Era como todas as manhãs. A praia, o sol, o mar verde, mar azul, mar infinito, mar. Infinito. Sonho, ambição e ilusão que acompanha a raça humana até o irremediável fim.
Era como todas as manhãs. E há exatamente um ano atrás Daniela estava deitada, a toalha sob as areias brancas, quase tão alvas quanto à delicada pele que só encontrava o sol nas primeiras horas da manhã. E se um dia tu já tivesses tempo para se maravilhar com a magia do alvorecer a beira do mar, de ficar a contemplar o céu em seu esplendor, verias não apenas o espetáculo multicor que a natureza todos os dias proporciona no alvorecer do Recife, contemplarias não só as gaivotas singrando o céu e mergulhando no azul celeste em busca de alimento, não verias apenas os saveiros em suas majestades de adornos do mar; voltando do labor, não sentirias apenas a música marinha a acariciar teus ouvidos e o vento a penetrar tua alma. Verias Daniela, lá deitada, devorando algum romance. Verias Daniela e seus cabelos castanhos bailando ao sabor do vento, e se tu te aproximasses mais, verias os olhos, e neles, encontrarias a certeza, a mulher. Mas como Daniela seria mulher se ainda era menina? Mas seus olhos desdiziriam tudo isso, dissipariam qualquer dúvida, pois, neles verias uma mulher serena, firme. Uma força da natureza que faria a maioria dos homens a volver, humildes, os blasfemos olhos para areia. Pois não cabe a todos contemplar tão magnífica beleza. Aquele recanto da praia, aquela faixa de areia, àquela hora do dia, este era seu mundo particular, era onde sua solidão se tornava suprema e onde finalmente ela estava consigo, e para ela, isto bastara até então. E tu, mesmo diante de tantas belezas, ao se deparares com Daniela, terias a certeza que ela só te bastaria.
E os seus olhos de cores indefinidas deslizavam pelas vidas e pelos mundos que ora surgiam ora morriam ao sabor das páginas que avançavam. E era, muita vez, através deles, que Daniela passava para os outros tanta vivência que nunca vivera, tanta certeza onde havia só dúvidas. Mas quem não tem sua casca e sua essência? Quem no final das contas não tem dentro de si o personagem que representa? Personagem às vezes tão forte, que toma seu lugar na vida.
E pontualmente as 7:00 da manhã ela se erguia. Nem se dava ao trabalho de olhar em redor de si, não queria saber quem eram os profanadores que estariam, mais tarde, no seu lugar santificado. Tinha horror a espécie humana, ou assim desejava acreditar. A solidão era sua dor, era seu bálsamo. Alguns meses depois o telefone tocou:
—Boa noite! está? Não por favor, diz que sou eu, sou eu, diz para atender.
—Tá! Tá! Vou chamar, mas não garanto nada viu?
Correr na praia, fazer exercícios, corpo são mente sã, já dizia os antigos. Tenho que preservar a minha perfeição, e o que vejo? E o que vejo? Não, devo ter corrido demais, só pode ser uma miragem, aquilo existe? Ela existe?
E a Daniela era famosa, ora admirada, ora ridicularizada pelo motivo de quem em mais de cinco anos estudando no colégio, nunca fora vista com namorado. “Sapatão, só podia ser sapata meu camarada!; “Pessoas que estudam demais, acabam ficando loucas, não vê como ela vira um fera quando mexem com ela, é histérica!; “É uma jóia rara, só mesmo alguém muito talentoso e cativante vai desbravar e penetrar naquela selva; “Deve ser problemas com a religião, quem sabe ela é Judia?”.
O fato é que Daniela não sabia ou não queria saber que era objeto de debates, muitas vezes ferozes, quanto a sua conduta amorosa. O que quase ninguém sabia e nem tão pouco desconfiava, é que mesmo já tendo dispensado mais de uma dezena de pretendentes, desde o mais lindinho do colégio até o mais estúpido nerd, Daniela já amava. Isso mesmo, não te assustes, ela amava ardorosamente alguém, e sua fidelidade era tamanha, seu desejo de possuí-lo era tão intenso, que nunca falava dele para ninguém. Ele era seu Deus e ao mesmo tempo seu servo. E só ela e seu amado poderiam saber da existência mútua. Seu nome, ela ainda não sabia, onde mora, nem imaginava. Mas ela tinha certeza que quando o olhasse pela primeira vez saberia... Ela saberia. Ela saberia. Por isso mesmo, muita vez saía sozinha pelos lugares mais inusitados da cidade, em busca dele. Mas nenhum romance rendeu mais que uma noite, e ela já havia perdido as contas dos rapazes que a fizeram perder tempo. Mas desde seus sonhos românticos até suas solitárias aventuras noturnas, só Daniela sabia. E pra cada rapaz esquecido ao alvorecer, ela se sentia mais dele... ela encontra-lo-ia...
