quinta-feira, 14 de maio de 2009

A trajetória de um pai... José



José nasceu na cidade de Sapé interior da Paraíba. Família numerosa e pobre começou a trabalhar aos oito anos no corte de cana. Seu pai, rígido, não queria filho na escola, afinal isso não rendia nada para família. Mas José estudava escondido e conseguiu fazer isso até a 4ª série do ensino fundamental. Com inteligência acima da média, vivia dizendo que sua menor nota era dez. Na sua humildade, seu sonho de criança era virar motorista de trator...

Aos 17 tentou se alistar no exército, teve que mentir dizendo que era de Campina Grande. Entrou, aprendeu a trabalhar com eletrônica e elétrica. Aos 20 casou e a responsabilidade o fez ir embora para São Paulo, a esta altura já era pai de dois filhos. Nesses primeiros anos sua filha Francinete, recém-nascida, foi ao encontro do senhor. (provavelmente para ser o anjo dessa família numerosa. Nós precisamos realmente muito dessa anjinha).

Voltou com muito dinheiro no bolso para buscar a mulher, mas na viagem, como não era de ficar calado saiu dizendo o quanto ganhou a todos na viagem, resultado: foi roubado e perdeu todo seu dinheiro... Azar? Creio que não, pois só restou o suficiente para ir ao abençoado Recife e aqui nesta bela cidade se instalou trabalhando como ascensorista na UNICAP. Nos primeiros anos andava dez quilômetros para ir e voltar com o fim de economizar o sustento dos três filhos que já possuía...
Com o tempo se especializou na prática de fazer manutenção e construção de elevadores. Era o único técnico do nordeste que sabia e podia fazer um elevador sem ajuda de "São Paulo".
José era muito bem humorado, tranquilo, contador de histórias mirabolantes onde a verdade e a fantasia tornavam-se uma coisa só. Compôs marchinhas de carnaval nunca gravadas, foi fã incondicional de Luíz Gonzaga (com quem tinha certa semelhança física) criou na década de setenta um controle de games de botões (só existia os de manche) e eu mesmo lhe disse: Ixe, isso nunca vai vender... anos depois vocês viram o resultado todos os controles são de...botões.
Trabalhou na Kone elevadores, fez muito amigos na UNICAP foi empregado homenageado algumas vezes, não bebia, não fumava não jogava, seus únicos vícios eram uma boa comida e o trabalho...trabalhou muito a vida toda de domingo a domingo, preguiça não era uma palavra que estava em seu dicionário.
Teve onze filhos (como eu disse preguiça não estava em seu dicionário) e assumiu todos eles. Todos estão vivos e bem, exceto a anjinha Francinete.
No dia 14/05/08 ás 08 da manhã José foi tentar pôr um elevador para funcionar. Aos 72 anos ainda era teimoso e tentou fazer isso sozinho...foi eletrocutado e morreu. A imprensa marron apareceu por lá para tirar foto do corpo, a família impediu, foi sepultado no dia 15/05/08.

O que se pode dizer mais do meu pai... muita, muita coisa que cada um de nós que conviveu com ele sabe. Tinha defeitos como todo ser humano, mas com certeza suas qualidades durante a vida compensaram quaisquer faltas que tenha cometido. Sua herança é a incansável vontade de trabalhar, a genialidade de um homem humilde, suas qualidades de grande nadador(herdada pelo neto atleta), de proteger a família, de apoiar os filhos incondicionalmente, seu bom humor quase infinito, sua força de sertanejo e de ter sido, sem dúvida, antes de tudo um forte, um cabra Macho da Paraíba que agora vive através de seus filhos e netos. E por falar nisso, finalmente Francinete poderá novamente abraçar seu pai.

Vou acabar aqui lendo as letras de algumas marchinhas que meu pai criou, como eu disse homem muito bem humorado que amou muito a família e sua também incansável esposa, não é á toa que suas músicas falavam da força da mulher.


Mulher você venceu, os direitos já são iguais
Com a emancipação realizou seus ideais
Já não precisa mais guerra, comíssio nem reunião
Você é quem manda nesta terra e manda no meu coração ““.

“Eu gosto muito de mulher”.
Eu gosto gosto gosto gosto até demais
Mas se eu gosto de mulher assim
Foi herança de meu pai
Mas se eu gosto de mulher assim, foi herança de meu pai
A mulher que veio ao mundo foi pra se amar não pra se bater
O homem verdadeiro sem mulher não pode viver""Só só só você meu bem
Eu não quero mais ninguém
Só só só o seu amor vai curar o mal que eu tenho
voce é minha cura
é meu remédio é meu comer
é minha higiene mental, nos dias de lazer
A medicina da minha vida é você"

“Jóia eu tenho em casa, pra que eu procuro a fora
Jóia Mãe dos meus filhos, que é uma bela senhora.”
José Cabral.

6 comentários:

  1. A leitura do texto chega a emocionar como se fosse a primeira vez que o estivesse lendo. Lembro-me da noite em que o vi sendo lido, via o desconforto presente na vida de alguns por estar perdendo alguém tão querido e amado, e ao mesmo tempo tentava buscar forças para consolar alguns mais próximos. Foi um momento difícil, mas acredito que uma pessoa tão especial quanto este homem, o qual o texto descreve a trajetória, só pode estar descansando em paz.
    E observando também os versos escritos por seu Cabral, acho que o blogueiro herdou dele esta característica de poeta que é tão bem apresentada neste blog. Ah! Adriano, acho que herdou dele também a sua humildade (rs) "Com inteligência acima da média, vivia dizendo que sua menor nota era dez".

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  2. É engraçado como a vida dá voltas e voltas.. Buscamos tantas coisas, gastamos anos na realização de sonhos e acabamos esquecendo dos pequenos detalhes que fazem da felicidade, algo duradouro.. Seu Cabral sabia muito bem, e expressou insistentemente nas suas marchinhas..
    “Jóia eu tenho em casa, pra que eu procuro a fora
    Jóia Mãe dos meus filhos, que é uma bela senhora."
    O que eu mais admiro nele? A coragem de admitir seus sentimentos, e a garra p/ lutar pelo que se deseja.

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  3. Pois é Sayure, não é fácil ter sabedoria suficiente para saber o que é realmente importante, ainda mais quando se tem uma origem tão humilde e a luta pela sobrevivência é quase diária.
    No final das contas a única coisa que realmente dá sentido a vida é lutar para ficar perto de quem a gente ama. Isso é o que realmente importa... o resto é só meio... o fim é um só. Se não for assim...vale a pena?

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  4. Belo texto, mostra realmente mais uma face diferenciada do blogueiro. Mas estou com saudades dos textos românticos

    Mas esse me lembrou que tenho que aproveitar mais a vida vivendo do que chorando pelo que perdi ou deixei de fazer. Trabalhar é bom mas melhor ainda é pensar na gente e pensar em quem a gente gosta.

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  5. Só me faz valorizar mais o que eu tenho perto de mim =/

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  6. Faltou:"Passa a manteiga no pão, tô com fome quero comer, esse pão só vai ficar gostoso, meu bem, se for passado por você"

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