terça-feira, 22 de setembro de 2009

A ESPERA



Nasrudrjin era um homem muito rico que repentinamente se viu quase pobre por não ser hábil nos negócios, teve que mudar para uma região mais humilde na periferia de Jerusalém. Ele se tornou muito rígido em cumprir as leis divinas. Mas diante do fracasso, não teve mais ânimo pra lutar de novo, e vivia agora em sua casa fingindo que tentava arranjar trabalho. Sorria para os amigos, gabava-se do passado e amaldiçoava os ricos. Resignou-se àquela vida, ficou esperando alguma coisa vir, um dia bancaria sua família novamente, que tivessem paciência! Bradava ele. Gritava com todo mundo, mas na hora de amar sua mulher e filhos, amava em silêncio...

Balla Cumaína era sua esposa. Desde a falência da família sustentava toda a casa vendendo especiarias aos homens brancos que vinham de longe. Casou com seu marido por amor, teve que romper com sua família de origem judia para ficar junto de seu grande amado. Contudo, o homem que ela admirava tornara-se um monstro. Sempre duro, só pensava em negócios seu marido, nenhum carinho nem afeto, nem para ela nem para os seus quatro filhos. Por vezes, mais constantemente depois da bancarrota, seu esposo batia nela. E já se passaram 30 anos de suplício, período este em que várias vezes pensou em sair de casa. Mas primeiro precisou esperar para ver se ele mudava, não mudou, depois, precisou ver os filhos crescidos, crescidos já estavam, mesmo assim não largou do marido, alegava a respeitável dona Balla Cumaína que tinha pena dele, esperaria que ele se acertasse financeiramente na vida a fim de que ela finalmente pudesse deixá-lo vivendo só, mas não na miséria absoluta. A Senhora Nasrudrjin também tinha paciência, esperaria algo acontecer. Enquanto isso ficava em silêncio...

Faiarrála e Ludibinara eram as filhas do casal acima. Todas muito religiosas e sempre fingindo não ver nem sentir as intermináveis brigas dos pais. Ambas eram infelizes, choravam cada uma escondida em suas tendas. Na verdade nem fé verdadeira possuíam, mas jamais se insurgiam. Muitas vezes pensaram em fugir com alguns dos belos mercadores brancos que compravam na tenda de sua mãe. Mas tinham medo. Esperariam o dia em que teriam coragem para romper com seus pais e aquele mundo tão fechado dentro de si mesmo. Não queriam viver daquele jeito, tinham certeza. Mas aquele mundo era tão restrito que nem elas mesmas sabiam como realmente queriam viver. Esperavam um sinal para decidirem seus destinos, aprenderam a vida toda a obedecer, enquanto isso permaneciam em silêncio...

Abdul Absála era o irmão mais velho das meninas acima. Desde jovem resolvera ser ermitão e pregar no deserto. Não dava importância às coisas materiais nem tão pouco da alma. Dizia ter pena de sua família, lamentava o fato deles viverem isolados naquele mundo tão restrito, havia muito mais do que ganhar o pão com o suor de seus rostos ou orar a deuses invisíveis. (um humanista o abdul) queria viver, gozar da vida assim com fazem os pássaros e as andorinhas. Queria muito ver o mar, mas jamais trabalhou, mesmo quando teve chance, e nunca tinha dinheiro, mas esperava um dia conseguir ver e viver no mar. Ele esperava alguma coisa enquanto isso, no meio do deserto, estava em silêncio...

Nasirajsdrin era o filho mais moço. Estudou com os sacerdotes as leis e a magia. Era o único que realmente parecia não se conformar com tudo aquilo. Por isso, sofria muito ao proteger a sua pobre mãe quando ocorria as intermináveis brigas. Sofria por seus irmãos, por toda a sua família que aceitava tudo como uma fatalidade do destino, que esperavam alguma coisa acontecer, nesta vida ou talvez noutra, como acreditavam os pagãos da Índia. Apesar de tê-la estudado a religião e os costumes, ele não se curvava a nada daquilo. Vivia sua vida, e já ganhava um bom dinheiro para alguém de sua idade vendendo e comprando camelos. Lia muito, era um sonhador. Sonhava em encontrar o amor de sua vida. Jamais se casaria por dote. E sim por amor. Passaram muitas mulheres na sua vida, mas nenhuma ele amara. Quando isso o acontecesse faria tudo por ela.

Até que um dia apareceu por lá a bela Fatira. E ao olhar nos seus olhos cor de mel Nasirajsdrin sentiu que era ela a dona de sua alma. E ela sentiu o mesmo. E os dois se amaram nas areias do deserto e caminharam de mãos dadas pelo oásis de Aljara Farral. Contudo, a família dela era nômade, beduínos que viviam viajando no deserto infinito. Logo seus pais se voltaram contra aquele amor. Não se via com bons olhos aqueles andarilhos sem raízes. Logo a família dela foi contra aquele amor, não gostavam daquele rapaz sonhador. O pai de Nasirajsdrin o amaldiçoou, sua mãe chorou, batendo nos peitos e arrancando os cabelos em grande aflição e disse que realmente era infeliz (isso deixou o pobre rapaz com o coração partido), sua irmãs apoiaram os pais, como não podia deixar de acontecer. E ele, ficou só, pois aprendera que não deveria se dar a seres estranhos da família, ele não tinha amigos com quem compartilhar suas dores mais íntimas, havia apenas os camelos.

