domingo, 12 de junho de 2011

E Por Falar em Namorados - Parte 2


PS: Antes de começar a ler este texto leia a parte 1 clicando aqui


ROSA

Ao chegar em casa só restou a Rosana enfiar os rosto no travesseiro que logo ficou encharcado. Sufocava os sons de uma dor que explodia. Ela não queria ficar assim, mas como evitar, como não sentir? Como não se desesperar ao se conscientizar que até aquela altura de sua existência ela simplesmente se deixou usar por aqueles que a desprezavam e jogara até então toda sua vida fora, e sua vida, era o Leo.
Já eram quase cinco da manhã quando ela se ergueu da cama ao lembrar da carta que Leonardo havia lhe entregue. Começou a ler:

Rosinha:

Estamos juntos há tanto tempo que eu não consigo recordar uma lembrança na minha vida sem que você esteja presente. Não tenho mais nada no meu baú de memórias, nada que não seja de nós dois. É como se minha vida tivesse começado quando te conheci. E acho que foi isso... Eu me tornei um homem ou quase isso, quando provei dos teus beijos e de teus carinhos. Eu ainda não consigo imaginar como será minha vida daqui pra frente sem você, sem sua palavra, sua energia, sua personalidade, sua incrível capacidade de tomar decisões com rapidez e precisão. Sua pele macia, seus seios, sua língua, sua boca seu sexo. Olha, você é a mulher que qualquer homem em sua sã consciência gostaria de ter para si. O problema é que acho que mesmo gostando muito mesmo de você, creio que não dá mais para ficarmos juntos. O problema não é você, nem nunca foi, o problema sou eu. Acho que nunca vou sentir-me completo contigo. Na verdade tenho certeza que nunca vou ser completo com nenhuma mulher, entende? É isso aí. É exatamente o que você esta compreendendo. É coisa que tenho dentro de mim desde criança. Sempre diferente dos outros meninos. Sempre achando-os mais bonitos que elas... Porque só agora que estou me abrindo com você? Sinto vergonha de dizer, mas até o mês passado, eu nunca tinha tido nada concreto entende? Foi então que o Stênio, é isso... O Stênio... Você sabe né, aquele lá do meu bairro, o que faz Odontologia... Aconteceu Rosinha, Aconteceu... Nós. Então foi quando eu percebi que eu e você tínhamos chegado ao fim. Eu não poderia esconder isso de você de jeito nenhum, e sei muito bem que você não me perdoaria. Nem eu mesmo me perdôo. E mais estranho e trágico disso tudo é que ainda te amo, sabe, olho pra mim, bem dentro, e você tá lá, sempre estará, é parte de mim, não sai mais, e isso é triste. Ainda assim gostaria de ficar contigo mas sei que é o fim.

É isso.
Te amo e sempre te amei...
Leonardo.

      Rosa não conseguia acreditar no que estava lendo, era impossível que realmente aquilo houvesse acontecido, mas ela sabia, era verdade, a triste e dolorosa verdade. Ela se olhou no espelho como se visse uma estranha. O que era ela? Que coisa era ela? As lágrimas foram abundantes. Rosa nunca vira uma pessoa chorar tanto e tão dolorosamente em toda a sua vida. A dor explodiu num ódio que a fez quebrar o espelho com as próprias mãos e derrubar todas as coisas que estavam próximas a ela. Nisso, ela percebeu que derrubara o Leozinho, um bicho de pelúcia pequeno que ela recebera dele com outro enorme, no aniversário de primeiro ano de namoro. Ao vê-lo cair, ela soluçou repetidas vezes Não! Não! Não! e tomou o bichinho nos braços como se assim pudesse salvá-lo. Em seguida ficou um longo tempo a sós com as lágrimas e o espelho quebrado...

