sexta-feira, 5 de junho de 2009

O ESTRANHO















              Ela acordou mas suas pálpebras permaneceram cerradas. Ficou um tempo impreciso perdida em pensamentos indecifráveis. Abriu os olhos num murmuro chamando o nome da mãe. A primeira coisa que viu naquele dia foi o teto branco muito familiar. Contudo, ao olhar para seu lado ela viu um homem seminu e foi tomada de um sobressalto. Afinal o que aquele homem, seminu, alto, estava fazendo ao seu lado àquela hora da manhã? Repentinamente ela tomou consciência de sua própria nudez e instintivamente se cobriu. Estava só de camiseta, mais nada. Que vergonha! Que horror! O que estava fazendo ali, nua, ao lado de um estranho. Começou a transpirar, sua respiração se tornou ofegante, olhou para os lados na busca de reconhecer alguma coisa. Pânico. Imóvel, apenas seu olhar movia-se embalde em busca de algo que pudesse explicar a sua situação, mas foram seus ouvidos que lhe mostraram algo familiar e, por um brevíssimo momento, ela esqueceu suas conjecturas para se deleitar com o barulho do trânsito que vinha da rua. Sentiu-se em casa por um instante. Mas só mesmo um instante, pois pelas frestas das persianas ela viu poderosos raios de sol. Foi tomada novamente do pavor. Terror. Não, ela não estava em São Paulo. Meu deus! O que estaria fazendo ali longe de sua terra, de sua família, da embriagante loucura da Avenida Paulista? Teve ânsia de gritar, de pedir socorro. Mas teve medo de acordar o estranho ao seu lado.
Naquele exato momento esquecera por mais um instante a situação surreal em que se encontrava para recordar de sua mãe. Ainda é um mistério isso de se pensar nas mães no momento de aflição. Ai! Mas que doces recordações são as maternas. Entretanto, subitamente o coração ficou apertado, as entranhas se contorciam, o suor escorria-lhe pela testa. Mãe!!! Gritou mentalmente. Tomou o telefone ao seu lado e instintivamente ligou um número via DDD. Do outro lado atendeu uma mulher com voz monótona que não era sua mãe, e sim uma secretária de uma empresa que não vem ao caso dizer. Mais do que assustada, ela olhou de novo para o homem ao seu lado e com todo cuidado, temendo que ele acordasse, tateou com as mãos no rosto dele. Sentiu de repente um carinho por aquele estranho. Por quê? Porque está ali longe de tudo com aquele estranho? As memórias vieram num turbilhão e ela se lembrou do funeral que não teve forças para ir, dos meses em que passou prostrada na cama sem vontade de se levantar, sem ânimo para nada. E veio novamente a terrível certeza que sua mãe se fora para bem longe e absolutamente nada iria mudar esse fato.
Ao olhar mais uma vez para o homem, ela escutou sua voz terna na imaginação dizendo-lhe que não iria deixá-la, viu sua face nos meses de luto materno a consolando, lhe dando forças para continuar, lhe dando a mão, o peito... Delírio ou recordação? As lágrimas neste momento foram fatais. Elas fluíram dos olhos sem cor banhando o corpo da mulher. Foi naquele instante, quando ela encarou o estranho em sua cama, que ela sentiu a necessidade de abraçá-lo com todo carinho e do amplexo houve um beijo.
Naquele momento ela não estava mais com um estranho, ela não estava longe de casa, ela estava onde sempre quis e sonhou estar, com o homem, com o ser mais importante de sua vida. Ela sorriu. Este seria para ela o momento mais feliz de sua existência. Ela foi ao ouvido dele e o chamou pelo nome, ele acordou sorrindo, abrindo os olhos devagar a estreitou nos braços deitando-a no seu peito. Então ela disse-lhe no ouvido:

- Parabéns meu amor!
- Parabéns minha bobinha!

Foi um dia especial para aqueles dois seres. Afinal, já fazia 30 anos que
estavam casados. O sol de Recife agora invadia todo quarto com sua luz cegante e ela não conseguia ver mais nada.

   Foi neste exato momento que ela acordou com o barulho das crianças na sala. O teto tinha outra cor, olhou assustada para o seu lado e viu um homem, não era o mesmo, era outro. Sentiu uma ponta de dor no peito, ergueu-se da cama e foi á janela de seu quarto. Ao abri-la se deparou com o céu cinza e o trânsito louco da Av. Paulista. Explodiu uma tempestade. Lágrimas começaram a se juntar com as gotas do céu. Ela contemplou o céu cinza buscando um azul, na chuva os raios de sol, e recordou do sonho, do estranho, das escolhas. Sorriu ao pensar nele. Mas naquele exato momento, o céu era cinza. Desgraçadamente cinza. E pensou que alguém talvez, naquele momento, estivesse acordando a contemplar um teto branco ao lado daquele estranho. E as lágrimas continuaram a cair do céu cinza. Ela seguiu os conselhos da mãe, lhe obedecera, ficara em São Paulo, abriu mão de seu amor em favor dela, mas sua mãe não estava mais ali para fazer cessar a chuva. Ela estava casada, tinha filhos, mas estava completamente só. Nenhuma tempestade parecia ser capaz de gerar lágrimas equivalentes as contidas numa alma por toda uma vida.

