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domingo, 18 de abril de 2010
INCONFIDÊNCIA À MINEIRA
OBS: Para melhor leitura do texto acompanhe as notas ao final.
— Não podemos mais adiar...
— Não podemos! repetiu outro com mais vigor.
— Ah! Por favor, mandem mais champanha. Não é possível continuar. Bradou o Tomás (1). Todos gritaram em uníssimo: Apoiado!
— Não esqueçamos do vinho, senhores, o vinho, é ele que move o mundo.
Mais uma vez todos concordaram.
A reunião continuava animada. Parecia, a cada instante, que os presentes esqueciam um pouco do “real” objetivo de estarem ali. Joaquim Maia(2) já teria tomado mais de uma garrafa e gritava que a gente superior dos E.U.A também não dispensava a oferenda a baco mesmo nas horas mais solenes. Álvares Maciel(3) emendava lembrando que os “nossos” irmãos gregos em seus debates se encharcavam de vinho enquanto desvendavam os segredos do universo. Vez ou outra, um dos rapazes alteava a voz e declamava, com toda a desenvoltura típica dos ébrios, algum poema que quase não era ouvido por ninguém, tamanha era a algazarra. Contudo, após o fim da leitura do texto, todos aplaudiam, não se sabia se pela qualidade dos poemas ou pelo fim do suplício de ouvi-lo.
O tenente Freire bateu várias vezes na mesa implorando silêncio até que, por um milagre, foi, ao cabo de alguns minutos, atendido.
— Senhores, estamos aqui reunidos em casa do Sr. Cláudio Manoel(4) , a fim de fecharmos nosso programa de governo...
— E o slogan! Antes de tudo o slogan que é essencial, interrompeu, aos gritos, Joaquim Maia.
Freire cerrou o cenho. Em seguida todos fuzilaram o Maia com um olhar de censura. Este parecia despertar de um sono profundo e emendou:
— Ah! desculpem-me, lembrei-me, já temos o slogan(5).
E todos gritaram: “Avança Minas!” Logo Cláudio emendou: “E o ouro é nosso”. Alvarenga inquiriu baixinho ao pé do ouvido do Cláudio: “O slogan não era aquele em latim”? Que a gente copiou do imortal Virgilio? O outro só repetia: “O ouro, amigo, o ouro é nosso”.
Em pouco tempo, a nata da intelectualidade brasileira já havia, pois, idealizado o programa de governo em todos os detalhes. Após meses de debates ferozes, disputas acirradíssimas de teses e antíteses sobre o modelo revolucionário a seguir e a forma de governo mais adequada, pouco a pouco, foi-se formando uma carta de princípios. Todos ali tinham certeza da sua qualidade de seres superiores e de que cabia a eles fazer a “revolução” de que Minas precisava. Eles sempre se reuniam nos finais de semana em casa de Cláudio Manoel, que pouco falava nas reuniões, mas sempre destacava o grande mal que era a derrama e sempre adorava destacar que “o ouro é nosso”. E por falar em repetição, o Maia não se cansava de invocar sua condição de ponte com os ianques, sua intimidade com o Jefferson, e que, sem dúvida, o modelo a seguir era o “dos irmãos do norte que nos ajudarão com seus exércitos”.
As gafes, a cada dia, diminuíam. Entretanto, ninguém esquecia o dia em que o tonto do alferes(6) , numa das primeiras reuniões, veio sugerir que se incluísse, nas metas do novo governo revolucionário, a abolição da escravatura. Todos gelaram com tal estultice. Gozanga não se conteve e quase tinha um ataque de riso diante de tamanha ignorância. E perguntou em tom de pachorra ao autor da infeliz proposta:
— E quem há de trabalhar nas minas? Eu? O Alvarenguinha(7) ... e todos caíram na gargalhada.
Basílio (8), sempre mais sisudo, destacou, sem se utilizar de nenhum eufemismo diante do alferes, que este teria falado tal absurdo por ter intelecto inferior. Não saberia ele que os grandes pensadores estavam em Roma e na Grécia, e que estas, berços da civilização e do saber, também foram as nações genitoras da escravatura? Claro que não sabia, por isso teria expressado idéia tão tola como a abolição da escravidão, e finalizou dizendo que, desde que o homem é homem, sempre os sábios tiveram escravos para executarem o vil labor, enquanto se elevavam aos céus através da leitura e poesia.
Depois desta noite infeliz, ao alferes foi concedida a honra de ser o elo entre o povo e os iluminados revolucionários. Ele não precisaria mais comparecer às reuniões, iria levar o ideal de luta contra Portugal ao seio do povo. Foi aí que ele começou a levar a fama de ser louco.
As reuniões prosseguiam e Silvério(9), afogado em dívidas, estava farto de ouvir falar dos planos de governo, das revoltas nos países irmãos e de toda aquela ladainha de bêbados a declamar poemas, a chamar uns aos outros por apelidos ridículos(10) sem nada de concreto a fazer para tomar o poder.