Ao final do embate interior, mesmo depois de ter prometido atravessar o nebuloso Saara com sua amada ele pediu para que ela seguisse seu caminho nas areias frias do deserto sem ele, disse isso com lágrimas nos olhos que caíram abundantes e antes mesmo de tocarem o solo arenoso subiam para céu. Era ela quem tanto ele esperou, mas não podia largar tudo agora, já tinha feito muito para alguém da sua idade, mas havia muito a fazer e teria muito tempo para encontrar um novo amor ou quem sabe, reencontrá-la... Ao acaso... Com um dos seus camelos ela se foi.

Ele viveu sua vida esperando sua mãe se livrar de seu pai que a maltratava, esperando suas irmãs serem felizes, esperando seu irmão alcançar o mar. Esperando encontrar um outro amor, e dessa vez faria de tudo por ele, até fazer chorar sua mãe se preciso fosse. Ele esperava, pois sabia que o tempo tudo dá e tudo tira. Ele esperava alguma coisa acontecer. Enquanto isso, como um poderoso mago, fazia chover dolorosamente no deserto, pois antes de tudo, ele aprendera também a chorar em silêncio...



Adriano Cabral.

6 comentários:

  1. Assim como a maioria, senão todos, dos textos de Adriano, este também não poderia deixar de ser muito bom, e nos levar a refletir um pouco...
    A Espera... muitas vezes é exatamente assim que passamos a viver nossas vidas, a espera de tudo, ou de nada. Esperamos terminar os estudos, esperamos começar a trabalhar, esperamos isso, esperamos aquilo, esperamos ficar mais velhos, e enfim quando o tempo passa já não dá mais para realizar tudo aquilo que sonhamos ou algum dia desejamos. Normalmente decidimos esperar o “momento certo” para fazer determinada coisa, mas quem sabe qual é este momento considerado como certo? Não se sabe, apenas se espera, e quando este momento chegar certamente será percebido. O interessante é que a maioria das pessoas vive assim, sempre a espera de que algo aconteça para verdadeiramente viver, mas a espera normalmente é tão grande que quando as pessoas se dão conta não dá mais para correr, para voltar atrás e recuperar o tempo perdido, e assim terminam vivendo uma vida frustrada, pautada em coisas que um dia possam ou não acontecer.
    Esta semana ouvi um comentário de um ditado que fala sobre expectativas e dizia mais ou menos assim: se você quer ser feliz não tenha grandes expectativas. De certa forma é possível atrelar este ditado ao texto, quanto menos a gente espera mais feliz nos permitimos ser, porque pequenas e simples coisas conseguirão nos surpreender e nos deixar felizes, entretanto se esperarmos sempre algo muito grandioso, poucas são as coisas que conseguirão superar nossas expectativas.
    Quanto mais esperarmos, quanto mais barreiras colocarmos a nossa frente como obstáculos para nossa vida, mais difícil será encontrar a felicidade, isto porque o tempo vai passar da mesma forma, mas os que vivem a espera de algo “especial” ou do “momento certo”, permitirão que o tempo passe levando junto com ele sua felicidade, ou ao menos boa parte dela.
    Então, não deixe para amanhã o que você poder fazer hoje. Não espere, VIVA!

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  2. Adriano!!! que bela surpresa este teu blog! vou incluir no meu um link para cá. abração! saudades!

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  3. Mesmo já tendo feito o comentário em outra ocasião, senti vontade de parabenizar novamente. Após a releitura do texto hoje percebi o quanto ele realmente é MUITO BOM.

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  4. Passei horas lendo seu blog do início ao fim, e confesso que fiquei apaixonada, encantada e porque não dizer, seduzida.
    Você além de um escritor brilhante tem uma sensibilidade espetacular para sentir o que as pessoas sonham pensam e sentem. Deve ser assustador e ao mesmo tempo mágico conviver com alguém assim. Um grande beijo blogueiro Adrino e agora você tem mais uma seguidora fiel e fã.
    bjos

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  5. E assim a maioria vive, em silêncio, esperando a oportunidade bater na porta. Quem sabe até mesmo a felicidade. Esperando q ela apareça e diga "Oh, bom dia, vim te visitar." Não, a vida não é assim, vc tem que encontrar o caminho que leva a oportunidade e à felicidade... Fique em silêncio e viva a vida inteira olhando pra porta de sua casa. Amei o texto. Beijo adriano.

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  6. Realmente...é incrível como existem pessoas que preferem ser expectadores de suas próprias vidas...,onde mesmo em meio a tantas desgraças, preferem se omitir a agir, esperando ver o acontence com seus próprios destinos... (Mais um excelente texto... o detalhe dos nomes dos persogens fizeram diferença..rsrs)Patrícia.

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