Ela se olhou de novo no espelho, resolveu mudar a cor do batom, provavelmente isso mudaria alguma coisa. Apagou dos lábios o antigo e habilidosamente pôs o novo. O cabelo nunca ficava da forma adequada, dane-se! Resolveu prender os revoltos, retornou ao espelho e os achou pior ainda, libertou-os. Afinal, eles eram a moldura do seu rosto não? O vestido era negro, que realçava sua pele alvíssima, havia sombra em redor dos olhos, quem sabe pra ocultar o que diziam. De outro lado, o sinal do celular nada escondia e gritava que já era hora de partir, num último instante ela resolveu apagar de vez qualquer vestígio de batom, ele preferiria assim, até os condenados à morte, até os condenados... Dentro do carro, ela novamente mirou no espelho, e seus lábios definitivamente, ao menos naquela noite, ficaram rubros apagando alguma coisa além de sua cor natural, após isso, ela mergulhou em seus pensamentos. O tiro teria que ser fatal.
Ele estava ansioso. Já passavam das 22 horas e nada dela chegar. Mas afinal, o que são trinta minutos? Enquanto pensava nisso já perdera a conta de quantas vezes havia ligado pra ela. Toda demora valeria a pena para estar mais um momento a sós com Gaby. Cada segundo com ela era especial, sobretudo considerando que era terceiro ano que estavam juntos, e também era dia dos namorados. Porra! Que horas essa menina chega! Mas logo em seguida tentava se acalmar, Deus! Eu pensei um palavrão, não posso nem pensar nessas coisas na frente da Gabita.
Já se passaram três anos... E parecia-lhe que ele ainda não conseguira acostumar-se com seu jeito contido, calmo e plácido de ver e viver a vida. Pra que pressas, tensões e gestos afetados? Os atos de loucuras devem ficar restritos ao hospício e a poesia aos versos de Azevedo. Às vezes ela passava horas tentando acompanhar toda a ânsia de que era objeto, e se exasperava, sobretudo com as cobranças, não diretas, mas nas constantes provas de amor de Cristiano, das flores, das cartas e dos tradicionais três telefonemas diários, faça chuva faça sol. Amor, amor, amor esta palavra já lhe doía os ouvidos, palavra esta que jamais utilizara. Tudo isso lhe causava um profundo mal estar, às vezes sentia-se incapaz de amar, inapta de sentir toda felicidade imensa de quem se diz ser amado. Será que havia uma pedra no lugar donde deveria haver um coração? Noutro momento atribuía ao seu namorado uma natureza exagerada e anormal, afinal só há amores assim na televisão. O carro andava devagar, mas seus pensamentos estavam a mil quilômetros por hora. Era hora de parar.
Já se passaram três anos... Mas parecia que o tempo parara, congelara no encanto, no brilho, nas pernas trêmulas, na forte emoção, na ânsia do encontro, no indizível prazer ao simples toque, todas essas sensações inerentes ao alvorecer das paixões ainda dominavam-no. Vê-la, ouvi-la, ou ainda o simples pensar nela o fazia sair no mundo terreno e alçar o infinito. Ela era perfeita. A única queixa que teria era a constante mudança de humor. Constante mudança... Ele ora se sentia muito amado, noutros simplesmente desprezado. Às vezes, ao pensar profundamente sobre o que pesava mais, tinha dificuldades de reconhecer que a segunda prevalecia. Por isso a sensação constante de que ela estivesse escorregando das suas mãos. Mas o simples olhar de dúvida lançado sobre ela ensejava-lhe palavras de consolo e firmeza que logo o tranqüilizava. Noutros momentos, ela parecia incapaz de compreender o que se passava no coração dele, por isso, quase nunca ele ousava se queixar. Mas era sempre ele quem ligava, marcava os encontros, lembrava as datas importantes e tomava as iniciativas. Até mesmo nos assuntos da cama era sempre ele e só ele. E nesses momentos de intimidade, sua perturbação sempre aumentava ao constatar que durante todo ato não ouvia um gemido, um suspiro, no máximo via os olhos fechados, e nos lábios brotarem um breve sorriso. Quanto desespero sentia ao tentar adivinhar o que a mente de sua amada pensava naqueles momentos.
Ao ouvir o boa noite de Gaby ele mudou de cor. De tão absorto em seus pensamentos não havia notado a chegada dela. Ela sorria. Ele parecia temer que ela fosse capaz de ler seus pensamentos, Ele tinha certeza que teria tal poder, teria todo poder, e nesta noite, aquela Deusa seria sua noiva.
— Garçom mande aquele vinho; sussurrou ao seu ouvido. O garçom partiu, o coração apaixonado a muito disparara assim como todas as células de seu corpo...
