domingo, 2 de maio de 2010

TODOS UM DIA VÃO EMBORA

      
       Ela se recusou a gritar, todos ficaram preocupados. Rute que até então segurava as lágrimas não conseguia mais contê-las, enquanto tempestades violentas surgiam através de suas órbitas, estas foram dirigidas numa súplica em direção ao homem de branco, ele deu uma leve palmada em Clara que finalmente chorou.

      Clara foi a última cria da família Cuvero, tinha mais dois irmãos Natanael, Davi e uma irmã Anne, que ao tempo de seu nascimento já estava casada. Clara já andava aos nove meses, aos cinco lia livros relativamente volumosos para alguém de sua idade. Aos seis, na véspera de natal seu pai morreu num acidente de carro. Sua mãe tentou de várias maneiras explicar-lhe que o pai morrera e nunca mais voltaria, no entanto, até os sete anos, Clara quase sempre corria à porta quando ouvia o barulho de alguém chegando, talvez fosse o papai oras!
     Aos treze teve o primeiro beijo, aos quinze descobriu os desprazeres da carne quando de improviso, cedeu as insistências de seu namoradinho. Não é à toa que só descobriu os prazeres aos vinte. Mas antes disso, no dia de seu aniversário de dezoito soube da morte de seu irmão mais velho Natanael. Este foi brutalmente arrancado da vida quando um aneurisma ardiloso explodiu impiedosamente. Clara não teve forças para ir ao enterro. Sua mãe, que desde a morte do marido colecionava namorados (A pobrezinha só descobriu que a busca por alguém que substituísse o marido morto era em vão pouco antes de morrer), passou alguns meses quieta, parecendo um zumbi.

       Aos vinte cinco ficou grávida de Luma, casou, teve mais dois filhos Rute e Natanael, em homenagem a mãe e ao irmão. Foi justamente no dia do primeiro ano do terceiro filho que entre lágrimas, Davi explicou o motivo da ausência da mãe a festa: Ela havia recebido o diagnóstico de câncer em estado avançado, o médico dera seis meses de vida. Como desgraça às vezes vem bem acompanhada, neste período que se soube que Anne morrera afogada nas águas calmas da Ìlha do Marajó, não deixou filhos. Para o azar de Rute, esta sobreviveu por mais de dois anos, entre quimios, internações, dores lancinantes, morfina, esperança, terror, angústia, e finalmente um dia, segurando a mão de Clara, ela morreu em grande agonia aos sessenta anos. No funeral, Clara ao ouvir de uma  senhora"amiga de última hora" que tinha sido uma benção a morte da infeliz Rute em face do sofrimento e da idade já avançada, Clara desferiu em agradecimento a espirituosa senhora um sôco tão forte que a mesma caíu no chão desacordada.


      
       Aos quarenta, quase morre ao saber que as duas filhas adolescentes, Luma e Rute, haviam morrido num acidente com o ônibus escolar. Depois disso, Clara quase que era despedida da universidade onde lecionava e conseguiu licença do cargo de juíza por meses. Tinha perdido a vontade de viver. Não demorou para o casamento acabar. Tal fato só foi mais uma gota no oceano de lágrimas que tinha se transformado a vida de Clara. Provavelmente por isso mesmo que não ficou muito chocada quando irmão Davi revelou que era homossexual. Este veio morrer aos sessenta anos, vítima de infarto, obviamente não deixou filhos.

        Aos setenta e cinco anos, aposentada,vivia numa luta ranhida com seu filho Natanael, o mesmo insistia que ela fosse morar numa "confortável casa de repouso", nome bonito para asilo, não tinha como uma senhora idosa viver só, ela delicadamente mandava o filho à merda. As suas duas netas, já adolescentes, quase não a visitavam. Clara só foi morar na tal casa de repouso aos oitenta e cinco anos, quando não conseguia mais se locomover sozinha e enxergava muito pouco. Aos noventa, para alívio geral ela morreu de causas desconhecidas, sozinha, como chegou, silenciosamente, em sua cama.