—Alô! Boa noite meu amor! E os seus olhos agora cintilam ao ouvir a melodia da minha voz?
—Como?
Lendo um livro a essa hora da manhã? E eu que pensava que as pessoas só saíam para malhar... Meus Deus! Esta menina não é real, é um sonho, ora, e lá irei eu sonhar com ela... Sonho.
Daniela estava nas últimas páginas, o navio agora iria embora sem destino, levando consigo os velhos amantes, senis amantes, que um dia foram jovens e se perderam para só encontrarem-se no fim da vida. E ao contemplar o vapor se perdendo na imensidão do mar do Caribe, Daniela teve medo, medo de nunca encontrar seu amado, medo de ter vivido embalada em sonhos tão obsessivos quanto os do telegrafista que passara mais de 50 anos cultivando na solidão um amor impossível. E, sem querer, e afinal quem deseja tal transformação, o medo se faz pânico e veio a melancolia, rainha de todas as dores, e como séquito tinha as lágrimas, amigas fiéis da tristeza feminina e que vieram devagar e já estavam prestes a jorrar pela face menina... Daniela repetia mentalmente, será que vivo num mar de ....
—....Ilusões? Não minha cara, duvido muito. Não é você que vive no mundo imaginário de contos de fadas, mas sim, os outros que, neste momento, ainda dormem, e continuam sonolentos até o morrer do dia, até o último segundo, quando, ao retornarem as suas camas, vão apenas prolongar todo seu dia, dormindo. São eles que se recusam a contemplar a beleza da aurora e se envolver com a melancolia divina do crepúsculo. São eles que são incapazes de sonhar, de acreditar em algo superior e invisível aos olhos, de identificar a verdadeira beleza, beleza como a sua, que fica oculta no mavioso cofre de sua alma, desses seus indefiníveis olhos... como se a realidade num minuto se transmudasse em Sonho...
E ditas essas palavras pelo estranho, as lágrimas que continuavam, agora eram outras, mais raras, que brotaram dos olhos de Daniela num sorriso... e houve um instante de silêncio, momento de pura contemplação....
— Me doas um minuto, só um minuto da tua vida agora, tão somente para que eu possa penetrar neste imenso mundo oculto nos teus olhos?
Das palavras vieram á lágrima verdadeira da felicidade que afogou as melancólicas para algum poço sem fundo, e aquelas jorraram faceiras, ainda no largo sorriso de Daniela.
O rapaz ficou confuso, perdia toda retórica e discurso, ficou temendo tê-la assustado com tanta bobagem lírica. E pela primeira vez, as palavras desapareceram quando ele mais precisava.
— Me perdoe, vou embora, sou um doido! Sei bem o que vais falar, já me disseram, só me entenderia outro louco, e pelo visto és bem sã. Me desculpe, vou embora, não te incomodarei, estou confuso, pensei que mesmo de um louco, um elogio seria sempre um elogio... mas... tal perspectiva só coroa a intensidade de minha loucura.
Ele ergueu-se angustiado e se afastou dela, sem olhar para trás, quase correndo, contudo, ainda tinha a tênue esperança de que ela, através de ações ou gestos, o detivesse. Mas a cada passo que dava a esperança se extinguia, já ia longe, mesmo sem voltar-se para trás ele a sentia, estava bem alerta para escutar o que lhe dizia o silêncio, para captar qualquer coisa que o recuperasse do fiasco, foi quando, ao longe houve um grito, que chegou a ele, quase como um sussurro...
— Eu sou louca! Louca! Um minuto... e estou louca!
E ao olhar pra trás, viu uma luz saltando feliz no horizonte, sumindo...
PS:Talvez eu publique a segunda e última parte em breve...rs
Dri, você é perfeito do início ao fim. Acho que sou a única pessoa que leu seu blog todo, e não tem nada regular ou mais ou menos é tudo no mínimo do muito bom ao espetacular. Ah! Quero muito saber se ESSE é o cara que Daniela tanto esperava! Tenho muito orgulho de ser tua fiel leitora. bjos
ResponderExcluirAdriano.. você é muito mau. Coloca um texto enorme, e tão grandiosamente fascinante.. a gente vai lendo, quase que prendendo a respiração p/ não atrapalhar.. e quando chega na parte mais esperada... vc acaba o texto. Isso não se faz! =(
ResponderExcluirMas vai.. você pode se redimir logo, colocando a segunda parte do texto! ;D
Smack!
Faço minhas as palavras da Sayuri: Cadê o resto do texto???
ResponderExcluir=D
Todas as Manhãs do Mundo é realmente um texto maraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa cadê a continuação, cadê a continuação, cadê a continuação.
ResponderExcluirDepois de um tempo out tem muuuito o que ler e logo de cara ja me vem um texto desses, com uma alien tão dificil de se encontrar hoje em dia... "Só pode ser budista, judia, sapata, evangelica, prostituta." Mas nunca simplesmente ela mesma. Lerei em breve a continuação... :)
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