Após a palestra fui direto ao aeroporto, a saudade da minha terra era imensa, ô ditado perfeito: Não há lugar melhor que o lar. Mesmo assim não me arrependo de ter passado meus últimos três anos na paulicéia desvairada, aprendi muito, tive tempo o suficiente para superar o estressante divórcio com aquele ser nauseante e voltava pra casa revigorada. Antes de subir no avião liguei novamente para minha mãe, e de novo, estranhamente ninguém atendeu. Ainda bem que meu tio ligou-me hoje cedo dizendo que tava tudo bem e a mamy tava na casa da vovó que de teimosa nao tinha telefone. No final das contas a mãe era a única pessoa no mundo com quem tive uma recíproca história de amor. Não, não me julguem, naqueles tempos o conto de fadas nunca vivido era algo que trabalhei bastante para esquecer. Laborei tão bem que realmente acreditava que tudo aquilo era nada... ou quase nada, afinal, já estava com 25 anos e um divórcio nas costas e a vida adulta para viver. Adeus sonhos de criança.
Cheguei ao prédio da minha avó no final da tarde, ainda estava subindo lentamente as escadas dirigindo-me ao segundo andar e no caminho deparei-me com minha amiga de infância Mirela que assustou-me ao abraçar-me fortemente. Olhei-a espantada e ela faou com toda formalidade de praxe: meus pêsames. Naquele instante foi como se um raio fritasse meu cérebro, minha nuca, porque você ta falando isso, balbuciei já imaginando a resposta. Você não sabe? Sua mãe faleceu. Respirei fundo e de repente o ar começou a faltar-me, fiquei hirta como um cadáver, abri os olhos ao máximo mas não via nada na minha frente, comecei a despencar e tudo ficou escuro...
O teto branco começou a aparecer e pouco a pouco fui recobrando os sentidos. Meu corpo estava pesado e as pálpebras tinham dificuldades de manter-se erguidas. Percebi que estava numa cama, o quarto era familiar, mas não sabia onde estava. Tentei levantar-me mas estava muito zonza, lembrei-me da cena com Mirela e da suposta queda nas escadas e pensei que provavelmente aquilo teria sido um sonho, afinal, não obstante sonolência não estava ferida, logo não tinha caído e minha mãe estava viva. Uma voz grave e suave disse: calma Estrelinha. Meus olhos seguiram o som e de repente notei que no canto do quarto um homem me olhava, seu rosto aos poucos foi se formando através de minha visão ainda embaçada, meus nervos começaram a entrar em ebulição quando seu rosto ficou nítido, havia um grande pesar em sua face, uma mistura de tristeza e piedade. Ele veio até a borda da cama e segurou minha mão. Gelei ao mesmo tempo que meus olhos formaram uma grande tormenta de lágrimas, e entre soluços e gemidos ele me abraçou. Eu chorava pela minha mãe, a única pessoa que amei e fui amada, eu chorava porque jamais iria vê-la, sentir seu cheiro, receber seus abraços e suas queixas, e ouvir sua risada gostosa.
Chorei mais dolorosamente porque um sentimento que tinha certeza que estava morto ressuscitava de forma lancinante e insana, naquele mesmo instante, com toda dor da saudade, das tempestades outrora vividas, das desesperadas tentativas frustradas de viver de forma diferente, da mágoa de nunca ter sido sequer notada. Foi naquele instante que minhas lágrimas foram sufocadas por um beijo, intenso, longo, sofrido, supremo, plangente, cheio de culpa, desejo, desespero, pesar, gáudio, horror, cheio de amor. Sim, no dia que o amor morreu ele surgiu como um monstro de luz e desejo. Foi neste dia que Davi deu-me o primeiro beijo, logo em seguida deitei novamente estava em completo torpor, segurando a mão dele desfaleci.
Quando despertei já era manhã e dona Adelaide assomou à porta chamando-me de filha e explicando que não precisava preocupar-me com a minha avó. Logo soube que ela havia sido socorrida durante o enterro de minha mãe e estava hospitalizada sob efeito de sedativos. Fora desejo de minha mãe que eu não fosse informada da sua morte, queria poupar-me para não estragar meu grande momento em São Paulo. O enterro havia sido na manhã de ontem, Davi quem se responsabilizou de tudo, ele estava de férias e passava uns dias com a mãe enquanto sua esposa estava em missões evangélicas no norte do país e só retornaria em 15 dias. Ao ouvir a menção da esposa dele senti um calafrio na espinha. Eu não tinha ninguém na cidade, minha mãe morta, minha avó no hospital. Dona Adelaide insistiu para que eu ficasse hospedada na casa dela até quando fosse necessário. Não tive muitas forças para recusar.
Quando Dona Adelaide saíu do quarto recomecei a planger, desta vez contida e silenciosamente. Vários sentimentos guerreavam dentro de mim, a dor da perda, o medo pela minha avó, a saudade, a culpa de ter beijado um homem casado e ao imaginar que nos próximos 15 dias ele estaria ali a sós comigo, fiquei horrorizada comigo mesmo pois no meio das lágrimas...
by-Adriano Cabral