      
       O tempo seguiu implacável e levou seu filho Natanael  numa tarde ensolarada, um escorregão, cabeça no meio fio, que deixou duas filhas e uma neta, esta última ganhou o nome de Sofia. Esta estava numa tarde chuvosa com seus dois filhos Gabriel e Kate, a pequena de sete anos indagou a mãe pelo nome da bisavó, Sofia constrangida, confessou que não sabia, inquieta, a menina insistiu, perguntou onde ela estava.
- Ah filha! Sua bisavó faleceu há muito tempo.
-Mãe, por que ela morreu? Todo mundo morre? Perguntou a pequena em lágrimas.
Sem saber como responder Sofia disse:
-Não, nós nunca vamos morrer. Sofia foi logo enxugando às lágrimas da filha, abraçando-a carinhosamente. Kate começou a sorrir. No entanto, Gabriel o mais velho, gritou...
-Ah! Que ridículo Mãe, no final das contas, todos um dia vamos embora....

E continuou a chover.

Ps:Singela Homenagem a série excelente A SETE PALMOS

Cena que inspirou o texto: http://www.youtube.com/watch?v=IAHNf7otJIk

By- Adriano Cabral 

8 comentários:

  1. Que texto triste, Adriano! Quanta gente morrendo.. rs. Mas é verdade. As vezes temos o sentimento de que somos eternos, quando na verdade, o que temos de mais incerto e passageiro é a vida. Por isso.. por mais clichê que possa parecer, precisamos viver cada dia como se fosse o último. Não ter medo de se arriscar de vez em quando.. de quebrar a cara, quem sabe.. A vida é tão passageira e fluida.. como a água. Cabe a nós escolher, se vamos ficar sentados na beira do lago, ou mergulhar fundo no oceano! ;)

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  2. (Comentário onomatopáico-simbólico)

    - o.O Hum?
    - ô.õ Hum...
    - =/ Humpf
    - =( Ôw...
    - Buááá!
    - Snif, snif...

    Smack.

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  3. o triste do texto não é como as pessoas moreram , e sim como elas viveram

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  4. Sinceramente, não sei como reagir a esse texto.
    Acho que com surpresa, tristeza e espanto.
    hahaha
    A morte é uma coisa assustadora.
    Você tem certeza de que vai morrer, mas não sabe quando, como ou onde.
    E é isso que assusta.
    Até na certeza há incerteza.
    Por isso devemos escolher sempre os melhores caminhos, agir e não esperar que tudo aconteça simplesmente.

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  5. Salve! Durante minha adolescência eu tinha pavor de perder pai, mãe, algum ente querido. Ao perceber minha própria mortalidade, que até eu morreria um dia, esse medo arrefeceu um pouco. Até parece que a morte é algo que só acontece, só irá acontecer, aos outros. A cada dia que passa me convenço de que a morte parece ser uma grande ilusão. Me lembro de uma frase do Professor Hermógenes "Cada pessoa que morre me lembra da minha imortalidade." Um abraço, brother! Marcelo

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  6. E antes de ela morrer pisou em cocô de cachorro.
    Um abraço!
    Gustavo.

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  7. Pois é, um dia todos vão embora...
    Não é fácil aceitar essas perdas,mas temos que aceitar de alguma forma em algum momento senão a gente enlouquece.
    Isso é culpa tb da nossa cultura. Enquanto a gente chora a morte dos outros, no México por exemplo, o dia finados é comemorado com uma grande festa muito alegre (alguns chamamde carnaval dos mortos), onde as pessoas relembram os bons momentos vivenciados ao lado dos seus parentes e amigos que já se foram. Mas como nossa realidade aqui é outra, estamos fadados a sofrer pela morte alheia.O que nos consola um pouco é que "tudo passa,tudo passará"Mas também:" nada fica, nada ficará".

    =)



    Suee

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  8. Quando acabar de ver SFU vou ler o seu texto ! Se quiser dar uma passada lá, estou postando as vezes algumas coisinhas de SFU, se você se interessar! Abraços :)

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