— Cristiano tenho uma coisa pra te dizer...
— Calma, calma, espera um momento; dizia nervoso enquanto já entornava o terceiro copo de vinho, sentia-se como se estivesse diante dela como na primeira vez.
— Garoto, relaxa você não bebe, pára! Falou perturbada, cogitando se ele já adivinhava o que estaria por vir.
— Calma, o vinho serve de combustível para o que tenho a te dizer, que é muito importante... Requer coragem. Você sabe, faz tempo que nós estamos juntos, não quero perder minha juventude inteira por causa de apenas “mais uma garota”... (Antes de ele completar a frase e dizer: Por isso quero que seja minha noiva, foi interrompido bruscamente...)
— Cale-se. Vociferou Gaby indignada e desesperada com o rosto escarlate. Uma fúria rara foi tomando conta de sua alma. Canalha! Canalha! Canalha! Repetia para si mesma em pensamentos! Como esse nojento que vivia dizer que a amava, adorava que ela era tudo vinha gora dizer que não a queria mais? Como? Enquanto refletia furiosamente em silêncio ela recordou-se de um conto que ela lera onde um casal se encontra no meio da madrugada e, sem coragem pra matar diretamente, olhos nos olhos, trocam cartas fatais onde declaram que não desejam mais continuar a relação(1-nota ao final do texto). Como aquele canalha teria coragem de fazer isso? Dizer ainda que esteja “perdendo a juventude...?
— Mas... Tentava o moço emendar o fio da conversa, contudo o olhar de ódio tolhia todas as palavras e paralisava o tempo e espaço. Ambos mergulharam num angustiante diálogo insensato, perdidos cada um nos seus silêncios.
— Filho da puta! Quer me largar né? Filho da puta! Deus! O que este safado ta me fazendo dizer! Eu nunca falei nada disso, ainda não falei, mas estou pensando... Amava-me, me amava, e que amor?
— Deus ajude-me! Porque ela ta assim, será que não quer ser minha mulher? Será que a idéia de ser minha noiva é tão odiosa? Ajude-me Deus; e entornava mais um copo de vinho.
— Tudo bem que eu fosse hoje terminar com esse babaca. E veja só, eu tava até com uma dorzinha no coração, ai que dor! Que merda! Eu tava com pena dele, com pena! E veja a piedade que ele tem de mim? Vem na maior cara de pau, pede uma garrafa de vinho, garrafa de vinho, e parece já comemorar a volta ao mundo dos homens disponíveis. “Aproveitar a juventude...” Isso não vai ficar assim, ele não pode fazer isso comigo. Os pensamentos dela foram cortados pela voz titubeante do namorado.
— Mas, não entendo, sei que você já advinha tudo, você sabe tudo mesmo né? Deveria entender que já passou do tempo, muitos outros casais tomam essa decisão muito mais rápido, estamos perdendo tempo... Não acha?
Ao ouvir isso o sangue explodiu na sua cabeça e seus olhos flamejaram de ódio, mas ela se conteve e sorriu friamente. Não seria dispensada assim, não como qualquer...
Gaby respirou fundo, pegou a garrafa de vinho, e entornou quase a metade, sem parar para respirar, em seguida, pegou um guardanapo, tirou completamente o batom e disse:
— O que eu queria realmente te dizer amor é que eu quero muito que você seja meu marido, adoraria ouvir: “amor” a todo o momento e te amar loucamente nas ruas e na cama, como uma fera insaciável no cio.
Ao ouvir tal declaração ele mal pode se conter na cadeira e pediu mais uma garrafa de vinho, nem conseguia lembra do porquê de estar ali, as idéias que surgiram da fala dela simplesmente tomaram-no tão completamente que ele vivia envolto neste doce mundo de idéias. Os dois beberam a noite inteira e se amaram loucamente, numa sinfonia desvairada, por toda madrugada. Gaby, que antes tão impenetrável, tinha se tornado efetivamente sua mulher. Ela era enfim sua como sempre quisera durante anos. Tanta felicidade mal cabia no pobrezinho, largos sorrisos quase de minuto em minuto, tanta felicidade que nem se importou de ter esquecido o anel de noivado no restaurante.
Daí em diante Gaby era efetivamente outra. Fazia declarações constantes, três ligações por dia, e como ele ouviu da boca dela: amor, amor, amor. O curioso que depois de um tempo Cristiano começava a duvidar do que ele sentia, a sensação de vitória vinha sendo substituída por uma contraditória sensação que havia perdido a mulher que amava.
Amor?
NOTA Nº1- Trata-se do Conto E Por Falar em Namorados de autoria do escritor do blog.
By-Adriano Cabral