Diante disso, Silvério tomou uma decisão sensata, entregou aquela corja ao Governador. Não acreditava que este levasse a sério aquela turba de vagabundos, mas tinha esperanças de, ao menos, obter alguma vantagem pecuniária com o caso. O resultado disso é que todos os revolucionários foram presos. E, de repente, toda coragem e intrepidez do grupo se fora como por encanto. Todos negavam conspirar contra a grande nação, mãe de nossa amada Língua Portuguesa, respeito ao Camões antes de tudo respeito ao Camões gritava Basílio ao ser preso. Cláudio Manoel (que mais tarde veio a se suicidar quando perdeu todo seu ouro), desesperado ao saber que iriam confiscar-lhe os bens, tentou usar os ardis de advogado que era, e pediu para que o governador ouvisse os poemas do grupo. Após a leitura de cada um, ele repetia: “Não estais vendo, excelência, de como estamos alheios completamente à realidade brasileira? Nossas obras falam dos gelos europeus, dos prados, da lácio e da lira.”(11) O Visconde de Barbacena(12), mesmo convencido da inocência dos rapazes, decidiu pelo exílio de todos os poetas a fim de livrar o país da má literatura.(13)
Se todos negaram participação, também todos concordaram que, apesar de não terem dúvidas sobre suas próprias inocências, realmente existia um verdadeiro e maligno conspirador, gênio do mal: o alferes, que foi, mais tarde, fatiado e distribuído para o povo. Provavelmente por um tempo saciou a fome dos aflitos.
By-Adriano Cabral.
PS: Qualquer semelhança de nomes ou lugares com pessoas reais é mera gozação e pirraça mesmo.
NOTAS:
1-Tomás Antônio Gonzaga formado em direito em Portugal, tornou-se poeta tendo como principal obra Marília de Dirceu (Poesias dedicadas ninfeta de 15 aninhos Maria Dorotéia enquanto estava exilado).
2-José Joaquim da Maia, apesar de filho de pedreiro vai estudar na França onde conhece o então embaixador norte-americano Thomas Jefferson que dá apoio “moral” aos inconfidentes. Ele era um proviciano a frente de seu tempo, pois já naquela época endeusava os Estados Unidos.
3-José Álvares Maciel estudou na Inglaterra, foi advogado de Tiradentes, um dos mentores intelectuais da inconfidência, quando preso, negou tudo e jogava a culpa no antigo amigo e cliente: Tiradentes.
4-Cláudio Manuel Da Costa, mineiro poderoso, poeta (da mesma escola de Thomaz, que faziam versos inspirados na antiguidade Greco-Romana e no ambiente europeu, também formado em Coimbra) , Estava bastante preocupado com o ouro que escorria de suas mãos em razão da “derrama”.
5-Libertas Quæ Sera Tamen – Esta pérola da modernidade foi extraída de um poema de Virgílio, em português seria liberdade ainda que tardia . O “Avança Minas” não existiu, mas como eles não pensavam em libertar o Brasil e apenas seu Estado, o autor faz uma brincadeira com o lema da ditadura Avança Brasil.
6-O alferes aí, seria Joaquim José Da Silva Xavier, Tiradentes.
7-Coronel Alvarenga, quando preso, negou tudo e acrescentou que as reuniões dos supostos inconfidentes eram apenas orgias e farras de moços. Um bando de estúpidos, dizia.
8-Basílio da Gama, poeta, Estudou em Roma. Nem tava no meio disso, mas escrevia mal pra caramba e era do mesmo movimento literário, resolvi incluí-lo.
9-Silvério dos Reis, Negociante com dívida oito vezes maior que seu patrimônio com a coroa portuguesa, coronel, achava que a coisa era séria e que poderia resolver seus problemas financeiros. Foi um homem prático. Se deu de bem, além da divida perdoada, recebeu uma grana do governo até morrer e ainda foi condecorado como fidalgo em Portugal.
10-Era hábito dos escritores setecentistas como Thomaz e Cláudio de usar apelidos estranhos tais como Glauceste Satúrnio ou Termindo Sipílio.
11-A poesia setecentista ou árcade simplesmente não tinha absolutamente NADA A VER com a realidade brasileira, imagine de Minas Gerais. Depois disso Barbacena devia ter soltado os garotos, pobres garotos, produziam literatura brutamente alienada.
12-Governador da época.
13-A inconfidência mineira foi um movimento brutalmente desorganizado sem apoio popular, sem mobilização dos militares e sem pretensão de mudar nada, a não ser eliminar os impostos da elite. Movimentos sociais libertários importantes como a Revolução Pernambucana (Pernambuco) ou Cabanagem (Pará) nem são conhecidos do grande público. Os marqueteiros mineiros foram mais eficientes.
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