- Como assim?
- A vadia da ex-mulher dele apareceu grávida do Pastor Cleyton, o mesmo que ia e vinha nas missões com ela. A safada ainda teve a cara-de-pau de pedir perdão, claro meu mano não aceitou. Aquelas informações estavam realmente me deixando num misto de êxtase, tristeza, indignação e remorso. Agora tudo fazia sentido, talvez ele tenha descoberto que a esposa estava grávida e achava que o filho era dele, por isso tinha rompido comigo.
-Meu Deus! E onde ele está agora.
- No mesmo lugar de sempre, na casa da mamãe, nunca mais se relacionou com ninguém, parece que desistiu de tudo. Inclusive preferiu não vir pra festa, anda totalmente recluso.
- Que pena, Deus! Olhei o relógio faltavam duas horas para partida do meu vôo. Despedi-me da família e fui em direção a porta quando uma mão me deteve. Tomei um susto, imaginei logo que era meu destino mais uma vez me pregando uma peça, na verdade era Flávio novamente.
- Professorinha, antes que você fosse, só queria te dizer que ele me falou de você.
- Como assim?
- Ele me falou do amor que sente por você.
- Como assim? Parte de mim não queria mais ouvir, saí quase correndo, não sem antes de ouvir a voz dele gritando: Ele ainda te ama!
Entrei no táxi sem dizer pra onde ir, ele partiu e o motorista parecia entender minha indecisão, pois ficou em silêncio. Enquanto carro seguia comecei a pensar em tudo que passara até ali, o treino de judô, o primeiro tombo, os anos da infância abundante de felicidade ouvindo às histórias e sonhando o futuro brilhante, a decepção as 14 anos, o projeto 18, o segundo tombo, a morte de minha mãe, o reencontro, os dias mais felizes de minha vida e a humilhante separação. Os anos de agonia e solidão e finalmente Felipe, o homem perfeito, alguém que me escolheu como primeira opção, equilibrado, bonito, amoroso, ele representava o que podia chamar amor adulto, sem dúvida ele merecia o melhor que a vida pode oferecer, merecia alguém só pra ele. Por mais triste que isso possa parecer para alguns românticos de plantão, não tinha outra coisa mais sensata a fazer, como eu disse no início, toda história tem um fim.
- Direto para o aeroporto.
Uma semana se passara e os noivos tinham acabado de se beijar, a igreja estava lotada. Provavelmente foi o casamento mais lindo que vi na vida. Indubitavelmente o pastor que dirigiu a cerimônia sabia falar de amor. A igreja já estava ficando vazia, todos indo para recepção logo ao lado. O pastor olhou pra mim ao longe, curioso, ergui-me e fui aproximando-me dele.
- Linda cerimônia pastor, o senhor sabe falar de amor!
-Obrigado! Mas como você veio parar aqui?
-O Senhor acredita em astrologia?
-Não muito!
-Pois bem, meu mapa astrológico determinou que reencontraria o amor de minha vida hoje, aqui, nesta igreja, o senhor ainda duvida dos astros?
-Pensando bem, tem algo sobre astros no novo testamento e sobre uma estrela que levaria ao amor supremo. Agora penso... Talvez fosse uma Estrelinha.
-Quem sabe... Dei um largo sorriso e ofereci minha mão, Davi tomou-a e fomos caminhando para fora do templo, sentamos no banquinho de frente a um laguinho da igreja e ficamos abraçados em silêncio por um longo tempo enquanto lágrimas desciam suavemente de nossas órbitas, e por fim nos beijamos, o beijo que selou para sempre o fim e de nossas dores e o verdadeiro início de nossa história de amor que se renovou através dos anos.
Sim, logo após o casamento da Mirela fui pra São Paulo e rompi com Felipe, ele merecia muito mais do que ter uma mulher para sempre dividida, pertencendo de fato a outro. Larguei o emprego, pus meu apartamento à venda, se fui irracional? Provavelmente alguém pode estar pensando isso. Mas talvez alguém que agora me lê entenda que nada no mundo vale mais que um amor como esse, um amor para toda vida.
E foi assim que nossa história teve fim. Será que essas histórias realmente têm fim?
By- Adriano Cabral