quinta-feira, 13 de maio de 2010

MEDO



Definitivamente só. Não era só questão de fisicamente e emocionalmente estar só. O ponto é que antes dele, Naty sentia-se ontologicamente (esta palavra ela aprendera com ele) só. Como todas às coisas espetaculares da vida ele surgiu (ou fôra imaginado?) quando tudo, definitivamente, parecia não fazer mais sentido e a esperança era ave fugidia que singrava os céus em muitas direções, menos no caminho da nossa querida heroína. Então imagine o turbilhão de sentimentos que envolveram-na naqueles dias em que a tal ave não só passou perto dela, mas pousou em suas mãos e la repousou, como se finalmente tivesse encontrado um lar.
      E como não podia deixar de ser, naqueles tempos em que deixou-se sonhar, os dias se confundiram com a noite e estas eram compostas de sonhos despertos que se prologavam até a aurora. Afinal, ela já estava cansada de...
Dormir.
      De forma alguma, ele não se apresentava como alguém perfeito. Mas um ser cheio de genuínos, até mesmo gritantes e paradoxalmente, não obstante às vezes lhe irritarem profundamente, cativantes defeitos. Alguém que um dia teve o coração despedaçado, e na calada da madrugada, oferecia os fragmentos ainda pulsantes pra ela que, com seu toque, os fazia cintilar.

   E foi assim que numa noite, ou será dia, ele ofereceu-lhe a mão, e ela praticamente coagida pela força do sentimento, aceitou. Neste dia talvez tenha chorado, mas cada lágrima que caía saltitava, feliz. E seus sorrisos estavam em todos os lugares.

      Até que numa noite de encontro marcado, ela não esperou e dormiu. Até que numa noite em que o amor deveria ser consolidado, ela, sonolenta? Do outro lado da linha surgiu, e entre bocejos estrondosos disse:
- Sabe, no fundo acho que você não iria gostar de mim. Não satisfeita continuou. Sabe, estou com sono, neste estado ficou mais chata e impaciente, mesmo assim preferi vir aqui falar contigo. E o pavor se fez presente...
-Quero te fazer uma pergunta, por quê você gosta de mim? Sentir? Não. Racionalizar, medir, pesar, calcular, classificar, e trucidar qualquer sorriso dos lábios do poeta.
Não satisfeita com o silêncio ela insistiu.
-Quero que você diga logo, porque você gosta de mim, porque. Quero uma resposta, o motivo, a razão, quero entender. Acho que você não vai gostar de mim de verdade, sou insuportável, sou isso, não sou só uma mulher doce, meiga e carinhosa. Sou assim sabe, extremamente chata. E fuzilou: Sou assim com todo mundo sabe...
- Então me esqueça. Foi a única  frase que ele, desesperado, proferiu. Mudamente suspirou: Enfim, ela conseguiu... E nisso partiu.

Naquele instante Naty não tinha mais sono. Ela sabia que teria muito tempo para dormir. Estava em choque, agora quem não conseguia entender mais nada era sua alma. Só sabia que um crime perfeito acabara de ser cometido. Agora era seu coração que estava despeçado. Foi para cama, olhos vítreos. De novo, definitivamente só.

By Adriano Cabral.  

9 comentários:

  1. É na vida enfrentamos muito o medo e a verdade é o pior inimigo q temos, nao conseguimos dormir por medo, esse sentimento afasta as pessoas q está ao nosso redor!!

    O bom desse texto é q nos faz refletir as coisas!!!

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  2. Que final triste!!! Coitadinha Adriano...
    Bem que você poderia refazer o final dessa estória...Adoro todas, mas dificilmente alguma tem um final feliz, por que?

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  3. É.. acho que você tem o dom de adivinhar os sentimentos alheios.. rs.
    As vezes planejamos a felicidade para tão longe, e a idealizamos como tão tão tãao impossível, que de repente ela surge quietinha, e a gente fica com medo de acreditar que ela finalmente apareceu de verdade... Deixamos então de vivê-la.. e ela vai embora. Só então conseguimos reconhecê-la.. e aí, muitas vezes, já é tarde demais..

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  4. Eu acho que projetamos nossa felicidade é para muito perto, bem perto daquele padrão do que deve ser o amor. Talvez não seja um "projetamos", mas um "projeta-se": a Naty já devia ter sacado que as coisas não tem de ser de jeito este ou aquele... Mas não deve ser só isso, são tantos fatores... Sempre esquecemo-nos de algum, afinal, por mais experiente e sábia que seja uma pessoa, a troca de mentes ainda não foi inventada... rs

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  5. Um dia você me disse algo parecido com "as pessoas normais não estão preparadas para vencer, vivem em busca de um 'troféu' e quando finalmente o conseguem conquistar querem jogá-lo fora". Acho que é muito comum as pessoas não se acharem merecedoras "do melhor" - talvez realmente isto aconteça por medo, mas seria o medo de "ser feliz"? Acredito que temos medo do desconhecido, então viver algo totalmente diferente do que já foi vivenciado antes dá medo, e este medo leva a personagem (muitas vezes traduzida em cada um de nós) a permanecer só.

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  6. É uma pena que a personagem tenha preferido racionalizar o sentimento do poeta, em vez de se entregar e aproveitar o prazer de viver cada momento.

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  7. Triste fim adriano. Pensei que seria um romance de final feliz, medo superado, passos calculados. Mas um pouco de surpresa sempre nos cai bem.
    Beijo :)

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  8. Fiquei arrepiada agora. Estou passando por isso, e pela segunda vez. Acho que não aprendo.
    Por mais que eu tente, não consigo vencer esse medo.
    Texto maravilhoso.
    Beijos =X;****~

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  9. Eu nunca pensei que comentaria esse texto...
    Medo... todos sentimos medos, e com a ” personagem” não seria diferente, ela viu um poeta cheio de defeitos e qualidades, a sua multiplicidade, os seus varios eus que ela conhceceu e tantos outros que haveria de conhcecer lhe facinaram, ela queria se entregar mas numa noite quis saber se tal sentimento era correspondido, mostrou seu lado mais insensivel, mas como poderia deixar de ser? antes desta noite e “talvez” muitas noites depois desta ela ouvira exigencias contudentes, eu estou fascinado pelo seu outro eu... lágrimas foram derramadas,ela pensou por que vc não pode me aceitar , eu sou quem vc ama e quem vc odeia, como posso não ser uma parte de mim?... e seu coração se comprimiu, falto-lhe o ar, as palavras, ao sentir que ela amaria muito os eus do poeta e que tb os odiaria, mas aceitava a todos, e pensou com uma tristeza fatídica não posso matar o eu que vc odeia pq se ela morrer, o eu que vc ama também vai desaparecer...

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