(........)
Leo estava estupefacto com o que acabara de ler. Era fatal, era real, era isso mesmo, era aquilo mesmo. Ele não tinha palavras para si. Sabia não haver consolo, seria uma maldição? Só tristeza. Era uma Rosa para ser regada e amada com toda a força, mas que força tinha ele? Nenhuma. Como poderia odiá-la, condená-la?
A dor era tamanha que ele não conseguia chorar. A madrugada cedia aos primeiros, mas ainda tímidos raios de sol. É o mais comum e belo momento de mudança, de triste e bela transição, da morte e vida de mãos dadas. Era a aurora se aproximando, pedindo licença as outras estrelas, era o sol tomando de volta seu lugar, sabendo muito bem que morreria ao final do dia. E atrás de cada dia quantos mundos surgiram? Quantas vidas se perderam? Quantos casais se amaram e se odiaram? O tempo passava, e ele não tinha como fazê-lo parar, e mais importante ainda, fazê-lo voltar. A marcha do tempo era inexorável, e impiedoso também era o caminhar para o fim. Não havia qualquer diferença o fato daquele dia ser o dos namorados.
Leo olhava a janela vendo o tímido movimento das ruas, buscando em cada pessoa o socorro, o auxílio, qualquer tábua que o salvasse da desgraça que estava se transformando sua vida. Seu olhar desesperado nada adiantava, ele sabia que era inútil, era só mais um sofrimento, mais uma dor que surgiu em mais um dia, após mais uma noite, no meio da multidão. Ao longe, Leo escutou aquela música, sim, aquela música, a música deles, que falava de um lugar ideal onde eles seriam eternos. Ao soar da doce melodia ele perdeu as forças e caiu de joelhos pondo em seguida as mãos na cabeça. A outrora doce melodia agora feria-lhe mortalmente a alma que se debatia ansiosa para fugir, e retornar ao seu lugar no etério. Um pombo branco em toda sua majestade e placidez vôou por sua janela zombando daquele desditado.
Leo Permaneceu lá por um longo tempo. Tinha certeza que nunca mais veria a sua Rosinha. Não suportou a solidão de seu quarto, tinha que sair, eram quatro e meia da manhã, mas ele tinha que sair. Foi sem destino. Ainda brilhavam, pálidas, algumas estrelas no céu.
Ele quase que por instinto se viu de frente a lanchonete na qual a pouco tinha selado sua desgraça. Não pensou, entrou por instinto, talvez para sentir de alguma forma a presença daquele ser que ele ainda amava. Gelou, ao perceber que ela também estava ali, com os olhos em escarlate, jamais a vira naquele estado. Tão frágil. Sentiu medo. Ela que estava de cabeça baixa pareceu pressentir a chegada do seu ex noivo. Mesmo assim, ao vê-lo, foi tomada de terror, e como defesa deixou transformar os olhos apavorados em aparente ódio, ódio vindo do desespero em só imaginar o que ela poderia vir a escutar dele. Não! Jamais tinha sido maltratada por seu Leo, jamais seria humilhada, já bastava tanta dor.
Suas pernas trepidavam, mas ele seguiu em frente, sentou na mesma mesa em que ela estava. Mesa aquela onde, ao lado, estava um rapaz escutando rapp, mesa onde há algumas horas eles haviam trocados aquelas fatídicas sentenças de morte disfarçadas de cartas.

     Ambos esperavam uma explosão de acusações, de insultos mútuos, de despeito e amargura. Rosinha e até mesmo o sempre plácido Leo estavam munidos de todas as armas necessárias para enfrentar o inimigo. A indiferença, o desprezo, a dureza do diálogo, o silêncio. As quatro mãos tremiam. Quem daria a primeira estocada? Quem feriria a alma primeiro? Tudo isso era necessário, para eles terem a coragem de fugir.
O terror da provável humilhação fazia com que ambos esquecessem as próprias culpas e só lembrarem o fato de serem vítimas. Quando o combate parecia ser iminente, de súbito aquele rapaz caracterizado de rapper aumentou o som de seu poderoso rádio. E através dele, ninguém soube até hoje de onde, em alguma estação de rádio, naquele exato momento, sem que nunca se soubesse o motivo, um Disque Jókei resolveu colocar uma música que não estava na programação daquele tipo de estação, e a música partiu, invisível, caminhando entre milhões de ondas, ora ricocheteando no excesso de tráfico, ora voando livre, mas indômita, até chegar, após quilômetros de distância, limpa e nítida no rádio do rapaz e se fez voz, e ainda sem nenhuma razão aparente, naquele exato momento, aquele garoto que parecia só gostar de Rapp não achou mal a canção e resolveu aumentar o volume até o máximo. E aquela canção não era um rapp duro, agressivo e rebelde, e sim uma canção de amor, não uma qualquer, mas A canção de amor, A música. A música que fora feita tão somente para Leo e Rosinha e com certeza, o compositor nunca saberá disso.


      Naquele exato momento houve uma explosão de dois seres, mas não de ódio, mas de lágrimas. O rapaz olhou aquele casal a chorar, e mesmo sem compreender o que se passava naquele quadro não o impediu de conter duas lágrimas fugidias que escaparam-lhe das pálpebras traidoras. E as muralhas caíram, os escudos se partiram, as espadas sumiram, os corações se enterneceram, quatro mãos se tocaram, as almas se fundiram, e só elas ditavam o ritmo daquela chuva de dor e amor. E para surpresa de todos, houve um beijo, não qualquer beijo, mas um beijo e um laço, um pacto, um uno, um. E neste beijo eles encontraram algo maior que o gosto e a carne, do que a mente e o sonho, eles sentiram pela primeira vez de verdade que existia de fato uma quimera, mas forte que tudo, mas poderoso do que a morte, que o preconceito, que o orgulho, que o medo. Amor.

Afinal, era dia dos namorados.

By- Adriano Cabral - 1998

Um comentário:

  1. Conheço uma pessoa que passou por isso também,
    o fato é que amor não morre.

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