13 comentários:

  1. mto foda seu texto... parabens! =)

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  2. Já ouvi esta história, mas não tão bem narrada.

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  3. Muito linda essa mensagem... Ótima narrativa... esta de parabéns!!! Existem coisas nessa vida que só nós mesmos podemos decidir.. e uma delas é o Amor...

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  4. Ótimo ^^
    Realmente muito bom!

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  5. Não tenho filhos e demorei muito para encontrar alguém com quem eu tivesse "algo mais". Mas não despreze a felicidade amena, nem sempre somos nós que temos o destino em nossas mãos.
    G.N

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  6. Essa deve ser uma das escolhas mais difíceis na vida de uma mulher. Decidir entre o amor da família, e o amor de um homem é mais complicado do que alguém pode entender. "Trocar quem que te deu a vida, por quem vai completar a sua felicidade.."
    Mas, Deus deu à nós, mulheres, um importantíssimo dom.. Chamado "jogo de cintura", em ambos os sentidos, literal e figurado. Com o literal, convencemos o homem. Com o figurado, podemos tentar convencer a mãe.
    =)

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  7. Sabe, esse texto é "baseado em fatos reais".
    A minha experiência demonstrou que nesses casos há um "pseudo-conflito". Não há necessidade de optar entre a família e o "namorado(a). A prática tem me mostrado que quando a filha (o) demonstra seriedade e determinação os pais, mesmo que passe algum tempo de birra, sempre acabam cedendo. Principalmente quando são "bons pais". O grande problema dos "pais normais" é que eles projetam futuros para os filhos como se eles não tivessem vontade própria e se "surpreendem" quando os filhos querem diferente. Mas o amor dos pais em relação aos filhos é muito maior do que a vontade daqueles de realizar seus sonhos através da próle.

    Agora uma verdade é cristalina: nos assuntos do coração é bom pedir conselho ás vezes mas a decisão mais sábia é aquela que vem do próprio coração. E se há dúvidas a única forma de tirá-las é VIVENDO sobe o risco de transformar o resto da vida num grande SE...

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  8. Parabéns pelo texto muito lindo..
    Ás vezes precisamos abrir mão de um amor, por varios motivos, acreditando ser a melhor maneira de aliviar aquela angustia, mas o preço que se paga é alto demais...

    Mais cedo ou mais tarde o Destino nos cobra isso, uma decisão tomada em um momento errado mudará pra sempre nossa História..

    Bjnhosss!!

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  9. Não deveríamos ter que escolher entre um amor e carreira, entre amor e família e entre amor e mais nada, deveríamos simplesmente amar e pronto. Mas como tudo que é muito bom traz consigo dificuldades, acontecem histórias como a relatada por Adriano.
    Na verdade acho que me contradisse, quem cria as dificuldades para amar somos nós mesmos. No final das contas amar é apenas se entregar, mergulhar fundo, deixar de se importar tanto com os outros e suas opiniões e viver a vida da forma mais intensa que for possível com o ser amado, mas como tendemos a burrice muitas vezes, nos falta CORAGEM pra amar.

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  10. Anne Clap clap clap clap clap...
    Abaixo a burrice e viva a coragem!

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  11. Toda a nossa vida é composta por escolhas, e estas sendo boas ou ruins deixarão marcas. Com o amor não é tão diferente, normalmente não escolhemos o amor, mas ele chega sorrateiramente e quando nos damos conta já estamos amando, entretanto podemos escolher se vamos nos deixar mergulhar intensamente neste sentimento tão belo e complexo ou não. Daí surgem as barreiras, mãe, família, amigos, enfim, a imagem diante de todos que estão ao nosso redor. Será que vale realmente a pena enfrentar todo mundo pra ficar com aquele que amamos ou pensamos amar? Já ouvi alguém dizer que as mães estão sempre certas, mas sinceramente não sei até que ponto isto é verdade, talvez o excesso de super-proteção não seja tão bom para a vida dos filhos. Falando por mim, acho que não teria coragem de enfrentar minha mãe se ela fosse contra meu relacionamento. Bom realmente seria se nunca precisássemos escolher, mas que conseguissemos atrelar nossos desejos aos daqueles por quem nutrimos grandes sentimentos, só que nem sempre é assim e talvez até na maioria das vezes não seja assim. Admiro quem precisando tomar esta difícil decisão consiga escolher aquela alternativa que realmente lhe trará felicidade por toda a vida e esteja livre do arrependimento. O difícil é saber o que realmente nos trará a felicidade.

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  12. Eu acompanho esse blog já faz um tempão e até hoje não postei nenhum comentário até porque prefiria apenas curtir os textos. Mas depois de mais um texto maravilhoso eu tenho que deixar alguma coisa registrada. Fazia muito tempo que não encontrava alguém que sempre posta coisas não só interessantes mas excitantes, emocionantes e reveladoras. Parece que cada personagem é um pouco de cada uma de nós. Parabéns Adriano e não deixe de postar estou aqui todos os dias esperando algo seu.

    PS: Se você quer saber alguma coisa vá estudar se você que saber algo sobre o amor VIVA E SINTA!

    Katia Valéria

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