Pré-História
Eva passou horas no espelho, somada as tantas outras no cabeleireiro e todos os retoques aquela noite deveria valer a pena, afinal, ela ia mais uma vez encontrar o Adão. O vestido preto acima dos joelhos e decote generoso anunciava o que estava por vir. A campainha toca, ela corre, mal abre a porta e já está sendo sufocada pelos beijos de seu namorado que são retribuídos prontamente. Não dá para resistir e eles fazem ali mesmo, no chão da sala dos pais de Eva. Adão aguarda pacientemente sua adorada se refazer de toda aquela verdadeira luta do prazer. Já dentro do automóvel, as mãos continuam a procurar as mais variadas e criativas formas de deleitarem-se. O carro teve que parar na primeira rua escura, não dava para segurar até o cinema. No cinema foi impossível ver alguma cena do filme. Uma senhora, provavelmente com inveja do casal segundo Adão, chamou o lanterninha e ambos foram expulsos do cinema, mas felizes, pois logo, logo estavam no paraíso encontrado um nos braços do outro.
Idades da Paixão.
Cada mês de aniversário de namoro era uma comemoração. Fotos, vídeos e cartões eram publicados diariamente nas redes sociais. Adão e Eva estavam juntos em todos os momentos possíveis até mesmo nos improváveis. Ambos dormiam juntos todos os dias, ao vivo, por telefone e até pela via internet. Adão morava sozinho e Eva já tinha as chaves da casa. Não raro, ao chegar, ele se deparava com sua amada completamente desnuda e faminta. As poucas vezes que um saía sem o outro era um tédio só, afinal, como eles não cansavam de repetir: ambos eram um. As famílias sentiam falta, os amigos também, mas quem precisa de mais alguém quando se tem em dois todo um universo? Morar junto já não era uma opção, era a única coisa a se fazer, casados ou não. E após cinco anos de namoro casaram.
Período Industrial
Ele era um dos principais comerciantes de peças automotivas de sua cidade. Ela tornou-se professora universitária. No primeiro ano de casados faziam amor cerca de três vezes por semana. No segundo ano nasceu pequeno Abel. Adão ampliou sua loja e Eva acabou o doutorado. Compraram o terceiro carro apenas para saídas com toda família. Abel deu os primeiros passos enquanto o casal agora se amava em seu ninho de amor duas ou três vezes por mês. A barriga crescia, não, não era outro filho, era o peso dos anos atingindo Adão. Eva não tinha mais tanto tempo pra ficar no espelho, tinha muita prova pra corrigir e planos de aula para elaborar. A cada quinze dias ela passava os finais de semana com a mãe, afinal família era muito importante. Enquanto Adão toda quinta-feira ia bater bola com os amigos, afinal, como se pode viver sem eles?
Certa noite, após passar vinte dias fora da cidade em razão de um congresso acadêmico a saudosa Eva, após banho tomado vai pra cama e deita de bruços por cima do maridão ansioso.
- Amor, quero fazer sexo!
-Eu também, já faz quase um mês, estou subindo pelas paredes. O olhar os olhos da esposa ele percebe que estão fechados, sacode levemente a mulher, ela desperta assustada.
-O que você quer Adão?
-Pensei que você queria fazer sexo, porra!
-Ah! Quero mesmo, mas estou com preguiça. Dá licença? Mas se você vai ficar bravo, faz aí, não me importo. Dito isto Eva deixou-se cair na cama de pernas abertas, no segundo seguinte dormiu. Adão desolado preferiu ligar o notebook e entrar na internet. E deitado ao lado de sua mulher nua, encontrou sua satisfação pela via ciberespacial.
Idade Moderna.
Eva cada vez era menos encontrada em casa. Agora vivia incorporada a uma rotina de aula, cursos, palestras e grupos de orientação de mestrado e doutorado. Adão já estava com cinco filiais de sua loja, e vivia também mais atarefado ainda. Quando chegava em casa geralmente a esposa estava a sua espera, dormindo, quando não, plugada no computador se comunicando com alunos e colegas de trabalho. Tratavam-se carinhosamente, beijavam-se uma vez ou outra quando se encontravam. Sexo? Era uma ou duas vezes por mês, e olha lá. Para todos os olhos eram o casal perfeito com a família perfeita. Foi nesta época que Eva começou a sentir o doce sabor do pecado ao ser ostensivamente elogiada por Cain seu melhor orientando do doutorado. Em pouco tempo Eva estava rendida aos encantos da vil serpente. Há mais tempo Adão dava suas escapadas do trabalho para tomar cerveja na vila, estacionando seu belíssimo carro na frente do bar. Neste, as adolescentes encantadas pelo seu Tucson do ano disputavam uma com as outras na ânsia de proporcionarem prazer ao Adão.
Às vezes Eva se perguntava por que Adão não insistia mais pra que ela cumprisse sua obrigação de fazer sexo com ele, mas preferia não pensar muito nisso.
Às vezes Adão se indagava do porque Eva andar pra cima e pra baixo com aquele rapaz de óculos e cara de retardado, não devia ser nada, ele era apenas um garoto.
Fim dos Tempos.
Os anos se passaram, os filhos cresceram e casaram. Eva após ter sido abandonada por Cain que viajara pra Recife com outra, resolveu pedir o divórcio. Não era mais possível sustentar aquela relação. Adão ficou surpreso com a decisão da esposa insistiu, mas desistiu após ela destilar todo veneno acumulado de ano após ano daquela longa relação. Os filhos intervieram, os ânimos foram arrefecidos, promessas foram feitas e refeitas. A vida continuou na mesma levada, cervejas, alunos e uma cama, que definitivamente só serviria para dormir.
Quando soube da notícia da morte de Adão, Eva estava deitada num quarto de hotel a milhares de quilômetros de distância de sua cidade. Ela já passava dos sessenta anos e não era mais capaz de seduzir alunos, ao lado dela, dormia tranquilamente um garoto de programa. Ao desligar o telefone, uma misteriosa lágrima solitária desceu de sua enrugada pálpebra, respirou fundo, aliviada, aninhou-se ao homem que ainda ressonava, e dormiu tranqüila.
by- Adriano Cabral