quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A SUICIDA






-Não pelo amor de Deus, pára! Por favor, não agüento mais!
-Eu te avisei, te avisei você não devia ter feito isso com a gente! Eu pedi tanto para você pensar um pouco mais, ter mais paciência, analisar o todo...
-Páraaa! Não dá mais, não vai dá, por favor, não agüento mais ouvir isso.
-Você não agüenta porque dói, se dói, é porque você ainda ama!
- Não, aquilo não era amor, aquilo era um vício, uma doença, um câncer, aquilo não tava me fazendo bem. Aquilo não era amor, era dominação, eu não conseguia fazer mais nada na minha vida, não conseguia ter paz...
-E agora você consegue? Aquela pergunta feita num tom completamente inquisitivo parecia cortar a língua de sua interlocutora. Aproveitando o silêncio arrancado pela força da indagação, resolveu continuar. Você agora vai às festas, você procura a companhia de todos os amigos, conhecidos, até de ex namorados para se distrair, você viaja, volta, mas quando estes "antidepressivos" não fazem mais efeito e você está só, trancada no seu quarto, você consegue ter paz? O desespero foi crescendo em Alice, ela gritava.
- Okey! E daí, vai passar, vai passar, Tudo passa cara! Tudo passa! O tempo é o remédio, já estou em outra, já vi que tem gente legal por aí! O mundo não se resume ao que vivemos, sou muito nova, jovem, ta cheio, ta cheio de homem por aí, muito, e cada vez sou mais desejada... Ta? Cada vez. Eu já conheci lugares muito bacanas, já conheci pessoas muito legais, mundos que eu jamais conheceria se estivesse ainda vivendo aquela doença chamada amor.
- Você ouviu o que falei? E quando esses "analgésicos" não fazem mais efeito de quem você sente falta? Você sempre soube que tem "muita gente bacana", mas você sabe, melhor, você sente que no final das contas a única coisa realmente que importa é que nenhuma "dessas" pessoas bacanas é aquela pessoa com quem você viveu tudo aquilo e você definitivamente ama.
-Pára, eu tava bem, eu tava bem, até você vir e começar de novo a me encher! Pára porra! Eu não agüento mais te ouvir, você sempre aparece, sempre, eu tantas vezes achava que estava livre de ti, passava meses e você ao menos tinha um pingo de dignidade e ficava calada, achei que estivesse definitivamente tudo enterrado. Mas não! Você não tem vergonha na cara, não tem auto-estima, não se dá valor, você sempre insiste, insiste, insiste, se humilha, tenha vergonha cara! Não existe mais amor, acho que nunca existiu. Eu sofri demais já, levei muita porrada, fui passada pra trás tantas vezes, sempre me sentindo insegura, sempre vendo as outras abrindo espaço sobre mim, sempre ficando bem claro que de repente eu podia perder tudo. Aliás, eu já tive alguma coisa? Eu nunca fui amada, nunca.
-Olha, você pode até dizer que está bem, mas vai continuar mentindo dizendo que nunca foste amada? Tudo bem houve erros, muitos por sinal, mas qual relação longa que não está contaminada por tais falhas e tantas lágrimas? Qual? Salvo algum conto de fadas toda relação longa tem suas dores para carregar. Agora te pergunto: quantas relações longas há tantas histórias para serem contadas, há tanta paixão, há essa singular, louca e maravilhosa história de amor. Essa relação não foi apenas uma história de amor, foi um romance cinematográfico vivido. E sinto muito, meu orgulho e dignidade vale bem menos do o destino de toda minha vida.
-Eu nunca fui amada cara! Nunca, só quando era tarde demais...
-Talvez não houvesse as palavras, mas as ações eram de alguém que ama. Amor não é só sentimento, ele se concretiza nas atitudes, e convenhamos, em todos esses anos, tirando aquele desvario da "falta de compromisso" nunca ninguém foi tão dedicado. Lembre-se também da condição dele, do quanto ele tinha que abrir mão e do que ele efetivamente fez depois tudo para não te perder... Quem um dia fará isso de novo só para te ter nos braços?
- Mas foi tarde demais, foi tarde demais...
-Tarde demais por quê? Por que você não amava mais...?
-Foi tarde demais...
-Foi tarde demais porque ele errou, às coisas ruins que ele fez já datavam de tanto tempo. Foi ele quem causou o fim?
-Tarde demais, eu errei muito...
-Mas ele te ama...
-Tarde demais, no meu desespero eu menti, traí, maltratei, caluniei, eu fui muito patifa... E até hoje nem pedi desculpas de verdade...
- Mas ele vai te perdoar se você ligar... Se você fizer tudo diferente.
-Tarde demais, meus pais, meus amigos, todos me apóiam sabe, todos acham que era o certo a fazer... E cá pra nós, ele já sofreu demais. Ele está livre, eu estou livre.
-Ele ainda sofre, e muito mais por que tudo que ele fez, tudo pelo que lutamos, virou quase nada... Ele te ama... Ninguém vai viver a vida por você.
-Pára, eu não agüento mais, deve ta agora rodeada de mulheres lindas e do jeito que ele queria! Ele pode ter qualquer uma...
- Mas você sabe que ele quer apenas você, é você quem ele ama!
-A mulher que ele conheceu não existe mas... Talvez, como ele mesmo disse, nunca tenha existido...
- Ela existe, e você sabe como você adorava ser ela, como se sentia melhor, mais viva, mais livre. Não existe liberdade maior do que poder entregar-se completamente a outra pessoa, e só com ele você foi assim...
- Me abraça! Me dá forças, ninguém, absolutamente ninguém me dá forças, todos me ajudam a caminhar na direção contrária, todos me falam para seguir adiante.
-Você tentou... Adiantou mesmo?
-Não, me abraça. Disse Alice em tom de apelo. E ambas se abraçaram.
Pouco depois se ouviu um estampido seco, depois outro e outro. Foram três projéteis lançados pela arma de Alice na cabeça de sua interlocutora. Depois desta caída, Alice ainda descarregou a arma, como se para ter certeza que sua vítima havia morrido.
Segundos antes Alice havia enxugado as lágrimas, pegara o telefone e discara o número. Enquanto a ligação não se completava ela imaginava o que sua família ia dizer, o que seus amigos falariam, como o seu agora, apaixonado namorado reagiria e, sobretudo, que palavras duras e cortantes poderiam ouvir dele. A ligação se completou.
-Alô. Silêncio. Linha desligada.
Não lhe restou alternativa senão, de novo, sacar da arma e matá-la a sangue frio. Mais uma vez estava só em seu quarto.


by Adriano Cabral 06/01/2010 8:46 A.M


4 comentários:

  1. Uau! Chocante! (aplausos)
    Me fez lembrar de algo...
    Adorei Moço. Escreve mais.

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  2. ...Quatro dias... ainda não tem esse aqui.
    Amo esse conto.

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  3. Esse texto foi forte, e eu já desconfiava que seria. Li até o fim curiosa mesmo sabendo o desfecho final.

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  4. Esse foi o texto mais surpreendente que já li aqui.
    Que nem a Anala disse, mesmo sabendo o desfecho, o final foi inesperado.

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