sábado, 9 de janeiro de 2010

Preciso Dizer Que Te Amo






 Ela segurava o livro nas mãos como se lhe fosse um escudo.
- De hoje não passa... - repetia para si mesma enquanto o livro balançava sem parar - Dane-se!
  Ela estava observando a capa, passava para o nome da autora e então, revigorava-se. Sim, ela a ajudaria, lhe daria forças quando as mesmas lhe faltassem. Belo Horizonte estava muito fria naquela manhã, no entanto, as mãos ardiam tal como o sangue fervendo em suas veias. Parecia que dentro dela havia ao mesmo tempo uma tempestade de fogo e água. Um fogo que secava seus lábios e rachava sua pele e uma água que inundava os seus olhos e se esvaia em suor.
  Fazia tempo que seu coração não batia como agora, forte; pulsava por algo a mais, por mais sangue em suas veias. Ela era bela e inteligente, mas vivia cada vez mais isolada com sua única companhia real durante todo esse tempo – o livro de contos. Neles ela conseguia sobreviver. Se no seu mundo não havia espaço para a explosão de sentimentos que ela era coagida a oprimir em seu peito, através daqueles textos ela encontrara outra menina, igual a ela, oprimida, tendo que matar-se a cada dia para representar aquilo que todos esperavam dela. No fim do livro revela-se a própria autora, que conseguiu superar todos os obstáculos impostos para sua felicidade. Logicamente, a Jovem encontrou na autora do livro não apenas sua companheira de desventuras, não só o modelo de superação, mas também a sua heroína.
  Ele; segurava seu livro nas mãos como se fosse uma espada. Estava prestes a atacar, com o coração saindo pela boca. Não era ligado à leitura, mas esse livro lhe chamara a atenção, talvez pela história próxima à sua, mas em versão feminina. Estava chegando ao colégio ainda vazio, pois era cedo demais.
  Ela estava de pé, tremendo na ponta do corredor, de costas para a entrada. Tinha certeza que não haveria outro caminho para as salas de aula e por isso ali estava. No instante seguinte à formulação de tais pensamentos sentiu o perfume que entrava em sua pele, aguçando até seus mais desconhecidos sentidos. Parou de tremer, todo seu corpo ficou teso, estático, inerte. Parecia até que sua respiração sumira juntamente com sua capacidade de mover-se.
   Mas Ele movia-se lentamente, corpo sinuoso, andar enleante, levando consigo tudo que poderíamos nomear como vida. A Jovem de tão estática, parecia pertencer à parede que estava encostada, contudo houve um terremoto, um estremecimento tão forte que a fez deixar cair o livro no chão. Tudo isso porque Ele por um instante lançou-lhe um olhar e um sorriso, mas seguiu seu caminho. Ela esqueceu o livro, mas não a inspiração que veio dele e praticamente correu em direção Dele que já estava entrando na sala de aula para o Seu desespero.
  Ele simplesmente passara distraído pelo corredor, mas ao final, notara a presença que lhe chamava atenção. Não pôde conter o sorriso e o olhar, mas lhe pareceram espontâneos. Entrou em transe por alguns segundos, até finalmente acordar e vê-la vindo em sua direção. O susto que tomou foi tão grande quanto o ímpeto de adentrar à sala.
  Ela não sabe até hoje se foi o acaso, se Ele ainda tinha alguma coisa a fazer antes de entrar em aula, ou se o olhar de ânsia da Jovem que O fez estacar e voltar-se quase que assustado para Ela, que vinha a passos firmes em sua direção; mas o fato é que o olhar atemorizado Dele fez com que os passos da Jovem se tornassem menos decididos, fracos, até que pararam a dois metros de distância Dele.
   Agora o pânico estava expresso em todas as janelas as quais eram possíveis ver duas almas que definitivamente estavam ligadas de forma indelével. Contudo, nada se movia, a Jovem sentia que sua pele, ossos, veias iriam explodir naquele instante e tudo que ela É abraçaria e devoraria em beijos e carícias a boca, a pele, Ele. Mas ao contrário dos desejos jamais falados, Ele analisou profundamente a Jovem, com Suas cintilantes luzes verdes e expressou apenas um ar de dúvida, de indecisão. Voltou-se, e entrou na sala, sem dizer palavra, sem fazer gesto. Não é preciso dizer que a Jovem se fez água e esvaiu-se. Nada mais fez, foi pra casa. Passou dois dias na cama.
  Naquele dia, poucos segundos depois, Ele ainda estava rente à porta que acabara de adentrar para fugir de si mesmo, não Dela, quando voltara para o corredor procurando-a novamente. Em vão. Nada viu além do livro que Ele sabia, Ela carregava todos os dias. Pegara no chão, mas seus olhos não queriam acreditar no que via. Estava atônito novamente.
  No primeiro dia de retorno as aulas, a Jovem estava caminhando como um zumbi, seus olhos agora eram cinza. Foi quando sentiu uma mão tocar-lhe suavemente as costas e uma corrente de mil volts a percorrer seu corpo, era Ele. Não queria voltar-se, no entanto, a mão puxou-a suavemente em sua direção.
- É seu?
- Sim
- Sei que não acreditaria se dissesse, mas por um momento pensei que esse fosse o meu livro, até que vi que não fui eu que o perdi. Notei sua letra e aqui estou eu para te entregar.
  Dito isto, estendeu os braços oferecendo o tomo, quando a Jovem fez o mesmo gesto. A partir daí, não há como saber quem começou, só se sabe que o livro foi prensado por dois corpos e duas bocas que intensamente se envolveram num sofrido, lascivo, e apaixonado beijo. Descobria-se então que era aquela a resposta para todas perguntas que não lhes foram feitas, enquanto o livro mais uma vez caía no chão sujando-se de lama, mas ainda era possível ler o nome da autora: Lívia Prado.


 Anala & Adriano

4 comentários:

  1. Lindo,meu amigo. Prosa de primeira qualidade que retrata como a vida é um incessante ir e vir, onde o encontro, o instante, definem a existência de maneira radical.

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  2. Parabéns aos autores.
    Excelente texto.
    Ele reflete bem, o modo de agir das pessoas reservadas e tímidas que prefere fugir da vida real e se entrega a uma vida criada durante a leitura de um livro.
    Nele podemos ser o que não somos...
    Fazer o que não fazemos...
    A superação está em conseguir romper as amarras impostas por terceiros... assim podemos dar vazão aos nossos sentimentos e encontraremos a felicidade completa.

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  3. Mal acredito que tive a honra de escrever com você! Só tenho a agradecer ! Que bom que os que leram acima gostaram do texto :]

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  4. Gostei foi engraçado não sei que graça foi essa.Talvez seja a de um amor ter um livro como cumplice.
    Adorei !!!

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